Um dia de tragédia e de silêncio
"Quanto mais fatos estarrecedores como os de agora são divulgados, mais desequilibrados são incentivados", diz Eric Nepomuceno
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Por Eric Nepomuceno, para o 247
Num filme de horror seria fácil para o roteirista e o diretor imaginarem a cena: numa cidade próspera e conservadora um homem de 25 anos invade uma creche particular e, armado de um pequeno machado, ataca crianças.
Mata dois meninos de quatro anos, outro de cinco e uma menina de sete. Deixa feridos um menino de três anos, e outro menino e duas meninas de cinco.
Terminada a tarefa macabra, com toda calma do mundo o homem se entrega para a polícia.
Se o roteirista fosse especialmente criativo, e o diretor suficientemente ousado, nenhuma das crianças mortas teria irmão ou irmã. Só filhos únicos seriam alvo das machadadas fatais.
Esse detalhe – todas as vítimas serem filhos únicos – talvez fosse considerado excessivo pelo produtor, que mandaria cortar.
Só que não foi filme de horror, foi a pura realidade, e aconteceu nesta quarta-feira em Blumenau exatamente como resumido aqui. O fato de serem filhos únicos inclusive.
E também não foi um caso isolado: são cada vez mais frequentes no Brasil ataques sanguinários a colégios e escolas, públicas ou particulares, tendo como alvo tanto alunos como professores.
De um ano para cá, foram dez – quase um por mês.
Não dá ainda para comparar com a tragédia vivida em escolas dos Estados Unidos, o país que, de acordo com Jair Messias, é o que o Brasil deveria ser.
Mas é preciso reconhecer que estamos assustadoramente caminhando nesse rumo.
Há uma serie consistente de fatores que levam a semelhante quadro. Desde surtos psicóticos até casos profundos de desajuste social, passando por sabe-se quantas razões mais.
Quanto mais fatos estarrecedores como os de agora são divulgados, mais desequilibrados são incentivados.
Psicólogos, sociólogos e tudo que é tipo de “ólogo” se debruçam sobre essas tragédias.
Mas não é preciso recorrer a nenhum deles para entender que a atmosfera de pregação de violência, de louvação das armas, alimentada na paralela pela difusão descontrolada, via redes sociais, de atos ameçadores e arroubos sanguinários que o país vem vivendo há pelo menos quatro anos contribui para que os riscos de novas tragédias sejam cada vez maiores.
Em meio ao espanto, à dor e ao luto, ao temor de que esse perigo não deixe de crescer, ouvimos um estrondoso silêncio: o de Jair Messias.
Nem uma única e solitária palavra de repúdio à violência e solidariedade às famílias das vítimas.
Posso estar cometendo uma injustiça abominável.
Mas não consigo me livrar da ideia de que, no fundo, ele deve ter sentido que a tragédia serviu para desviar grande parte das atenções: afinal, aconteceu no mesmo dia em que prestou o primeiro depoimento à Polícia Federal, respondendo sobre as joias que, ao que tudo indica, tentou surripiar.
O primeiro: outros virão. E mais outros. Essa é sua tragédia particular.
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