Um governo não pode construir suas derrotas

"O governo Lula vem cometendo determinados erros políticos e de escolha que chegam a assustar", analisa Aldo Fornazieri

Luiz Inácio Lula da Silva
Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Ricardo Stuckert/PR)


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A natureza das ações políticas de um governo, em vários aspectos, é diferente da natureza das ações políticas de um partido. Um partido pode assumir bandeiras de luta que não tenham perspectiva de vitória no curto prazo. Um governo, embora possa defender causas justas do ponto de vista retorico e ideológico, a sua ação concreta em termos de projetos e medidas político-administrativa, deve buscar sempre vitórias, principalmente no curto prazo, visando construir o caminho para alcançar seus objetivos estratégicos. 

Por isso, suas ações devem considerar sempre as circunstâncias dadas, a chamada conjuntura, e a correlação de forças para medir as chances de vitória ou de derrota. Em suma, deve fazer análise de risco político, tanto na adoção de medidas, quanto na formulação discursiva, visando uma comunicação eficaz, já que esta também estabelece condicionalidades para vitórias ou derrotas. 

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Um governo deve lutar contra medidas propostas pelos seus adversários/inimigos que visem derrotá-lo, mesmo que não tenha chance de vencer. Um governo pode defender teses minoritárias consideras justas, mesmo que estas não tenham viabilidade de se concretizar em uma determinada conjuntura. Mas um governo não pode propor medidas concretas com grande possibilidade de derrotas.

Como epicentro do poder político, o governo deve buscar vitórias visando o fortalecimento de seu poder e a concretização de seus objetivos políticos. Um governo que acumula derrotas, principalmente por conta de seus erros, se enfraquece, perde credibilidade, gera desconfianças quanto a sua viabilidade e produz incertezas de todo tipo. 

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O governo Lula vem cometendo determinados erros políticos e de escolha que chegam a assustar. Aposta na revogação de medidas aprovadas na legislatura anterior do Congresso sem considerar que a atual legislatura é mais conservadora e mais privatista do que a anterior. O atual Congresso quer também um maior poder de controle sobre o Orçamento e sobre as pautas políticas. Assim, o encaminhamento dos decretos de mudança do Marco do Saneamento e, principalmente, a forma como o fez, sem articulação política, provocaram uma derrota que causou um dano significativo ao governo. 

Outra escolha que parece caminhar para uma derrota é o questionamento da privatização da Eletrobrás. Sem entrar no mérito dos questionamentos do governo, que no essencial são corretos, o problema consiste em avaliar se ele tem condições de obter uma vitória, mesmo no STF. Uma avaliação preliminar indica que se trata de uma iniciativa de alto risco, o que poderá provocar uma nova derrota e um novo desgaste. 

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As escolhas do governo parecem ainda mais estranhas quando se considera a conjuntura. O Brasil vem de uma situação eleitoral em que a vitória de Lula foi por escassa margem de votos, vem de uma tentativa de golpe na qual algumas condutas de autoridades são questionáveis e está implicado numa situação em que ainda existem forças bolsonaristas incrustadas no entorno do poder central. Trata-se da persistência de uma conjuntura de alta polarização na qual, as forças bolsonaristas ainda não foram politicamente derrotadas. 

A conjuntura se caracteriza também pela instabilidade da base de sustentação do governo no Congresso. Não é possível dimensionar se o governo terá, efetivamente, uma base majoritária nas Casas legislativas. Existe ainda um campo minado pela frente que precisa ser limpo para poder avançar. 

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Passados cinco meses desde a posse, áreas do governo deixam a desejar. O desempenho da articulação política, incluindo as lideranças do PT e do governo no Congresso, apresenta um desempenho sofrível. A própria comunicação do governo precisa de um ajuste urgente. 

Não é possível aplicar, nem na articulação política e nem na comunicação, fórmulas do passado que não funcionam mais dadas as mudanças de conjuntura, das relações de força e dos tempos. O sistema político-partidário está mais pulverizado, inclusive no interior dos partidos. No tempo atual existem duas novas determinações na ação política, entre outras, que os operadores do governo parecem não considerar.

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A primeira diz respeito à ação política na era digital. Muitos políticos passam a ditar suas condutas pelo cálculo das repercussões nas redes, enfraquecendo o sistema de lealdades, tanto em relação aos partidos, quanto em relação ao governo. Aqui cabem duas lições de dois grandes mestres da política. A primeira, de Maquiavel: a disponibilidade de força (militar, política ou social) é condição de obtenção de vitórias. A segunda de Lênin: lembrando que existem compromissos e compromissos ele assevera que é preciso saber analisar as circunstâncias e “as condições concretas de cada compromisso ou variante de compromissos”. A conjuntura existe alta perícia na política feita no varejo do dia a dia. 

Em conexão com a política digital (tecnopolítica), cabe dizer que vivemos num tempo em que entre os fatos e as intenções, entre os fatos e as interpretações, há um enorme espaço em branco que vem sendo preenchido por retóricas que pulverizam a relação entre os fatos e a verdade. Ou seja: o espaço em branco vem sendo preenchido por muitas narrativas falsas. Por vários motivos, sendo que um deles está na evidência de que pessoas acreditam em algo porque é absurdo, as narrativas se tornaram um fator importante de constituição de relações de força. 

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Este aspecto, os operadores do governo e as lideranças de esquerda em geral ou enfrentam mal ou não conseguem enfrentar. O problema só pode ser resolvido no âmbito do enfrentamento retórico. É aqui que se verifica o despreparo. A distinção entre verdade e falsidade exige um esforço retórico hercúleo e eficiente capaz de estabelecer uma conexão entre retórica e prova. Esta retórica tem a função de fazer emergir no discurso a efetividade dos fatos. Isto requer um domínio da arte argumentativa e boas doses de uso de ardis e astucia. Este problema precisa ser enfrentado no âmbito da comunicação política. O declínio cultural e formativo dos políticos de esquerda, o seu maior pendor para cargos e privilégios, tornam-se barreiras para ação eficaz no enfrentamento ideológico da extrema-direita que adota estratégias retóricas e de luta de fundo religioso.   

O fato de que vivemos num tempo de baixo crescimento econômico, por conta conjunção de vários fatores, torna o problema do enfrentamento político mais dramático. O governo terá dificuldades de gerar um ambiente de bem-estar geral no curto prazo. Neste contexto, a eficiência da ação política ganha uma importância ainda maior.

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