Uma resenha sobre Justiça – e essa bosta aí
Dia 24 de janeiro, odiemos ou não, entrará para a História do Brasil como o dia da não-justiça aplicada. A verdade é que estamos na era do pleno Ativismo – conveniente – do Judiciário, mas de contra-retórica
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Dia 24 de janeiro, odiemos ou não, entrará para a História do Brasil como o dia da não-justiça aplicada. A verdade é que estamos na era do pleno Ativismo – conveniente – do Judiciário, mas de contra-retórica. E o mais absurdo que se exija entendimento da pessoa comum é que não estamos entendendo nada, entretanto, falando com as certezas de nosso "tudo" de cada um que pensa ser entendido acerca da justiça. Vou mais longe na confusão: vivemos uma ditadura silenciosa coberta pelo manto da Justiça, aliás, o pior dos sistemas autoritários: o silencioso, em cuja dominação é feita pela "capa preta" (toga) legal de seres quase superiores que dividem a torcida e/ou o rancor inebriante da sociedade (dos homens comuns não-livres).
Porém, este texto aqui não é meu. Pretende-se aqui discutir em tempos rudes, repito: tempos em que déspotas assumem o poder supremo e oprimem as mentes e corações da população entorpecida e de lenta cognição sociológica, as palavras de um gênio do Direito em cuja licença autoral peço para descrever, exatamente, e interpretar, sutilmente, suas palavras. Trata-se de trazer a você, Leitor, um pouco do livro do professor Roberto Armando Ramos Aguiar[2], que inquietantemente deu-lhe o título: "O que é justiça – Uma abordagem dialética".
Senão, vejamos. A síntese geral que o autor produz é que a justiça jamais pode ser – vista como – neutra, ademais por sua própria condição dispare de lados em conflito. Isto é, a sociedade está posta em tendências e escolhas; recortes e condições, humanas (lados, classes). A estes estratos sociais é possível identificar ao menos aqueles cuja relação está alocada numa ponta, o dominante, na outra, o dominado. E disto se desdobra as demais acepções sociais. Neste entremeio, a justiça, que se queira parecer a mediadora das tensões postas por obviedade e sobrevivência em risco.
Para o autor, "a justiça é o dever-ser da ordem para os dirigentes, o dever-ser da esperança para os oprimidos. Podendo também ser o dever-ser da forma para o conhecimento oficial, enquanto é o dever-ser da contestação para o saber crítico" (AGUIAR, 1993, p.15).
Ora, logo aqui podemos imprimir um conjunto de acepções fundantes ao papel social da justiça. Uma vertente exigível aos "donos" do lócus social, isto é, dos administradores, seja do Estado (Executivo, Legislativo, Judiciário), seja da iniciativa privada (detentores do poder capital, megaempresários, chefões da grande mídia, banqueiros etc.). Contudo, a justiça é para os pobres (parte maior dos administrados). Neste ínterim, é quase possível deduzir um polo ativo e outro passivo. Se por um lado, a justiça é dever-ser dos que mandam na sociedade, estes o devem fazê-lo com base numa ética social e solidariedade funcional, por outro, a justiça é o dever-ser de quem sofre as mazelas públicas, portanto, este é receptor por excelência das obrigações institucionais, do cuidado do Estado, da proteção legal, em sentido fático.
Mas o Poder Judiciário, que deveria-ser para a maioria, para o povo, por descaramento midiático, mostra-se a serviço dos gigantes, de quem dela não precisa, de fato. Portanto, a Justiça escolheu um lado. Não é neutra. Serve a seu propósito enviesado.
Alerta-nos Aguiar (1993, p.15-16) que "não há justiça que paire acima dos conflitos, só há justiça comprometida com os conflitos, ou no sentido de manutenção ou no sentido de transformação". Ou seja: quando nossas instituições são covardes, melhor: covardes são seus dirigentes, há escolha clara de manutenção do tipo de Brasil que eles querem: o opressor ao pobre e à classe média, e conservador das regalias e conforto das elites, da classe abastada.
