Uma constituição contra os absurdos da guerra

É fácil compreender as críticas de Lula à invasão da Ucrânia: basta lembrar artigos fundamentais da Constituição brasileira, escreve Paulo Moreira Leite

Lula
Lula (Foto: Ricardo Stuckert | Governo da Ucrânia)


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"Somos solidários à Rússia. Queremos muito colaborar em várias áreas, defesa, petróleo e gás, agricultura, e as reuniões estão acontecendo. Tenho certeza que essa passagem por aqui é um retrato para o mundo que nós podemos crescer muito as nossas relações bilaterais" (Jair Bolsonaro, em seu encontro no Kremlin com Vladimir Putin).

Oito dias depois da declaração solidária de Bolsonaro,  as tropas de Putin deram início a um cronograma que não surpreenderia ninguém. Ao invadir a Ucrânia, colocaram o planeta no centro de um debate sobre as questões fundamentais para a sobrevivência da civlização humana num universo cada vez mais globalizado -- a soberania das nações e o direito a auto-determinação dos povos.

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Mesmo admitindo que essas questões envolvem um debate em  curso em vários países, cabe registrar que, no Brasil, os pontos fundamentais deste assunto foram debatidos e resolvidos há pouco mais de três decadas. Em 1988, a Assembléia Constituinte aprovou um conjunto de "princípios fundantes", que tem uma natureza específica. Não podem ser emendados nem suprimidos, pois considera-se que guardam os pontos essenciais da carta. Se, um dia, chegarmos à conclusão de que devem ser corrigidos, suprimidos ou emendados, só será possível fazer o serviço através de uma nova Constituiinte.Entre esses princípios, encontra-se o conjunto de  dez incisos incluídos do artigo 4,  que trata, justamente, de relações internacionais e permitem um diálogo direto com os acontecimentos na Ucrância.

O número 1, diz respeito à "independência nacional", obrigatório num país que, através da nova carta de leis, procurava eliminar traços indecorosos de dependência em relação aos Estados Unidos estabelecida pelo regime de 64. O número 2, respondia ao porão da tortura, definindo a "prevalência dos direitos humanos".

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Quase quarenta anos depois, inúmeros incisos podem ser associados à invasão da Ucrania, como no item 3, que defende a "autodeterminação dos povos", o item  4 ("não-intervenção"), o  5 ("igualdade entre estados") , no 6 ("defesa da paz"), e também no 7, que prega a  "solução pacífica de conflitos" e no 9 ("cooperação entre povos para o progresso da humanidade").

Basta lembrar episódios marcantes da ditadura militar para entender o significado dos "artigos fundantes". A Constituinte fez seus trabalhos num país que trazia a memória de várias experiências traumáticas e fez um trabalho compatível com a herança recebida.

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Os incisos 3, 5 e 7 representavam um ajuste de contas com inaceitáveis episódios da ditadura. Um deles foi  a invasão de São Domingos, quando o governo brasileiro forneceu mão-de-obra para colaborar num golpe de Estado que em 1965 derrubou um governo progressista.

Em 1973,  no golpe que derrubou Salvador Allende,  o porão da ditadura brasileira tornou-se braço auxiliar da CIA na localização e eliminação de militantes que atuavam no Chile. Reunidos uma década e meia depois de um momento trágico, os constituintes assumiram a responsabilidade de passar a história a limpo -- e extrair as consequências políticas de um passado de horror e violência.

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"A Constituinte definiu princípios para orientar a atuação do Estado brasileiro nas décadas seguintes," explica José Genoíno, um dos mais destacados parlamentares do período. José Paulo Bisol (1928-2021), senador do Rio Grande do Sul que um ano depois seria vice na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva, foi relator do artigo 4 fixou, com o alcance e os limites da experiência conhecida na época,  aquilo que seria uma nova visão do papel do Brasil e dos brasileiros e brasileiras no universo de país seu tempo. Disputas e conflitos com países vizinhos, que marcaram séculos de convivência entre nações sul-americanas, foram substituídos por um projeto construtivo de aproximação, colaboração e fortalecimento dos interesses comuns, movimento liderado pelo governador de São Paulo, Franco Montoro, que levaria ao Mercosul. Encerrava-se, assim mais de um século de doutrina militar na qual brasileiros e argentinos se encaravam como inimigos permanentes da região, postura abandonada  a partir dos incisos 6 e 7, que estabelecem a "defesa da paz" como princípio constitucional e "e a solução pacífica de conflitos" como um dever dos governantes.

Neste ambiente, nada mais natural que, diante das primeira notícias da invasão da Ucrânia, Lula tenha divulgado um tuíte em termos duros. "Ninguém pode concordar com guerra, ataques militares  de um país contra outro", escreveu. "A guerra só leva à destruição, desespero e fome".

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Ao se pronunciar de modo claro e veemente, Lula nada mais fez do que cumprir uma obrigação de todo candidato a presidente da República: defender a Constituição de seu país.

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