Um governo autoritário da democracia
Claro está, passados 8 meses do governo Bolsonaro, que existe a real intenção de levar a cabo uma segunda passagem mais abrupta de um "governo autoritário da democracia" para um "governo autoritário" tout court
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O Trilhas da Democracia de domingo (15/9) recebeu a deputada federal Fernanda Melchionna, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) do Rio Grande do Sul, para dialogar sobre a greve mundial pelo clima, que acontecerá no próximo dia 20/9.
Durante a entrevista, dois temas centrais foram abordados: a situação de emergência ambiental e o recrudescimento da violência policial resultantes de apenas oito meses de governo Bolsonaro.
Recorrerei, aqui, a um ensaio escrito pelo filósofo francês Jacques Rancière para defender a ideia de que assistimos nos últimos 8 meses à passagem de um "governo democrático da democracia" a um "governo autoritário da democracia", diretamente responsável pela maneira selvagem pela qual tem se dado o agigantamento das duas questões abordadas por Melchionna.Publicado 2 anos após Estado de Exceção, do filósofo italiano Giorgio Agamben, Ódio à democracia, de Rancière, apresenta elementos de ordem conceitual que nos fazem refletir (tal qual Agamben) acerca de uma visão que foi se tornando pouco crítica sobre a democracia na contemporaneidade.
Segundo Rancière, o tradicional adversário da democracia – aquele definido como “governo do arbitrário”, uma ditadura – acabou escondendo uma outra forma de combate à democracia – aquele que se caracteriza pelo controle da vida democrática: “o bom governo da democracia", que teria como responsabilidade central a neutralização da intensidade da vida democrática, do seu princípio anárquico.
Tendo como base as reflexões de Rancière, proponho-me, aqui, a sugerir a hipótese de que assistimos na história recente do Brasil à passagem de um “governo democrático da democracia” a um “governo autoritário da democracia”, num deslocamento que traz consigo obstáculos de grande porte para a defesa e garantia dos direitos humanos em nosso país, ainda que não estejamos vivendo uma ditadura declarada.
Apesar das inúmeras diferenças programáticas que separam o Partido da Social Democracia Brasileira e o Partido dos Trabalhadores, a meu ver, não é descabido definir como tendo sido um período de “governo democrático da democracia” os 22 anos em que tucanos e petistas alternaram-se à frente do Poder Executivo Federal - os 8 anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso, os 8 anos de mandato de Luís Inácio Lula da Silva e os 6 anos de mandato de Dilma Rousseff.
Nessas 2 décadas e 2 anos de governos tucanos e petistas, os mecanismos de controle social foram empregados nos marcos da administração dialogada (em menor e maior escala) da conflitualidade social – o que não implica dizer que a dimensão coercitiva do aparelho estatal tenha sido subutilizada, muito pelo contrário.
Porém, com o golpe contra Dilma Rousseff em 2016 e a consequente posse de seu vice-presidente Michel Temer, dá-se início a uma transição que se concluiu com a eleição e posse de Jair Bolsonaro na presidência da República, a saber: a transição de um “governo democrático da democracia” a um “governo autoritário da democracia”, no qual a administração dialogada do conflito social foi interditada e aceleradamente substituída pela administração exclusivamente repressiva deste último, com possibilidades concretas de exacerbação daquilo que Giorgio Agamben (seguindo as trilhas abertas pelo filósofo alemão Walter Benjamin) definiu como Estado de Exceção – uma técnica de governo que transforma a excepcionalidade não democrática em regra permanente.
Claro está, passados 8 meses do governo Bolsonaro, que existe a real intenção de levar a cabo uma segunda passagem mais abrupta de um "governo autoritário da democracia" para um "governo autoritário" tout court.
O jogo, porém, ainda se encontra em aberto, à espera da nossa capacidade de construção de uma frente democrática que tenha como elemento central a defesa da Constituição de 1988 e o conjunto dos direitos humanos nela presentes.
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