Um Homem
Neste aniversário do frade Francisco de Assis, que celebremos sua paixão e reverência pela Criação, assim como seu espírito de união com os mais pobres, escreve Frei Betto
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Por Frei Betto
A 4 de outubro, os cristãos comemoram a sua festa, recordando que, em 45 anos de vida, Francisco de Assis deixou-nos um testemunho de liberdade que ainda ressoa como paradigma de futuro. Ele foi o que não somos e o que, no fundo, gostaríamos de ser.
Houve um homem que se enchia de inefável gozo ao sentir-se abraçado pelo Sol e vigiado pela Lua, aos quais chamava de Irmão e de Irmã. Seus olhos reluziam perante a vastidão silenciosa das estrelas e o coração transbordava ao aspirar a fragrância das flores. Ao encontrar plantas e frutos, ajoelhava-se reverente como quem se curva junto a uma criança. Falava com a relva, conversava com as árvores, segredava às pedras, deixava-se acariciar pelo vento e parecia aplacar o vigor das chamas quando evocava seu parentesco cósmico com o fogo.
Este homem nunca estudou astrofísica e jamais soube que nas águas dos rios lateja o mesmo oxigênio, expirado pelas estrelas, que flui em nossa corrente sanguínea, bombeando-nos vida. Porém, havia nele uma conatural empatia com toda a Criação. Apaixonado por Deus, sabia-se em comunhão com o Cosmo. Andarilho, o sabor do mel era, ao seu paladar, um dom tão precioso quanto a escuridão da noite para seus olhos e o lamento famélico dos lobos para seus ouvidos. Tudo evocava a maravilha do Criador: o canto das cigarras, a sinuosidade rastejante dos répteis, o rugir dos trovões, o pó das estradas.
Ele nasceu num povoado italiano há cerca de 800 anos. Sonhou ser rico como o pai, cavaleiro como os jovens de sua geração, monge como os que renunciavam ao mundo. Embebido do Evangelho de Jesus, evitou as três possibilidades. Despiu-se da roupa tecida na manufatura de seu pai, pioneiro do capitalismo, e abraçou a vida despojada das primeiras vítimas coletivas do novo modo de produção: os pobres. Como ele mesmo disse, Deus o destinara a ser “louco no mundo.” Loucura que o levava a comer do mesmo prato dos doentes, a preterir armas e cavalos em favor da ternura e da pregação itinerante. Seu mosteiro eram os caminhos e as vilas, os bosques e as montanhas. Companheiro de Clara, tudo nele era fé e festa, expressão indelével do eros, ágape místico. Cantava a dor e o riso e referia-se à morte como irmã.
Seu pai batizou-o Francisco, “aquele que vem da França”, em homenagem à metrópole européia da época. Mas ele preferiu trocar os privilégios pelas efusões do Espírito, que sopra onde quer e como quer. A 4 de outubro, os cristãos comemoram a sua festa, recordando que, em 45 anos de vida, Francisco de Assis deixou-nos um testemunho de liberdade que ainda ressoa como paradigma de futuro.
Ele foi o que não somos e o que, no fundo, gostaríamos de ser.
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