O autor completa neste mesmo enunciado que o problema real são "as concepções de justiça estarem profundamente ligadas à retórica, pois se põem como discursos para convencer, para dobrar, até mesmo pela emoção, o entendimento do destinatário", o povo, este que ainda tem como conformo mental as novelas, e como fonte de informações, os jornais manipuladores da Grande Mídia (TV aberta), que escondem a podridão nos porões do verdadeiro poder das elites, desde o Judiciário, passando pelas instâncias políticas e empresariais que governam o Brasil desde a chegada dos português para este território pátrio.
Aguiar reforça a ideia de ordem (ou organização da sociedade e do Estado de Direito) como elemento funcional da justiça. Trata-se de "justiça dos vencedores", dos que exercem seu poder. Entretanto, "para haver poder, é necessário que existam os obedientes, seja pela convicção, seja pela força, seja pela alienação, seja pelo engano" (p.22). Ademais, os vencedores conseguem consolidar sua verdade como "justiça que tem eficácia", exatamente por mandarem nas instâncias de poder (como a Câmara e o Senado, por exemplo) e isso "se traduzir por meio de normas jurídicas". Justiça, portanto, que transitava o "campo da ideologia possível" (visão livre), transforma-se em "ideologia sancionadora" (visão restrita), e vale como regra para todos o que diz aquele se apossou do poder (p.24).
No ano que se publica esse livro, 1993, Aguiar jamais saberia que um Golpe subsidiado pelo Poder Judiciário se implantaria nesse País. Aos sábios é possível a profecia da obviedade de consequência cultural sintomática. Aguiar afirmar "sem querer" que somos otários, que o povo brasileiro é ingênuo e legitima a força do dominador. Porém, faze-o na discrição para não "nos acordar". Eles tomam o poder, mas para mantê-lo é preciso uma estratégia de enganação. "A mais comum é a de se declarar que o país estava no caos, que a corrupção medrava em todos os recantos, que forças solertes estavam ameaçando a soberania, que a propriedade estava sendo violada, que as famílias estavam inseguras e tantas outras" (p.25) que servem de justificativa para tomada de poder e a salvação – enganosa – da pátria.
Se fizermos uma "justa" dobradinha conceitual e parafrasearmos Paulo Freire, podemos dizer que se trata do oprimido "engravidar-se" do opressor. Assim, o pobre e a categoria média da sociedade prefere a pacificação falaciosa que homologa como correta a crueza dos dominadores (terminam por defender as "causas" das elites). Sem saber direito, os menos – ou pouquíssimos – abastados subjugam-se e sofrem, alegremente.
Podemos aferir ainda que a justiça carrega seu caráter oficial e, digamos, extraoficial. No primeiro, é a justiça de sanção, as leis e a ordem determinada por um pequeno grupo orientador do poder. O segundo tem prejulgamento pelos dominadores. Assim entendem: "as práticas desses grupos, divergentes daquelas que foram institucionalizadas, não têm eficácia, não têm peso a nível da moral oficial, são práticas bárbaras (...), são práticas subversivas para os detentores do poder formal e real" (p.56).
Se os bobos bem soubessem "como a justiça é o ideal de todo ordenamento jurídico, ela também será buscada na internalidade das formas, na universalidade dos discursos vazios mas de grande utilidade por proporcionarem uma ilusão a todos os atos de mando" (p.62), portanto, disputariam a narrativa civilizatória, contudo, defendendo "seu" lado, o lado dos marginalizados políticos e econômicos.
É preferência do autor trazer a transversalidade dos temas que margeiam a concepção de justiça. E, não obstante, esse conteúdo das relações de mercado, consumo, lucro, dinheiro, delimitam o senso de justiça. "Por isso, quando tratamos de economia, estamos nos referindo a uma totalidade que envolve não somente os aspectos econômicos expressos, mas o conjunto das relações e opressões interimplicadas por esse lado da realidade. Não precisamos ser economistas para percebermos as distorções existentes" (p.80).
