Um debate para a vida de todos e a saúde do planeta

"Caso tivéssemos um governo comprometido com os verdadeiros interesses nacionais, o Brasil, além de apoiar a iniciativa da Índia na área sanitária, poderia liderar, na OMC e em outros foros, luta semelhante, em relação à área ambiental", escreve Marcelo Zero

(Foto: PETAR KUJUNDZIC/REUTERS)


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Há, hoje, duas grandes emergências planetárias: a emergência da pandemia e a emergência das mudanças climáticas. 

Combinadas, ambas ameaçam a vida da humanidade e a saúde da Terra. 

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Ambas, por óbvio, demandam soluções globais e negociadas para seu eficaz e correto enfrentamento. As duas também não podem prescindir de avançado conhecimento científico-tecnológico para serem contornadas. 

Entretanto, tal conhecimento está muito concentrado em países mais desenvolvidos, que têm condições de fazer investimentos robustos nessas áreas e expertiseacumulada. 

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Seria de se esperar, por conseguinte, que tais países estivessem dispostos a compartilhar tal conhecimento, em nível mundial, para que essas emergências pudessem ser eficazmente superadas.

Não é, porém, o que acontece.

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No caso da pandemia, há uma clara instrumentalização geopolítica das vacinas. 

Os EUA, em particular, preocupados com o crescente protagonismo de alguns países do BRICS, como China e Rússia, nesse tema, querem se contrapor a tal influência, usando suas tecnologias como moeda política de troca.

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Ao mesmo tempo, EUA e aliados, como o Brasil, se opõem à proposta da Índia e de África do Sul na OMC, a qual tem o intuito de suspender todos os direitos de propriedade intelectual inseridos no TRIPS, relativos ao combate à pandemia do Covid-19.  

Eles querem defender os interesses das grandes companhias farmacêuticas e suas tecnologias proprietárias, de forma a intentar manter seu domínio econômico e político, no cenário mundial. 

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Tudo isso em detrimento da vida da grande maioria dos habitantes do planeta e da posição fundamentada da OMS.

O mesmo ocorre na área ambiental.

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Seria de extrema relevância para a saúde do planeta que as tecnologias “limpas” destinadas à redução das emissões de gases do efeito-estufa fossem também amplamente compartilhadas, de maneira a se evitar efeitos irreversíveis no clima da Terra, o que afetaria toda a humanidade. 

Mas, assim como na área da saúde, na área ambiental também se verifica a instrumentalização geopolítica das tecnologias.

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O governo Trump, negacionista e terraplanista em todas as áreas, abandonou totalmente a luta ambiental, tanto interna quanto externamente. Isso permitiu que a China ocupasse, no cenário internacional, o vácuo deixado pelos EUA. Hoje, a China é o país que mais investe em tecnologia ambiental e o que mais realizou acordos de cooperação, nessa área estratégica. 

Em sentido contrário, o governo Biden assumiu como missão empenhar-se na constituição de um New Green Deal, capaz de, ao mesmo tempo, recuperar a economia dos EUA e contribuir com o combate às mudanças climáticas. A ideia é que a economia dos EUA tenha emissão zero até 2050. 

Não obstante essas boas intenções manifestas, tal missão de Biden embute também a estratégia geopolítica de deslocar a China da liderança, nesse campo.

Na realidade, o governo dos EUA pretende usar desse tema sensível para tentar reafirmar seu protagonismo no mundo. 

Nessa tentativa, valerá impor sanções comerciais e econômicas contra países que não “respeitem seus compromissos internacionais relativos ao meio ambiente” ou que se aliem a China e outros países do BRICS. Países “não cooperativos” poderão, ainda, ser isolados em negociações ambientais e comerciais. Ademais, poderão ser excluídos de quaisquer ajudas financeiras. 

Ora, isso poderá criar um duplo problema para países em desenvolvimento: além de não poderem cumprir com seus compromissos ambientais, eles poderão ser prejudicados em seu desenvolvimento econômico e social, o que, por sua vez, contribuirá para manter economias ambientalmente “sujas”, criando um círculo vicioso de difícil reversão.

É desejável, por conseguinte, que esses países se oponham tanto à instrumentalização geopolítica da luta contra a pandemia quanto à instrumentalização da luta pelo meio ambiente equilibrado. Tanto em ações internas quanto em ações internacionais. 

Nesse sentido, seria conveniente introduzir alteração na nossa lei de patentes (Lei nº 6.279, de 1996), com o objetivo de estipular que as tecnologias destinadas ao combate à pandemia e também à redução de emissões de gases do efeito-estufa, ou à persecução do equilíbrio ambiental, sejam consideradas de interesse público, o que complementaria, de forma mais assertiva e ampla, iniciativas como a do Senador Paulo Paim.

Desse modo, se pavimentaria o licenciamento compulsório de tecnologias estratégicas para o Brasil e para o mundo. 

Embora tal licenciamento não possa ser encarado isoladamente como uma panaceia, ele poderia, combinado com medidas adicionais, como investimentos robustos em ciência e tecnologia, produzir importantes efeitos econômicos, sociais, sanitários e ambientais, no médio e longo prazo. 

Caso tivéssemos um governo comprometido com os verdadeiros interesses nacionais, o Brasil, além de apoiar a iniciativa da Índia na área sanitária, poderia liderar, na OMC e em outros foros, luta semelhante, em relação à área ambiental. 

Não temos. 

Mas temos outras instituições e lideranças que poderiam, ao menos, fazer esse imprescindível debate. 

Um debate em nome da vida de todos e da saúde do planeta. 

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