Uma questão de Justiça

Hoje, muitas decisões, sobretudo da mais alta Corte de Justiça do país, têm sido questionadas, inclusive por juristas de renome. O que mudou? A Justiça ou os homens?



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Dizia-se, em tempos passados, que "decisão judicial não se discute: cumpre-se". Isso, porém, foi no passado. Hoje, muitas decisões, sobretudo da mais alta Corte de Justiça do país, têm sido questionadas, inclusive por juristas de renome. O que mudou? A Justiça ou os homens? A Justiça, como instituição, não sofreu qualquer alteração, mas houve uma grande mudança nos homens, entre os que integram o Supremo e entre o povo, que alterou sua ótica após o julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão. Transformado em espetáculo televisivo, no qual o ministro Joaquim Barbosa virou estrela, o julgamento permitiu à população avaliar, ao vivo e em cores, o comportamento dos seus membros e os argumentos da acusação e defesa.

Até então o Supremo Tribunal Federal era um poder cercado por uma aura de mistério, que pairava acima de tudo e de todos, quase inacessível ao mortal comum, cujos membros eram vistos com enorme respeito, pela sua sabedoria jurídica e pelo seu senso de Justiça. Ninguém ousava questionar ou mesmo fazer a mais leve crítica às suas decisões, sempre recebidas com o mais profundo respeito. O julgamento do mensalão, no entanto, mudou tudo, entre outros motivos pela transparência proporcionada por sua transmissão pela TV, que ofereceu aos brasileiros de todos os recantos a oportunidade de ver e constatar que os ministros são humanos como qualquer outro, imperfeitos e falíveis, sujeitos a erros como todos os homens e com os mesmos vícios e paixões. A toga, afinal, só muda o exterior dos homens – interiormente suas simpatias e antipatias, seus amores e rancores, seus sentimentos, bons ou maus, permanecem inalterados.

Graças à exagerada cobertura da mídia, todos os que fizeram da TV Justiça o seu canal favorito – e não apenas os juristas que acompanharam o julgamento à distância – puderam observar as divergências e falhas, as discussões acaloradas com acusações desrespeitosas e, sobretudo, a inexistência de provas que levou o relator, ministro Joaquim Barbosa, a sentenciar os réus com base na "teoria do domínio do fato" e a ministra Rosa Weber a condenar o ex-ministro José Dirceu estribada na "literatura jurídica". Diversos juristas renomados, entre eles Bandeira de Melo e Dalmo Dallari, além de inúmeros jornalistas e intelectuais, criticaram asperamente o julgamento. E nenhum dos ministros respondeu a essas críticas. Foi só o ex-presidente Lula abrir a boca para, pela primeira vez, criticar o rumoroso julgamento e o mundo veio abaixo.

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Falando à imprensa em Portugal, o ex-presidente disse que o julgamento da Ação Penal 470 foi "80% política e 20% jurídica", no que muita gente concorda, inclusive juristas. O presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, em resposta, divulgou nota dizendo que "a desqualificação do Supremo Tribunal Federal, pilar essencial da democracia brasileira, é um fato grave que merece o mais veemente repúdio". E acrescentou: "Os cidadãos brasileiros clamam por justiça. O juízo de valor emitido pelo ex-Chefe de Estado não encontra qualquer respaldo na realidade e revela pura e simplesmente sua dificuldade em compreender o extraordinário papel reservado a um Judiciário independente em uma democracia verdadeiramente digna desse nome". Os brasileiros realmente clamam por justiça, mas não essa justiça de dois pesos e duas medidas que salta aos olhos de qualquer leigo.

Não apenas Lula, mas a grande maioria do povo brasileiro não consegue compreender, como bem acentuou o ministro Barbosa, esse papel que vem sendo desempenhado pelo judiciário sob o seu comando. O ministro Marco Aurélio Mello, deixando escapar velado sentimento anti-petista, lembrou que os presidentes petistas Lula e Dilma nomearam a maioria dos atuais ministros do Supremo e que, portanto, se o julgamento fosse político o resultado seria favorável ao PT. Uma decisão política, vale a pena esclarecer ao ministro,não está necessariamente relacionada com a maioria, mas com a intenção de quem a tomou. Ele, porém, foi mais além: "Não se agradece com a toga, com a capa de juiz". Sem dúvida. O presidente da República, ao nomear um ministro do Supremo o faz em cumprimento a um dispositivo constitucional, sem vislumbrar gratidão – até porque esse é um sentimento muito raro nos dias atuais – mas, certamente, esperando que ele seja justo em suas decisões. E justiça é precisamente o que ninguém – nem os técnicos em direito – viram no julgamento da AP 470.

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O ministro Marco Aurélio Mello e também o ministro aposentado Ayres Brito contestam a acusação de julgamento político, afirmando que o procedimento foi "estritamente técnico", o que, no entanto, não é garantia de que a sentença seja justa. Exemplo disso é que embora a maioria dos réus do mensalão petista não tivesse direito a foro privilegiado, foram todos julgados pelo Supremo. Por que o mesmo "procedimento técnico" não foi adotado para o mensalão tucano, cujo principal acusado, o ex-deputado Eduardo Azeredo, renunciou ao mandato justamente para escapar do julgamento do STF? E ainda assim foi mandado para a instância inferior em Minas, o que tem permitido a prescrição dos crimes dos acusados. Por acaso isso não configura dois pesos e duas medidas? Por acaso isso não é um fato grave que merece o mais veemente repúdio? Por acaso não é um fato grave manter em regime fechado um condenado ao semiaberto, negando-lhe todos os direitos que a lei lhe faculta?

Felizmente nada é eterno, a não ser o espírito. Mesmo que demore a ser reparada, uma injustiça não se perpetua porque, em última instância, a natureza faz valer as suas leis. Vale recordar, a propósito, o que aconteceu com Sócrates, que foi condenado no ano de 399 a.C., pelo tribunal de heliastas, a beber cicuta, acusado de corromper a juventude e de ameaçar as tradições, não reconhecendo os deuses gregos e pregando a existência de um único Deus. Sua mulher, Xantipa, chegou esbaforida à prisão, onde ele aguardava a sentença, e gritou:

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- Sócrates! Sócrates! Os juízes te condenaram à morte!

E o grande filósofo, sem perder a serenidade, respondeu:

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- E daí? Eles também estão condenados pela natureza...

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