Uma mãe das quebradas
Sem dissimular a indignação contra uma polícia habitualmente assassina, "A Mãe" põe em cena uma tragédia brasileira que atravessa gerações
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Em A Mãe, Cristiano Burlan combina dois traços comuns ao seu cinema: as tragédias familiares causadas pelos crimes de estado, tematizadas em seus documentários; e a deriva de personagens em situações-limite pelas entranhas da cidade de São Paulo, mote frequente dos seus fimes de ficção. Este novo trabalho se enraiza profundamente na realidade do bairro Jardim Romano, Zona Leste de SP, onde a corroteirista Ana Carolina Marinho dirige o coletivo de teatro Estopô Balaio. O ator e rapper Dunstin Farias, cria do grupo, interpreta Valdo, o filho desaparecido.
A Mãe já amealhou prêmios em Gramado (atriz, diretor e som) e Málaga (atriz coadjuvante para uma personagem real, a ativista Débora Silva, do grupo Mães de Maio). Marcelia Cartaxo vive Maria Batista, camelô cujo filho desaparece durante um rolê pelas quebradas do bairro. Em sua busca, ela vai se deparar com indiferença, rejeição, intimidações da polícia e da bandidagem organizada, além do medo que congela os moradores entre as duas ameaças.
De certa forma, o roteiro está mais a serviço da pauta social do que vice-versa. Daí que vários diálogos soam explícitos demais, quase didáticos. A conversa híbrida de ficção e documentário entre Maria e Débora Silva, por exemplo, termina com uma mensagem que aponta diretamente a continuidade entre o extermínio de jovens durante o regime militar e na atualidade: "A ditadura só vai acabar com o fim da Polícia Militar", diz ela. A mesma conexão é reforçada pela personagem de Helena Ignez, outra mãe que perdeu o filho para os militares. Por sua vez, uma participação em cena da potiguar Ana Carolina Marinho dando apoio à personagem central vai pontuar a presença forte (e solidária) de nordestinos na periferia paulistana.
Burlan narra essa saga em banho-Maria, dando grande espaço à rotina da mãe e à ambientação um tanto hostil do Jardim Romano. Ele alterna closes penetrantes com imagens distanciadas que, nos dois casos, reiteram a dramaticidade das respectivas cenas. Marcélia empresta sua máscara de mulher sofrida e frágil, mas determinada, a um papel cheio de nuances interessantes. A principal delas talvez seja a denegação de Maria diante do destino do filho, seja na cena do IML, seja na belíssima tomada circular do varal, em que seu chamado faz o tempo regredir para um momento na companhia de Valdo.
Sem jamais apelar para o sensacionalismo, nem tampouco dissimular sua agenda de indignação contra uma polícia habitualmente assassina, A Mãe põe em cena uma tragédia brasileira que atravessa gerações.
O trailer:
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