Um Império em pânico tenta fazer à Rússia uma 'oferta irrecusável'

"Mas por que razão Moscou levaria a sério propostas indiretas, especialmente às vésperas de seu novo avanço militar?", questiona Pepe Escobar

Presidentes Vladimir Putin (Rússia) e Joe Biden (EUA)
Presidentes Vladimir Putin (Rússia) e Joe Biden (EUA) (Foto: Reuters)


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Percebendo que a guerra da OTAN contra a Rússia tende a ter um fim desfavorável, os Estados Unidos vêm testando uma oferta de saída. Mas por que razão Moscou levaria a sério propostas indiretas, especialmente às vésperas de seu novo avanço militar, e no momento em que ela está ganhando?  

Será que o Secretário de Estado  dos Estados Unidos Antony Blinken pensa mesmo que um editorial do Washington Post fará com que o Chefe das Forças Armadas russas Valery Gerasimov venha a adiar seus planos de ofensiva militar contra a Ucrânia? 

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Os que estão por trás do Trono nunca são tão perigosos quanto quando se vêem  colocados contra a parede.  

Seu poder lhes escapa das mãos, e rapidamente: Em termos militares, com a progressiva humilhação da OTAN na Ucrânia. Em termos financeiros, mais cedo do que se espera, o Sul Global não terá mais o menor interesse na moeda do vilão gigantesco e falido. Em termos políticos, a maioria global vem tomando medidas decisivas para parar de obedecer o que de fato é uma minoria voraz e desacreditada.

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Agora, portanto, os que estão por trás do Trono vêm urdindo um plano para, pelo menos, desacelerar o desastre que irá se abater sobre o front militar.

Tal como confirmado por uma fonte de alto nível do establishment norte-americano, uma nova diretriz quanto à guerra da OTAN contra a Rússia na Ucrânia foi retransmitida ao Secretário de Estado Antony Blinken. Blinken, em termos de poder real, não passa de um menino de recados para os neocons-straussianos e os neoliberais que  de fato controlam a política externa dos Estados Unidos. 

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O secretário de estado foi instruído a repassar a nova diretriz – uma espécie de mensagem ao Kremlin – pela mídia impressa convencional, sendo ela imediatamente publicada pelo Washington Post.Na divisão de trabalho interna à mídia convencional de elite dos Estados Unidos, o New York Times é muito próximo ao Departamento do Estado, e o Washington Post, à CIA. Neste caso específico, a diretriz era de extrema importância, tendo que ser repassada pelo principal e mais respeitado jornal da capital imperial. Ela foi publicada como um editorial (com paywall).

A novidade aqui é que, pela primeira vez desde o início da Operação Militar Especial da Rússia na Ucrânia, em fevereiro de 2022, os americanos estão de fato propondo uma variação da clássica "oferta irrecusável", incluindo algumas concessões que talvez satisfaçam os imperativos de segurança russos. 

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Um ponto de importância crucial é que a oferta dos Estados Unidos ignorava totalmente Kiev, confirmando, mais uma vez, que esta é uma guerra contra a Rússia conduzida pelo Império e por seus vassalos da OTAN – na qual os ucranianos não passam de substitutos descartáveis.   

'Por favor, não partam para a ofensiva' 

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O tradicional correspondente do The Washington Post  em Moscou  John Helmer, prestou um importante serviço, apresentando a  íntegra da oferta de Blinken, amplamente editada, é claro, para incluir noções fantasiosas como "as armas dos Estados Unidos ajudam a pulverizar as forças invasoras de Putin", e também uma repugnante explicação: "Em outras palavras, a Rússia não deve estar pronta para repousar, reagrupar e atacar".

A mensagem de Washington pode, à primeira vista, dar a impressão de que os Estados Unidos admitiriam o controle russo da Crimeia, do Donbass, de Zaporozhye e de Kherson – "a ponte terrestre que conecta a Crimeia à Rússia  – como um fato consumado.

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A Ucrânia teria um status desmilitarizado e o emprego de mísseis HIMARS e de tanques  Leopard e Abrams seria limitado ao Oeste da Ucrânia, e mantidos como "dissuasão contra futuros ataques russos".

O que talvez tenha sido proposto, em termos bastante nebulosos, foi de fato uma partição da Ucrânia,  zona desmilitarizada inclusive, em troca de o Estado Maior das Forças Armadas russo cancelar sua ainda desconhecida ofensiva de 2023, que pode ser devastadora  o bastante para cortar o acesso de Kiev ao Mar Negro e/ou cortar o fornecimento de armas da OTAN pela fronteira polonesa. 

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A oferta dos Estados Unidos se autodefine como o caminho rumo a uma "paz justa e duradoura que sustente a integridade territorial ucraniana". Bem, não exatamente. Não será apenas o que sobrou da Ucrânia, e Kiev talvez consiga reter aquelas terras  a oeste que a Polônia morre de vontade de engolir. 

