Um sambista no MST ou a música de Paulo Perdigão
Ao pesquisar a história da sua formação, veio o conhecimento de que um artista não se faz só de arte, pura arte, e mais nada, Ele, como homem que deseja a totalidade do ser, é construído com ideias e ideologia, por mais que reclamem os puristas da estética. De fato, militou em organizações clandestinas contra a ditadura. O reflexo disso vem em seu amor à cultura popular, no que se aproxima do mestre Paulinho da Viola, um socialista de longa e luminosa data. No caso de Paulo Perdigão, chega a mencionar o MST e a mais-valia em pleno samba
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No mais recente sábado, recebi de presente o CD “Sonoras Batucadas”, de Paulo Perdigão, das mãos do próprio sambista. Quando o recebi, estávamos no Armazém do Campo, o lugar de cultura e resistência do MST no Recife. E os conhecimentos então vieram se somando. No começo, confesso, vi o Armazém do Campo pelo lado do bar. E se não fosse o sambista Jorge Riba, eu não teria encontrado uma só mesa, porque todas as demais estavam ocupadas. E mais adiante, um senhor que estava próximo a mim, na mesma mesa, se levantou e foi ao microfone cantar sambas clássicos, que abriram espaço para as composições da sua autoria. Quem era? As doses de Vidas Secas, a cachaça orgânica, ouviram suaves a informação da companheira de Paulo, a senhora Aninha, que foi dona da Livraria Almanaque em Olinda. Com educação, sem me repreender, creio, ela falou:
- É Paulo Perdigão, compositor.
- Ah, certo.
Mas nada estava certo. Os meus relativo isolamento e absoluta ignorância do samba em Pernambuco me faziam desconhecer o valor desse artista. Ele trabalha o seu talento há muito nas artes plásticas, no artesanato, no samba e na resistência cultural. Artista múltiplo.
Paulinho da Viola o visitou uma vez no ateliê, conforme Perdigão conta:
“Meu encontro com Paulinho da Viola se deu no meu ateliê. Ao acaso, pois ele estava em visita e compras e veio até meu ateliê pelas obras que estavam expostas na parede e na estante no Mercado da Ribeira, em Olinda. Conversamos sobre a madeira usada em minhas obras, já que além de grande nome no cancioneiro nacional, Paulinho é um artífice também em madeira. Dei a ele de presente duas peças que ele se interessou em comprar, ‘Os Bebuns’ e uma tela, ‘O Totem’”.
Eu não conhecia Paulo Perdigão. Mas a ignorância não é uma bênção, como é princípio cultural dos grupos bolsonaristas. Eu, que nada sei, insatisfeito e angustiado com tamanha escuridão, tenho muito a aprender. Daí que recebi feliz o presente do sambista, o seu CD “Sonoras Batucadas”. E pude começar a ver.
Paulo Perdigão nasceu em 1953, no bairro de Coelho Neto, no Rio de Janeiro. Bem jovem, começou a compor para festivais de música estudantil e a fazer parte da ala de compositores do G.R.B.C Unidos de Edson Passos (extinta), convivendo com grandes sambistas da Baixada Fluminense, onde foi residir com a mãe e irmãos. Foi homenageado no CD de Bezerra da Silva. no álbum “Contra o verdadeiro canalha” com a música “QG da Baixada”. Veio para o Recife em 1994. Em 2005, com outros compositores, criou o Movimento dos compositores e sambistas de Pernambuco e escreveu o manifesto “Somos Sambistas Pernambucanos”.
Ao pesquisar a história da sua formação, veio o conhecimento de que um artista não se faz só de arte, pura arte, e mais nada, Ele, como homem que deseja a totalidade do ser, é construído com ideias e ideologia, por mais que reclamem os puristas da estética. De fato, militou em organizações clandestinas contra a ditadura. O reflexo disso vem em seu amor à cultura popular, no que se aproxima do mestre Paulinho da Viola, um socialista de longa e luminosa data. No caso de Paulo Perdigão, chega a mencionar o MST e a mais-valia em pleno samba:
Um sambista dessa ordem não está nem aí se o chamam ou não de panfletário. Ele sabe, por força do ofício e aprendizagem, que panfletários foram artistas como Picasso, Maiakóvski, Castro Alves, Solano Trindade, Geraldo Vandré, Chico Buarque. Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre muitos. Mas em Paulo Perdigão o panfletário é claro, sem medo de ser feliz. Divulgamos em primeira mão a letra do samba que será gravado na próxima semana:
“O OPERARIO DO ABC
Senhor Luiz Inácio
O senhor é um sujeito decente
Veja só o que essa gente fez para o derrubar
Que não se esqueçam daqueles que foram pras ruas
Pela luta dos direitos na finada ditadura
Senhor Luiz Inácio
O senhor já entrou para a história
Está gravado em nossas memórias
O operário do ABC
Senhor Luiz Inácio
Não peço mais nada que isso
Reforçando que o seu compromisso
É o povo no poder
Uma ideia não se pode encarcerar
Vamos em frente que a luta vai continuar
É Lula outra vez”.
O MST dá samba, vimos, e Paulo Perdigão é um dos seus sambistas. Ele, para fazer política na arte, aos mestres do samba pede passagem e bênção neste belo samba
Dizer, falar mais o quê? Eu não sei. Só me resta seguir rumo ao futuro, onde também está o cumprimento: salve, Paulo Perdigão.
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