Um livro, a realidade e um filme de Bergman
Das noites insones, não raro despertamos, intranquilos, com notícias sobre pessoas próximas que foram infectadas, estão hospitalizadas ou morreram. Acompanhar o noticiário e ver as previsões dos cientistas tem sido, no mínimo, desesperador. Somente no ano passado, por exemplo, 900 bebês morreram de Covid-19. E seguem morrendo crianças, jovens, adultos e velhos.
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Das noites insones, não raro despertamos, intranquilos, com notícias sobre pessoas próximas que foram infectadas, estão hospitalizadas ou morreram. Acompanhar o noticiário e ver as previsões dos cientistas tem sido, no mínimo, desesperador. Somente no ano passado, por exemplo, 900 bebês morreram de Covid-19. E seguem morrendo crianças, jovens, adultos e velhos.
O vírus está fora de controle e, conforme as palavras do prof. Miguel Nicolelis ao El País: “estamos há poucas semanas de um ponto de não retorno da pandemia no Brasil”. Para ele, “se o colapso funerário se instalar neste país, começaremos a ver corpos sendo abandonados pelas ruas, em espaços abertos”. A se confirmar o que prevê o cientista, haverá um inferno na terra capaz de fazer os círculos mais profundos do inferno de Dante parecer desenho animado.
Tudo o que está acontecendo no país nos causa revolta, mas não deveria causar espanto, uma vez que não foi por falta de aviso dos especialistas. Desde o início, quando o caos ainda não havia se instalado, cientistas, pesquisadores e especialistas em geral alertaram o governo e a sociedade civil para o que ocorreria aqui se não fossem tomadas as precauções necessárias. Contudo, como diria minha avó: o governo fez “ouvidos de mercador”, enquanto brincava de tirar o pino da granada. Esqueceu ele, que não se joga xadrez com a morte, já que ela nunca perde. Ignorou, que não se brinca com o caos; muito menos com granadas sem pino. O resultado da incompetência, inépcia e irresponsabilidade do atual governo está aí a olhos vistos: o Brasil foi transformado em uma vala coletiva. É essa a parte do latifúndio que cabe ao povo brasileiro?
Ontem, uma amiga me confidenciou que seu vizinho da esquerda, um adorável senhorzinho, falecera. Hoje, ela informa que também faleceu seu vizinho da direita, e complementou: “e nós aqui, nas graças de Deus, protegidos”. Li o que ela me enviou e me pus a pensar no quanto a fé tem ajudado aqueles que, como essa minha amiga, a têm. E os que não a têm? Pensando nisso, lembrei de um livro que gosto muito, e que se chama Em que crêem os que não crêem? (a forma “crêem” é anterior ao Novo Acordo Ortográfico de 2009), publicado no Brasil no ano 2000, pela editora Record, com tradução de Eliana Aguiar, cuja primeira parte é um diálogo epistolar entre o escritor Umberto Eco e o cardeal Carlo Maria Martini, discutindo os mais variados temas sob os pontos de vista do intelectual, Eco, e do religioso, não menos intelectual, Martini. Então, numa situação de morte e caos como a que estamos enfrentando, pergunto: em que creem os que não creem? O presente texto, por sua exiguidade, não pretende responder a referida pergunta, mas deixá-la para que os leitores possam refletir a esse respeito. Antecipo, no entanto, que uma resposta ao questionamento proposto não implica necessariamente numa resposta fechada e única, mas aberta e diversa como foi a conversa entre os dois intelectuais, diferentes nas suas considerações sobre a vida humana, a esperança e o fim, por exemplo. As conversas entre Eco e Martini nos abrem os olhos para muitas questões. Nelas, no entanto, ao contrário das conversas entre o cavaleiro e a morte, no filme O Sétimo Selo (1957), de Ingmar Bergman, a questão principal não é o medo da morte, mas as causas que são impulsionadoras da vida.No filme de Bergman, enquanto a peste dizima tudo, os charlatães pregam a Deus e ao Diabo, que só existem nas suas cabeças. Qualquer semelhança terá sido mera coincidência? Enquanto busca respostas que não terá, o homem do filme tenta enganar a morte, desafiando-a para uma partida de xadrez na tentativa vã de ganhar tempo. No Brasil, a tentativa do governo em ganhar tempo consiste em contar ao menos três mentiras por dia, enquanto o país aderna. Os comensais da morte, pagos com dinheiro público, com ternos bem cortados e discursos genocidas apreciam a orquestra, enquanto a nação afunda. Sem mais spoilers, o filme de Bergman pode parecer bastante real, mas, claro, não o é. Ao vivo, como diz o poeta: “a vida realmente é diferente, quer dizer, ao vivo é muito pior”. Xeque! diz a Indesejada das gentes.
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