Um país moribundo

Impeachment? Não para o presidente da Câmara dos Deputados que disse que não é prioridade e “não há clima para medida extrema”. 430 mil caixões lacrados e milhares de famílias destroçadas, excelência, dizem o contrário



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A CPI da Covid tem dado muito o que falar, seja pelo que lá se diz, seja pelo que se finge dizer ou, simplesmente, por aquilo que não se diz. No palco da CPI da Covid, apelidada de CPI do Genocídio, há aqueles que se destacam, metendo o dedo na ferida certa na hora mais adequada, transformando em tchutchuca e fazendo suar quem até pouco tempo se vendia nas mídias como tigrão. Por outro lado, há aqueles que não conseguem somar “lé com lé,cré com cré”, mostrando-se aos olhos do país em toda sua tibieza e burrice. 

Para quem tem tempo e está com a saúde mental em dia, vale a pena acompanhar os depoimentos agendados, pois a temporada promete fortes emoções. No episódio da quinta-feira, 13 de maio, por exemplo, a Comissão recebeu o senhor Carlos Murillo, gerente-geral da Pfizer para a América Latina, que contou aos senadores que no dia 14 de agosto de 2020, a Pfizer fez a primeira oferta de vacinas ao governo brasileiro. Outras duas ofertas, afirmou, ocorreram no mesmo mês, nos dias 18 e 26, todas as ofertas foram devidamente ignoradas. 

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No dia 12 de setembro de 2020, a Pfizer enviou uma carta ao presidente Jair Bolsonaro e a outras autoridades do governo federal, alertando que a rapidez nas negociações era “essencial” e “crucial”, tendo em vista a alta demanda de outros países interessados e ao número limitado de doses. Se o governo tivesse demonstrado interesse, a entrega teria se dado ainda 2020. Embora as pessoas já estivessem morrendo, a carta da Pfizer ficou sem resposta por dois meses. Atendidas às ofertas da farmacêutica em tempo hábil, pelo menos 3 mil vidas poderiam ter sido salvas e não foram por omissão deliberada do governo, disse o senador Alessandro Vieira.

Desde então, o Brasil vive, como bem disse o jogador Raí em artigo para o Le Monde https://www.lemonde.fr/idees/article/2021/05/12/rai-il-nous-faut-resister-a-cette-peste-bresilienne-qui-porte-un-costume-sombre_6079928_3232.html, dois flagelos: pandemia e ameaça à democracia. Esse mal, que tem suas próprias variantes, disse Raí, “é obra de um clã. Associado ao distanciamento, ao negacionismo, à desinformação, à mentira, acaba suprimindo, ainda que temporariamente, nossa revolta, nossa resistência e nossa indignação”. Raí não disse quem é a personificação desse mal, como também não especificou quem compõe o tal do maldito clã, embora o mundo todo o saiba. E assim, entre tantos flagelos, o país caminha para o macabro índice de meio milhão de mortos. 

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Há um número colado às costas de cada brasileiro e brasileira, e um imenso buraco no peito do Brasil. A qualquer momento poderemos ser os próximos a virar estatística, assim como aconteceu com L. e R.J. L. era uma mulher jovem e alegre, de íris cor de mel, que amava os Beatles e os Rolling Stones. No caminho para o trabalho costumava alimentar os animais de rua. L não está mais entre nós. Ela deixou uma filha, a nossa filha. Nunca mais a veremos gargalhar nem a ouviremos cantarolar “toda mulher gosta de rosas / de rosas...”, pois a omissão deliberada do Estado brasileiro a arrancou de nós.

R.J. era natural de Itapiúna, interior do Ceará. R.J. fazia doutorado e era especialista na obra da escritora Jane Austen. R.J. era filho único. O sorriso largo de L. e R.J. existe agora apenas nas nossas memórias. Levados pela Covid-19, L. e R.J. viraram estrelas. Estão encantados. Repito: a Pfizer enviou a primeira oferta de vacinas ao governo brasileiro em 14 de agosto de 2020, mas o governo ignorou, uma vez que “gripezinhas” não precisam de vacinas. L. partiu em março, R.J. em abril, ambos em 2021, oito meses após a Pfizer enviar a primeira oferta de vacinas, ignorada pelo governo brasileiro, em 14 de agosto de 2020.

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Impeachment? Não para o presidente da Câmara dos Deputados que, em entrevista no dia 23 de fevereiro de 2021, disse que não é prioridade e “não há clima para medida extrema”. 430 mil caixões lacrados e milhares de famílias destroçadas, excelência, dizem o contrário. E que tal se o senhor explicasse isso, pessoalmente, para a filha de L. e para a mãe de R.J.? Como as estradas que cortam as cidades do interior não servem para porcaria nenhuma, aceita a sugestão, sugere-se evitar ir de carro comum para Itapiúna, mas em um outro veículo. Um trator, talvez. Fica a dica. Se for, vá em paz. 

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