Na verdade, a justiça é regida pela política; a política é regida pela economia; logo quem determina o que é justo (e para quem) e o que é injusto é o braço invisível do mercado (o "patrão", os "grandes"). "A opressão injusta não pára na relação salarial. (...) Ela precisa retirar o salário de volta para os pagantes, fazendo com que cada assalariado seja um eterno escravizado pelas dívidas" (p.90), por conseguinte, o poder está nas mãos de quem pactua a relação social-econômica mais devassa: a dos juros, do rentismo, dos bancos. O Estado é refém dessa laia do mal. E a justiça que deveria ser mediadora das relações a produzir seus efeitos de equilíbrio e equacionamento, é tão somente a fisiologia do Estado institucionalizado, isto é, um Poder Judiciário (o espectro da justiça formal), fracassado, no entanto, eloquentemente metódico e falacioso.
Trata-se da busca pela verdadeira liberdade. Contudo, para Aguiar, "a liberdade é um processo. (...) Em termos simples, a nível das evidências indiscutíveis, a questão da libertação está ligada à superação da exploração de um ser humano por outro. É impossível (...) quando poucos usufruem do trabalho de muitos, e quando muitos não podem pensar e agir senão conforme as normas e padrões de poucos" (p.105). Vide os costumes que grandes meios, como a Rede Globo, que impõem para nossa cultura civilizatória. E a alienação política que se desdobra dessa letargia que nos ordenam pelas leis e pela nossa formação.
Por síntese em Aguiar (1993), vemos que a noção de justiça se imbricou à própria concepção do Direito. "Assim, quase que por escamoteamento da realidade, a questão da justiça circula dentro do mundo jurídico como se fosse assunto de sua exclusividade" (p.115), entretanto, o autor afirma que há claros indícios dos interesses da ideologia dominante, portanto, dos que legislam e julgam. "O direito é um termômetro das relações sociais em dada sociedade, pois, se de um lado ele é um dever-ser, um conjunto normativo ideológico, de outro é um fenômeno observável que surge dos conflitos sociais e serve para controlar esses mesmos conflitos" (p.115). Para ele, a aplicação do Direito deve também confirmar e contrapor "poderes e antipoderes". Ademais, "ser justo é viver a virtude de tomar partido em busca do melhor, fundado na visão mais lúcida possível da história e na análise das circunstâncias maiores e menores que isso envolve". (...) Isso talvez seja um caminho para a desalienação" (p.123).
Por fim, creio não ser possível que eu insista em trazer todas as belezas trágicas desse livro. O artigo aqui é pequeno para traduzir tamanha sapiência histórica. Devo clamar ao Leitor, pelo seu próprio bem, que se aprofunde nesse tema e no que Roberto Aguiar tentou nos alertar. Se não queremos que nosso País se torne um grande esgoto institucional, por onde (perdoe-me a indiscrição) a bosta de decisões judiciais feitas à manipulação da técnica e das leis, sob os aplausos de uma torcida (povo) pouco esclarecida, de formação fraca, ora juridicamente, ora politicamente, esses excrementos pautam o nosso emprego, a nossa gasolina, o nosso feijão (mal cozido), enfim, a nossa vida, é melhor então acordarmos logo e desligarmos esse Jornal Nacional – do Willian Bonner e os similares, e realmente buscarmos pesquisar o que está acontecendo, de fato, no Brasil.
Dia 24 de janeiro não é somente o conceito de Justiça em rota de colisão no Foro de Porto Alegre; não é apenas mais um capítulo de uma briga entre o ex-presidente Lula e a Superestrutura que governa o planeta Terra – é guerreia por petróleo e pela pujança econômico-global, matando inocentes mundo afora; é, ademais, o efeito sintomático do modelo civilizatório que deixaremos para os nossos filhos e netos, em cujo risco seja o da perseguição constante aos pobres e à classe média, sob o manto disfarçado de justiça nacional
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