Um ermitão na multidão

"Não quero virar um ermitão no meio de uma sociedade irracional e moribunda. Vamos nos isolar. É a única maneira de nos juntarmos de novo lá na frente. Ainda dá tempo", escreve o cartunista Miguel Paiva

(Foto: Miguel Paiva)


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Por Miguel Paiva, para o Jornalistas pela Democracia 

Ainda fico chocado com os últimos números desta pesquisa Datafolha. Entre as pessoas que se arrependeram de votar no Bolsonaro no segundo turno, que são 17% dos que votaram, 10% acha o comportamento dele na crise do Covid-19 bom. É uma incongruência. Analisar estas pesquisas e chegar a alguma conclusão lógica me parece temerário. Aliás, qualquer coisa mais certeira nessa época é arriscada. Vivemos tempos de redefinição de várias coisas. Estamos habituados a códigos e protocolos que talvez não voltem mais a existir. 

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Na política acho que os novos tempos trarão outras posturas, sem saber se serão boas  ou ruins, mas serão diferentes. Ficou clara a importância de um estado saudável e presente no nosso dia a dia. Só a iniciativa privada ( cadê ela? ) não vai resolver. Na hora do pega pra capar os empresários somem, e agora, nesta pandemia, morrem de medo de terem sido infectados naquela última viagem a Paris, ou naquele inesquecível casamento numa praia badalada. O Estado não vai a casamentos e apesar de ameaçado e ferido de bala continua forte o suficiente para mostrar ao que veio. O SUS é o maior exemplo desta eficácia apesar dos abalos. O ministro Mandetta usar o colete do SUS deve irritar muito o Bolsonaro. Não acho o Mandetta santo enquanto político, mas enquanto médico está cumprindo seu papel apesar de ceder muito facilmente ao seu lado político. Ele precisa escolher como entrará para a História. Se como o médico- ministro que agiu corretamente contra o vírus ou se como o político que se aproveitou da pandemia para se solidificar como político. Essa é uma escolha de caráter. Vamos ver.

No nosso convívio social muita coisa também já mudou. Não consigo me imaginar tão cedo indo a um cinema ou a um restaurante sem tomar todas as medidas de proteção. Acho que a máscara vai ser, por muito tempo, parte do vestuário de todos nós. Beijo na boca só aquele com garantias de imunidade. Não vamos saber mais se uma pessoa está sorrindo com a boca, somente com os olhos. Estamos sentindo muita falta dos nossos queridos, familiares e amigos. Nos falamos pelo celular e até nos vemos, tristes ou felizes. Falta abraçar e beijar. Talvez, depois de mais um tempo de quarentena possamos dividir o mesmo espaço, respeitando as distâncias. Não sei se será suficiente. Não sei se isso acabará estabelecendo novas regras de afeto. O futuro nos reserva muitas surpresas diria minha avó.

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Entre essas surpresas temo pelo número de infectados e mortes que virão. Os enlouquecidos defensores do Bolsonaro gritam que é preciso voltar ao normal e que a epidemia é invenção da esquerda. Eles não leem o que acontece no mundo. Não leem mesmo. Não querem saber. Só se informam na própria bolha e são capazes do absurdo de achar que a Globo é comunista por difundir os riscos do vírus. Temo por esses que, se continuarem a desrespeitar as novas regras, certamente cairão doentes. O problema é que nos infectarão também nessa marcha. 

Ontem tive que ir ao Rio de Janeiro ( estou refugiado em Petrópolis) e constatei muita gente circulando na rua. Parecia um feriado. Até engarrafamento na Linha Vermelha eu peguei. As pessoas, em menor número reconheço, estavam quase todas sem máscaras. É uma constatação simples. Usar máscara não te protege diretamente, protege a dinâmica dos contatos contra o contágio. Você usa máscara para não contagiar o outro, caso você seja um infectado assintomático. Se todos tiverem esse raciocínio o vírus não se propaga. É simples. Mas a grande maioria, aquela mesma que acha que não precisa usar capacete na moto, camisinha no sexo e cinto de segurança no carro jamais achará que pode ser um transmissor assintomático. Esse vírus não me pega, como disse o presidente. Outros preferem assistir canais de TV que não trazem tanta tragédia. 

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Fugir do tema não nos salvará, assim como colocar nas mãos de deus. Essa prepotência que acomete quem não tem quase nada, contraditoriamente, é o que mais ameaça o quadro do Coronavírus no Brasil. 

Não sei até que ponto poderei evitar o contato com essas pessoas. Na realidade não sabemos quem pode ser uma ameaça ou não. Enquanto, como disse o David Uip, os 70% não se conscientizarem e aceitarem as regras do isolamento, estaremos em risco. Não quero virar um ermitão no meio de uma sociedade irracional e moribunda. Vamos nos isolar. É a única maneira de nos juntarmos de novo lá na frente. Ainda dá tempo.

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