A possibilidade de um acordo direto Washington-Moscou sobre "um futuro equilíbrio militar pós-guerra" também é sugerido, sem incluir o ingresso da Ucrânia na OTAN. Quanto à própria Ucrânia, os americanos parecem acreditar que ela será "uma economia forte e livre de corrupção, e membro da União Europeia".   

Tudo o que restou de valor na Ucrânia já foi tragado não apenas por sua monumentalmente corrupta oligarquia mas, principalmente, por investidores e especuladores do tipo BlackRock. Um sortimento de abutres empresariais simplesmente não pode se dar ao luxo de perder os portos ucranianos de exportações de grãos, nem os termos dos acordos de comércio assinados com a União Europeia antes da guerra. E eles morrem de medo de que a ofensiva russa venha a capturar Odessa, o maior porto marítimo e nó de transportes do Mar Negro – o que deixaria a Ucrânia sem acesso ao mar.  

Não há o menor indício de que o Presidente russo Vladimir Putin e todo o Conselho de Segurança da Rússia – inclusive seu Secretário Nikolai Patrushev o seu vice-presidente Dmitry Medvedev – tenham motivos para acreditar em qualquer coisa que venha do establishment dos Estados Unidos, especialmente nas declarações trazidas por subalternos como  Blinken e o Washington Post. Afinal, a stavka – apelido dado ao alto comando das forças armadas russas – vê os Estados Unidos como "incapazes de acordos", mesmo quando a oferta é feita por escrito.

Tudo indica que temos aí uma jogada desesperada dos Estados Unidos para paralisar o jogo e oferecer algumas cenouras a Moscou na esperança de atrasar, ou mesmo cancelar a ofensiva planejada para os próximos meses.

Até mesmo funcionários 'velha escola' de Washington – dissidentes e não comprometidos com a galáxia  neocon-straussiana – apostam que a jogada  será um inútil e patético 'sanduíche de nada': em seu clássico modo de "ambiguidade estratégica", os russos darão continuidade a seu objetivo declarado de desmilitarização, desnazificação e deseletrificação, e irão "parar" no exato momento e no exato local que lhes convier a leste do Dnieper. Ou  mais além. 

O que o Estado Profundo realmente quer 

As intenções de Washington nessa guerra que, essencialmente, opõe a OTAN à Rússia, vão muito além da Ucrânia. E não estamos falando sobre evitar uma união eurasiana Rússia-China-Alemanha, nem sobre  o pesadelo de um concorrente-par. Vamos nos ater às questões prosaicas do campo de batalha ucraniano. 

As principais "recomendações" – militares, econômicas, políticas, diplomáticas – foram detalhadas em um documento estratégico do Conselho Atlântico de fins do ano passado.E em um outro documento, sobre "Cenário de guerra 1: a guerra continua em seu ritmo atual", encontramos a política neocon-straussiana expressa com toda a clareza.

Está tudo ali: desde "angariar apoio e transferência de ajuda militar a Kiev suficientes para capacitá-la a ganhar", até "aumentar a letalidade da assistência militar a ser transferida para incluir aviões de combate que permitam que a Ucrânia controle seu espaço aéreo e ali ataque as forças russas, e tecnologia de mísseis com alcance suficiente para atingir o território russo".  

Desde treinamento de militares ucranianos "para usar armas ocidentais, guerra eletrônica e capacidades cibernéticas ofensivas e defensivas, integrando de forma ininterrupta novos recrutas às forças em serviço",  até o reforço de "defesas nas linhas de frente próximas à região de  Donbass",  incluindo "treinamento para combate focado em guerra não-convencional". 

Somadas à "imposição de sanções secundárias a todas as entidades que mantenham negócios com o Kremlin", chegamos agora à Mãe de Todos os Saques: "Confisco de 300 bilhões de dólares que o estado russo tem depositados em contas  no exterior, nos Estados Unidos e na União Europeia, e usar o dinheiro confiscado para financiar a reconstrução".  

A reorganização da Operação Militar Especial, com Putin, o Chefe do Estado Maior Valery Gerasimov e o  General Armagedom em seus novos e ampliados papéis vem fazendo descarrilhar todos esses elaborados planos.

Os straussianos estão agora em profundo pânico. Até mesmo a número dois de Blinken, a belicista russófoba  Victoria "F**-se a União Europeia" Nuland, admitiu ao Senado dos Estados Unidos que não haverá tanques Abrams no campo de batalha antes da primavera (em termos realísticos, antes de 2024). Ela também prometeu "aliviar as sanções" se Moscou "retornar às negociações". Negociações essas que foram  travadas pelos próprios americanos em Istambul, na primavera de 2022.

Nuland também conclamou os russos a "retirarem suas tropas". Bem, isso ao menos traz algum alívio cômico comparado ao pânico que escorre da "oferta irrecusável" de Blinken.   Continuem ligados para mais notícias sobre a resposta não-resposta da Rússia. 

Tradução de Patricia Zimbres

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