Uma história de agressões e resistência
"O Território", filme que encerrou o festival É Tudo Verdade, é uma forte denúncia internacional do cerco aos indígenas brasileiros
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O filme escolhido para encerrar o festival tinha a qualidade e a urgência necessárias para esse destaque. Esperamos que tenha um lançamento mais amplo para o público brasileiro. É uma coprodução do Brasil com a Dinamarca e os EUA, levando o selo National Geographic. No Festival de Sundance, ganhou os prêmios de melhor documentário da seção World Cinema e de destreza (craft) em documentário.
É de fato com muita habilidade e poder de síntese que o diretor estadunidense Alex Pritz traça o painel de uma situação exemplar da questão indígena hoje no Brasil. Ele fazia um filme com os Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia quando Bolsonaro foi eleito no embalo de ameaças às populações indígenas e empoderamento armado de fazendeiros, grileiros, madeireiros e garimpeiros. Seus personagens centrais são o jovem Batité, precocemente eleito cacique e líder da equipe de vigilância da aldeia, e Ivaneide Bandeira, a Neidinha, ativista ambiental que Batité considera uma segunda mãe.
Nas expedições para expulsar invasores de suas terras, Batité era acompanhado por Ari Uru-Eu-Wau-Wau, simpático e sagaz vigilante que seria assassinado em abril de 2020. O perigo ronda todos os envolvidos, como se vê na sequência em que Neidinha é vítima de um trote sobre o sequestro de sua filha.
Assim mesmo, os bravos vigilantes tocam seu trabalho, munidos de arco, flecha, facões e fogo para destruir os acampamentos de invasores. A Funai duvida de suas denúncias, enquanto os colonos e grileiros vão apertando o cerco sobre suas terras, desmatando, provocando imensas queimadas e levando a Covid-19 para a região.
O Território (The Territory) abre espaço também para o "outro lado" – ou pelo menos seus representantes visíveis. Lá está o agricultor Sergio, ligado a uma associação de produtores rurais instalada dentro do território Uru-Eu-Wau-Wau. Esse tipo de associação é uma fachada para dar boa aparência à invasão dos grileiros. Para o simplório Sérgio, é assim que se bota "o Brasil pra frente". Conhecemos também o colono Martins, que derruba árvores para os madeireiros e tem "fé" de que aquela terra lhe pertence. A lógica é sempre a mesma: colonos e pequenos agricultores são incentivados a ocupar a terra como pontas de lança do latifúndio, que aguarda um simulacro de legalização para então tomar posse.
É muito eficaz a forma como Alex Pritz pinta esse quadro em pinceladas sintéticas e sugestivas. A começar pela descrição da vida na aldeia, a relação entre Neidinha e os indígenas, e o progressivo desvelamento do contexto de agressões à floresta e resistência dos indígenas. Batité personifica uma nova geração ligada na conectividade, manuseando câmeras, celulares e drones na defesa do território.
Aqui e ali, o documentário investe numa certa espetacularização, mas sem romper os limites da decência. A pontuação com bichinhos e insetos trai um pouco do padrão National Geographic. No cômputo geral, com suas imagens poderosas e narrativa envolvente, The Territory é um poderoso instrumento de denúncia internacional da destruição da Amazônia, estimulada sem disfarces pelo atual governo. Deixa claro também que a tenacidade dos povos originários na autodefesa se mantém e se renova.
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