Uma pausa para festejar
"Esquecer e perdoar o passado não é fácil. Lembra-se daquela primeira noite, na cela em Curitiba, quando arrumamos a sua cama? Novamente você era um prisioneiro político, mas seu rosto expressava a luz de um homem internamente livre, em paz com sua consciência", escreve Marco Aurélio de Carvalho em carta hipotética do ex-deputado, advogado e ativista Sigmaringa Seixas ao ex-presidente
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De: Sigmaringa Seixas
Para: Lula
Caro amigo Lula,
Você já deve imaginar... este período de colapso, principalmente aí no Brasil, está repercutindo muito por aqui. O trabalho de boas-vindas, o tal “receptivo”, como dizem as pessoas que trabalham com turismo, está nos consumindo demais.
Assim, amigo, serei breve.
Fiquei feliz com o alvoroço causado com o seu regresso à arena política. Já era tempo. Foi angustiante a espera, mas notei que você está mais forte. Isso é notável e inspirador. Todos os que lutam nessa causa vão se sentir fortalecidos também.
Esquecer e perdoar o passado não é fácil. Lembra-se daquela primeira noite, na cela em Curitiba, quando arrumamos a sua cama? Novamente você era um prisioneiro político, mas seu rosto expressava a luz de um homem internamente livre, em paz com sua consciência. Você sabia que estava pagando um preço pelo passado de rupturas com o velho sindicalismo. Sua história de líder dos operários brasileiros, em plena ditadura, tem um custo inestimável e os adversários sabem disso. Você sabia que estava pagando, também, um preço alto por ter tirado milhões de brasileiros da miséria e por ter dado oportunidades e dignidade ao seu povo. Por ter colocado o Brasil , à época a 6º economia do mundo, no centro dos mais importantes debates do planeta. Uma economia que crescia e que assustava, gerando renda, com milhares de novos postos de empregos, e distribuindo riqueza como “nunca antes na história desse país”.
Naquela noite, permita confessar, eu disfarcei a dor e a revolta. A injustiça abriu uma ferida e me corroía internamente. Mas eu percebi, pelos seus próprios olhos, como você encara a vida e a política: com o valor supremo da solidariedade.
Para mim, que tive o privilégio de caminhar ao seu lado por mais de três décadas, foi realmente difícil digerir o que haviam feito com o país e com você. E, àquela altura, nem poderíamos imaginar que o “juiz” que lhe havia condenado injustamente teria, ainda, a ousadia de compor o Governo que, com sua atuação vergonhosamente parcial, ajudou a eleger. E na condição, como depois pudemos ver, de Ministro da Justiça. Eis a grande ironia.
Não podíamos prever, naquele momento, que você passaria 580 dias privado de sua liberdade e de seus direitos políticos. Não podíamos prever que lhe privariam das despedidas dolorosas dos seus queridos neto e irmão, e nem mesmo que te privariam das últimas lembranças que seguramente te fariam rir na nossa despedida.
Por isso, foi muito especial ouvir e ver você. Com emoção contida, acompanhei sua fala para o Brasil e para o mundo, ao lado dos inseparáveis companheiros do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, onde tudo começou. A solidariedade é mesmo invencível.
Proteger os mais fracos, cultivar o sentimento de irmandade e abraçar nosso dever de nos ajudar, uns aos outros. A solidariedade nos faz superar as piores adversidades. Aprendi, aqui, que é mesmo um valor eterno.
De você, sempre esperei o melhor. Mas, creia, você sempre se supera e nos surpreende. No lugar de uma revolta esperada e justificada por todos os constrangimentos que indevidamente lhe impuseram, você mostrou ao mundo uma capacidade infinita de amar e de se conectar com o sofrimento do seu povo.
Nos últimos dias, nem mesmo a revelação das mensagens constrangedoras trocadas pelos “filhos de januário” foi capaz de lhe tirar a esperança e o brilho dos olhos.
Por aqui, lhe confesso, muitos foram os que vibraram ao ver pelo primeira vez, em mais de 10 anos, uma edição equilibrada do Jornal Nacional. Os fatos, gravíssimos, no lúcido e espontâneo dizer da Ministra Carmen, ganharam destaque e realce nos corajosos e históricos votos dos Ministros Ricardo e Gilmar. A mim, não surpreenderam.
Espero que todas as forças políticas democráticas recebam bem seu retorno. O Brasil precisa, definitivamente, acertar as contas com o autoritarismo e com a exclusão social. Precisa, e com urgência, reacreditar o seu Sistema de Justiça e recuperar parte da credibilidade que perdeu.
Daqui, vou continuar acompanhando e torcendo pelas batalhas que serão travadas por você. Que muitos estejam ao seu lado para a merecida transformação social que nossa gente tanto precisa.
Siga com firmeza e serenidade.
Como você mesmo inúmeras vezes já me disse, a “verdade prevalecerá”.
Abraços,
do amigo e companheiro de jornadas
Sigmaringa Seixas.
PS: Este texto é uma modesta homenagem ao ex-deputado Sigmaringa Seixas, advogado e ativista pelas liberdades democráticas. Sig, como era conhecido pelos mais próximos, nos deixou no Natal de 2018. Órfãos ficaram milhões de brasileiros diante de um país embrutecido, cujo núcleo central do poder intoxica o ambiente político-econômico com soluções improvisadas, ímpetos de autoritarismo e ataques aos direitos sociais, inclusive aqueles destinados a acolher minorias, os mais vulneráveis e a assegurar diversidades. Pouco tempo antes, em abril, Sig esteve ao lado do ex-presidente Lula, quando conduzido do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC para a injusta e criminosa prisão em Curitiba. Sig, o grande inspirador do Grupo Prerrogativas, vive no melhor de cada um de nós. Até o último suspiro, nutriu uma esperança sincera na reparação da injustiça cometida contra o ex-presidente Lula e contra a sua família, com que conviveu por mais de 30 longos anos.
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