Um presente de Natal
"Não é possível que nosso destino seja esse, de um país triste, com um governo cruel, num mundo perigoso", escreve o cartunista Miguel Paiva
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Refletindo agora nesses dias em que a pandemia se recusa a acabar, por culpa dela e de quem nos governa, chego à conclusão óbvia que a vida realmente mudou. Fiquei lembrando de como vivia e da chamada “gordura” que todos os fatos e momentos da vida carregam para podermos cortar. A vida tem uma timeline básica, com datas, compromissos, responsabilidades, protocolos e outra camada que corre paralela com uma parcela de irresponsabilidade, irreverência, riscos, ousadias e prazer que completa o pacote. É a chamada gordurinha. Só uma ou só outra faz a vida ficar ou monótona ou muito arriscada. Estamos vivendo na primeira hipótese.
O medo, a responsabilidade e a seriedade acabaram nos levando para um campo minado onde todo cuidado é pouco. Muitos morreram nesse momento por conta da pandemia. Muitos pegaram a doença antes da vacina e outros tantos depois, que foi o meu caso. Por sorte ela veio leve, mas veio para me lembrar justamente deste protocolo que ainda não podemos nos livrar.
Não sinto só falta de sair, de ir ao teatro, de abraçar os amigos ou de viajar. Sinto falta do que eu sentia quando fazia isso tudo. O prazer que está por detrás dos encontros, das descobertas, do conhecimento e da aventura é enorme e é justamente este que eu acho que perdi, ou então está escondido em algum lugar que preciso buscar.
Cada coisa que fazemos hoje requer um ritual de procedimentos e de cuidados que se estabeleceram nas nossas vidas. É a máscara, é a aglomeração, é o contato físico, é a aventura da descoberta. Claro que também aprendi na vida que tudo pode ser infinito mesmo dentro de limites, mas não é fácil. Corremos o risco de vida e sobretudo ameaçamos o próximo. E ainda temos um governo assassino que estimula esse risco. A naturalidade com que abraçávamos quem gostávamos era espontânea, fazia parte desse componente químico que alimenta a vida. Até abraçamos hoje, mas literalmente com um pé atrás e pensando duas vezes no que estamos fazendo.
Fico imaginando uma viagem nesses tempos de hoje. Ok, a máscara foi incorporada, mas ver o sorriso das pessoas ou mesmo respirar livremente o ar de um lugar diferente mudou. Ok, o mundo mudou e é necessário que mudemos junto, mas não vou deixar de querer de volta aquela gordurinha para poder arriscar um prazer na vida. Espero que a vacina, que a seriedade da ciência e o compromisso das pessoas nos traga de volta a vida como ela era. Sobreviver já é uma tarefa difícil para quase todos. Quem passa por dificuldades econômicas ou por limitações sociais certamente também lamenta a perda de alguma coisa que tinha antes.
Mas não quero só viajar ou ir ao teatro. Quero romper os limites que me separam dos outros, quero respirar o ar que mesmo poluído era o único que tínhamos. Quero pode encarar o mundo como um lugar apenas fascinante e perigoso e não um local ameaçador se eu relaxar. Quero enfim, relaxar. Sei que talvez seja muito ou talvez seja inoportuno, mas a felicidade é feita das pequenas coisas que estão todas guardadas para serem liberadas um dia. Eu acho que esse dia virá. Não é possível que nosso destino seja esse, de um país triste, com um governo cruel, num mundo perigoso.
Dias melhores certamente, virão. 2022 está ai.
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