Um mundo de mentiras
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Por Miguel Paiva, para o Jornalistas pela Democracia
Que os tempos mudaram não há a menor dúvida. Vemos isso nas pequenas e grandes coisas. Nas pessoas que não se falam mais, só interagem. Na imprensa impressa que está sobrevivendo por aparelhos, na comunicação que assumiu o seu verdadeiro papel de influenciar as pessoas e não necessariamente comunicar. Só a informação já seria suficiente para ajudar uma pessoa a se decidir. Mas isso não basta.
No excelente documentário exibido pela Netflix, Privacidade Hackeada, vemos que as empresas de comunicação digital junto com os dados cedidos pelo Facebook conseguiram, através de propaganda massiva e mentirosa, influenciar aquela parcela do eleitorado que se dizia indecisa. Isso foi suficiente para eleger o Trump, mesmo com menos votos que Hillary e foi definitivo no resultado do Brexit. Uma empresa por detrás disso, a Cambridge Analytica manipulou, mentiu, convenceu, articulou e festejou os resultados. Vídeos obtidos secretamente pelo Channel 4 mostram as conversas escusas e incriminatórias dos cabeças dessas empresas e das campanhas.
Parecido com o que estamos vivendo. Faz parte de todo um processo mundial de direciomento para uma sociedade conservadora, de direita em oposição a qualquer movimento popular, qualquer reconhecimento das minorias e qualquer progresso social verdadeiro. Numa das cenas do filme vemos Temer passando a Bolsonaro a faixa de presidente ilustrando essa atual fase mundial. Golpes tradicionais não são mais necessários apesar de, às vezes, o sangue precisar ser derramado para justificar certas atitudes mais repressivas. Como diz Brittany Kayser no filme, "os dados de uma pessoa são como armas nas mãos dessas empresas". Ela é uma mulher meio exótica e indecisa, que foi de campanhas pelos direitos humanos na juventude, passando pela equipe de Obama e terminou como executiva sênior da Cambridge Analytica, Depois até se arrependeu de seus feitos e entregou o jogo numa delação que não teve nada de premiada. Só a crise de consciência. Brittany confessa que aceitou esse trabalho por dinheiro e por vaidade. Isso também acontece.
A nova sociedade conservadora, aquela que estamos experimentando agora, vive de coisas invisíveis e nocivas. Os verdadeiros valores do passado, ou mesmo os sentimentos mais primários deram espaço à atitudes que vão da alienação, da indignação a esmo, da destruição, da agressividade e da falta de um projeto de vida. O dinheiro ainda é o combustível que alimenta essa gente mas ele vem disfarçado de uma não- ideologia intencional que de ideológico tem tudo. As mentiras tem poder destruidor. O mal causado fica, é difícil de consertar justamente porque ele bate nesse sentimento destruidor e acéfalo que domina as pessoas. Elas querem se alimentar daquilo que supre essa carência. A chamada nova comunicação vive disso. A direita soube fazer muito bem uso da mentira e das falsas suposições. A esquerda, moralista, acredita na comunicação direta, busca a verdade em cima de fatos. Os recursos da mentira, das fake news carregam uma amoralidade que só a direita radical sabe usar. Os fins justificam os meios e ponto. Mas a esquerda precisa saber usar o que a nova comunicação tem de forte e de útil. É preciso continuar tentando mostrar a verdade mesmo que riam de nós, que nos ridicularizem, que nos agridam e que nos mandem para Venezuela ou Cuba. Pode parecer ingênuo, infantil e bobo, mas essa verdade dita da maneira mais direta, até didática, depois de um tempo pode se tornar efetiva. Diz-se que a mentira de tanto ser repetida passa a ser vista como verdade. É verdade. Mas a verdade também pode ser repetida até a exaustão para deixar de ser uma versão e virar um fato histórico.
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