Um zoológico de negros na Era Pelé
O racismo estrutural brasileiro, hoje, é presenciado mesmo dentro de onde deveria estar extirpado à guisa de exemplo
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O advogado Irapuã Santana é uma das mais contundentes vozes do país em defesa dos direitos humanos e contra qualquer tipo de injustiça social. Recentemente, ele nos concedeu uma alentada entrevista, publicada originalmente em uma revista dirigida.
Irapuã fala de coisas sabidas, mas que ainda não comovem a todos tanto quanto deveriam. Ele lembra que o racismo manifesto durou muito mais do que a escravidão institucionalizada. A Bélgica foi palco de uma demonstração de crueldade ímpar: “Em 1958, houve a última exibição (até onde se tem notícia) de um zoológico humano, com congoleses”. Pelé estava ganhando a Copa do Mundo na Suécia com 17 anos, e havia uma feira de exposição de pessoas negras no país ao lado.
A Expo58 foi relembrada pelo jornal britânico The Guardian em 2018. Tratou-se de um evento em que a Bélgica comemorava a conquista do Congo. Apresentava-se aos europeus uma típica aldeia congolesa. Os africanos passavam o dia fabricando cabanas de palha enquanto eram ridicularizados pelos visitantes brancos.
1958 não é 1858. Foi ontem. Muitos leitores deste artigo, certamente, já eram cidadãos conscientes à época. Tamanha desumanidade e seus efeitos não se apagam de um dia para outro. Não se tem notícia de circos humanos no Brasil desde a Lei Áurea, mas nada garante que eles não tenham existido. De todo modo, a discriminação, filha da escravidão, permanece viva.
O racismo estrutural brasileiro, hoje, é presenciado mesmo dentro de onde deveria estar extirpado à guisa de exemplo - o Judiciário “A gente tem ali 15% de negros, entre pretos e pardos. Estamos falando de um contingente de 85% de pessoas brancas. E mulheres também são minoria”, nota.
A sensação do negro diante do Judiciário, segundo Irapuã, é a de quem depara com um aviso gigantesco dizendo “aqui você não entra”. O advogado negro, de sua parte, sofre a pressão psicológica da desconfiança: “Temos que provar que somos advogados e não réus ou parentes de réus”.
E o que dizer das ações policiais? Nos Estados Unidos, quando um policial comete alguma ilegalidade contra uma pessoa negra, cai o policial, cai o comandante dele, cai o secretário de Segurança de Pública. “O que acontece aqui? Há processos administrativos e, depois de três semanas, tudo volta a ser como antes”.
Mercado de trabalho excludente, cotas burladas, manifestações veladas de racismo - tudo faz parte da realidade brasileira atual. Não é por falta de leis. “Temos o Estatuto da Igualdade Racial, temos a Constituição, temos a renovação da Lei dos Crimes de Racismo, temos a Lei de Cotas no serviço público e nas universidades, tem muita coisa. Hoje em dia, quando pegamos uma ação, temos um arcabouço jurídico gigante para fundamentar nossos pedidos. O problema é outro, é convencimento”.
Até há pouco tempo, a Fundação Palmares era presidida por um sujeito que dizia existir no Brasil um “racismo Nutella”. O tal racismo estrutural, para o bolsonarista, é mimimi de esquerdista. Por obra da democracia, a aberração Sérgio Camargo foi devidamente excluída do cenário político, mas o fato de alguém com tal performance no campo dos direitos humanos ter sido alçado ao posto mostra que o espírito belga de 1958 está vivo.
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