Últimas considerações sobre a China

Chegamos ao fim da jornada pela China. E a passagem do Brasil 247 pelo país pode ter sido essencial para o jornalismo brasileiro



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Chegamos ao fim da jornada pela China, a potência asiática que já chegou ao segundo lugar entre as economias mundiais, primeira de seu continente, e hoje, com o desenvolvimento social e poderio militar que cresceram exponencialmente, tornou-se ator global de primeira grandeza. Recentemente, a guerra comercial com os Estados Unidos ameaça o mundo com a possibilidade de extrapolação do conflito para além dos limites dos assuntos econômicos, invadindo a esfera as relações diplomáticas e mesmo militares dos dois países. Todo o mundo seria afetado por essa nova mudança na ordem global. 

Talvez por isso, a passagem do Brasil 247 pela China tenha sido essencial para o jornalismo brasileiro, sendo este jornal o maior do país entre aqueles que mantêm ponto de vista contra-hegemônico e são mantidos por financiamento dos leitores. Isto porque, pelos vínculos que temos, pudemos mostrar a China aos brasileiros de forma que foge às pautas corriqueiras sobre o país. 

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Qual o papel da Huawei na democratização do acesso à informação? Como funciona e em que se baseia o sistema político muito particular da China? Qual a amplitude das liberdades individuais e religiosas no país? Tudo isso foi debatido nos últimos quatro meses e meio, numa ótica que, sem ser conivente com eventuais faltas e excessos cometidos pelos chineses, primou pela abertura às diferenças culturais para traçar um retrato do país que mostre ao público algo mais próximo da China real. Tarefa sabida intangível, mas buscada a cada dia de trabalho do outro lado do mundo.

Após quase um semestre, a China mostrou ao Brasil 247 que, com respeito, quaisquer de seus temas mais delicados podem ser abordados, ainda que com viés crítico. Aqui debatemos, por exemplo, as querelas com a província rebelde de Taiwan, que busca se afirmar um país, embora praticamente não seja reconhecida por todos os países do mundo (dentre os 17 países que mantém relações oficiais com Taiwan, o principal é o Paraguai, restando ademais apenas ilhas-estado no pacífico e pequenas repúblicas centro-americanas).

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A venda de armas pelos norte-americanos foi um tema recorrente pela mídia mundial, a qual preferimos abordar tratando do direito chinês à soberania territorial, tendo a ilha de Taiwan sido subtraída da grande China após a guerra-civil que colocou os comunistas no poder. Do refúgio do antigo Kuomintang em Taiwan e imediato apoio das potências ocidentais, surgiu o pretenso novo país, que hoje subjaz apenas pelas relações comerciais mantidas por escritórios informais de representação dos principais países. Entretanto, há de reconhecer a China que, ainda que seja a ilha seu território por direito, a população local desenvolveu outra cultura política e outros costumes, não bastando a simples afirmação da soberania territorial para completa integração dos taiwaneses à República Popular.

Solução para Taiwan seria a adoção da mesma política existente em Hong Kong e Macau, isto é, a convivência do Governo comunista central com um sistema capitalista com relativa autonomia em regiões especiais. Mesmo este modelo, no entanto, enfrenta hoje uma crise sem precedentes desde que estabelecido, em 1997 em Hong Kong e 1999 em Macau. Protestos eclodem na grande cidade do sul da China, pedindo ampliação da autonomia regional ou mesmo emancipação em relação à administração de Pequim, produzindo algo semelhante ao enclave de Cingapura na Malásia, ou Mônaco na França.

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O principal incômodo da população de Hong Kong, o que também ocorre em Taiwan, é a abertura política e civil mais ampla de que gozam em seu territórios, que veem ameaçada por que faltam poucas décadas para que, em 2047, encerre-se o modelo econômico de “um país, dois sistemas”, que permite a autonomia das regiões cuja descolonização tardia as integrou ao capitalismo financeiro. Todavia, o que jamais pode acontecer é o terrorismo e a violação de direitos humanos e da liberdade de imprensa que vem sendo recorrente nesses protestos, como o ataque de que foi vítima um jornalista de Pequim Shi Ding, editor de política do jornal Global Times, amarrado e agredido verbal e fisicamente por vândalos que se passavam por manifestantes. O não diálogo jamais conduzirá à desejada solução do impasse.

O impasse de Hong Kong e Taiwan está longe de acabar e a solução é difícil, visto que, embora avançado em questões de afirmação da soberania nacional, provimento de serviços públicos, emprego e renda, geração de energias limpas, todos eles fartamente documentados nas reportagens escritas nos últimos quatro meses, o Estado chinês ainda carece da conquista plena dos direitos civis (não que ela exista em muitos países do ocidente, inclusive no Brasil). Hong Kong e Taiwan elegem pelo voto direto seus governantes e têm políticas mais claras para as minorias (a título de exemplo, hoje as duas regiões são governadas por mulheres: Carrie Lam em Hong Kong e Tsai Ing-wen em Taiwan, esta última não reconhecida pela República Popular). 

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Recentemente, inclusive, a China voltou a ter de encarar um de seus maiores fantasmas, no que se refere aos direitos civis e à conquista da democracia. O cumprimento de 30 anos dos grandes protestos da Praça da Paz Celestial, ocorridos em junho de 1989, fizeram pipocar notícias e efemérides nos principais jornais do mundo. A iconografia do cidadão anônimo frente ao tanque de guerra, cujo destino jamais se conheceu, foi revisitada nesta primeira semana de junho, e o silêncio do Governo e dos meios de comunicação do país manteve o ocorrido na memória dos casos mal resolvidos de violação dos direitos humanos. 

É bom lembrar que a China nega o suposto massacre dos manifestantes, o que a diferencia, por exemplo, do Japão e o massacre de Nanjing, ou dos Estados Unidos e o agente laranja na Guerra do Vietnã, apenas a título de exemplo. Como contraponto não mostrado pelos grandes veículos, a progressiva abertura do regime chinês após os incidentes de 1989, com maior acesso dos chineses ao diálogo com o poder público, maior atenção aos serviços e redução dos índices de pobreza desde os anos 1990, mostra que o ocorrido no fim da Guerra Fria teve efeitos positivos no cotidiano chinês e nos avanços políticos conquistados desde o fim da era Deng Xiaoping (que, por sua vez, já tinha sido responsável por imensos progressos econômicos). 

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Um dia a China provavelmente acertará contas com esse passado, como já o fez em relação à grande fome provocada pelo “Grande Salto Adiante”, programa econômico fracassado de Mao Tsé Tung (muito embora tenha provido os necessários industrialização e material bélico para que a China enfrentasse a ameaça ocidental e soviética no pós-revolução), e assim também para com seu projeto de formação ideológica, a Revolução Cultural (que perseguiu e cometeu excessos, mas formou consciência para o socialismo, iniciativa que faltou ao Partido dos Trabalhadores no Brasil). Certamente o tempo histórico, que na China milenar corre de forma diferente do ocidente, arcará com o dever de pacificar a questão de 1989, tornando-a superada, como já o é a maior parte dos problemas similares outrora vividos por outras grandes potências.

A fim de mostrar a China de forma alternativa à dos meios de comunicação tradicionais, optamos por tangenciar esses assuntos dentro de discussões contextualizadas e maduras sobre os problemas e desafios chineses, tratando, em primeiro lugar, do que é novidade (os avanços civis decorrentes de 1989, o exemplo da China na busca por soberania frente às grandes potências, o desafio de manter dois sistemas econômicos num só país), sem recorrer a efemérides ou polêmicas instrumentalizadas politicamente para atender a interesses econômicos.

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