TSE e a criminalização da política



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Em 2016, quando 120 milhões de brasileiros sairão de casa para escolher prefeitos e vereadores, responsáveis pelo bem-estar de cidades que abrigam mais de 80% da população do país,  o presidente do TSE, Gilmar Mendes, resolveu estimular os eleitores a denunciar candidatos que não respeitam as regras de campanha.

Para tanto, o TSE lançou um aplicativo de celular que permitirá ao eleitor denunciar crimes eleitorais na campanha municipal.

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O aplicativo se chama Pardal, com certeza numa homenagem aos radares que aplicam multas automáticas  no trânsito de grandes cidades.

Parece uma iniciativa inocente e bem intencionada mas não é.

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Na prática, representa um novo passo rumo a criminalização da atividade política e a desvalorização do voto popular.

Sinal dos tempos, em que uma presidente eleita por 54,5 milhões de votos pode ser afastada do cargo sem uma demonstração de crime de responsabilidade.

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Todos sabemos que há candidatos que não respeitam as regras do jogo. E é óbvio que sua atuação deve ser investigada e, se for o caso, punida. É para isso que o país possui uma Justiça Eleitoral, instituição anterior a Revolução de 1930.

 A própria Justiça eleitoral tem  mecanismos para localizar e apurar irregularidades, que costumam ser monitorados pelos próprios partidos políticos, os mais interessados em encontrar deslizes e falhas nos concorrentes, cabendo aos ministros separar o joio do trigo. Mesmo quando conduzida por profissionais, as denuncias eleitorais tem um alto poder destrutivo e geram polêmicas sem fim.

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Foi o que se viu tanto na campanha de 2014, que se tornou um instrumento permanente para se tentar desestabilizar, desde o primeiro dia, um governo eleito por mais de 51,6% dos votos.  É o que se vê em 2016, quando a primeira denuncia relevante -- sem relação com o Pardal, aparentemente -- envolveu a apreensão de material de campanha do candidato Marcelo Freixo, do PSOL do Rio de Janeiro. Conforme um levantamento publicado hoje pela Folha, oito candidatos a prefeito das capitais respondem a processo penal. 

Ao lançar um aplicativo que todo mundo pode acionar a partir do celular, o TSE está convidando cada eleitor a assumir um papel que não é seu -- o de polícia da eleição.

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 A ideia é criar milícias eleitorais? É transformar o pleito numa guerra de denúncias?

Imagine  a farra de candidatos que possuem velhas e azeitadas máquinas de cabos eleitorais profissionais, em pleitos disputados no fim do mundo brasileiro, onde ocorrem barbaridades que ninguém vê.

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Estamos falando de um inferno sem limites conhecidos. A transformação da eleição num campeonato para se apontar quem é o mais ladrão tem como efeito transformar em Justiça Eleitoral em protagonista de uma escolha na qual deveria caber ao eleitor assumir a função principal -- escolher o melhor.  

O voto perde importância, para que as sentenças judiciais assumam um papel determinante, com as virtudes e defeitos conhecidos -- inclusive a seletividade, que já impediu a posse de um senador, João Capiberibe, do PSB, acusado de subornar um eleitor com uma nota de dez reais.

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Nos tempos da República Velha, a Justiça Eleitoral referendava eleições à bico de pena, que era o nome dado aos acertos e emendas que permitiram modificar a vontade do eleitor depois do fechamento das urnas, alterando o saldo final na apuração.  

Em 2016, o debate político deixa de ser o foco principal. Em seu lugar, os eleitores irão discutir denúncias de irregularidades. Vão aguardar pela palavra final de um juiz -- que se torna mais importante do que a urna.

Deu para entender?

Talvez eu seja ingênuo. Ou talvez não tenha conseguido apagar a memória que ensina que as eleições são a base de toda democracia, pois ali fala a sociedade.

O Brasil tem uma tradição de debate municipal mais antiga que se pensa. Sua origem se encontra no período colonial português, quando foram criadas  as primeiras câmaras municipais que, apesar das distorções e falhas que todos conhecemos, sempre foram um balão de oxigênio para a democracia, mesmo nos períodos de maior opressão.  

Um dos pontos importantes da consolidação da ditadura militar foi a proibição de eleições para a escolha de prefeitos de capital, direito  suprimido no final da década de 1960 e que só foi só reestabelecido em 1985, depois que até os governadores de Estado já podiam ser eleitos diretamente, e o pais possuía um primeiro presidente civil após 21 anos.

Por mais de duas décadas, os prefeitos de capital eram nomeados diretamente pelo general-presidente. Do  ponto do urbanismo, essa situação facilitou a degradação das maiores cidades do país, abertas na base do porrete para a especulação e o lucro fácil.

Do ponto de vista político, permitiu o nascimento de lideranças artificiais, sem qualquer vínculo com o interesse da população. Por exemplo: o lance inaugural na carreira política de Paulo Maluf foi a prefeitura de São Paulo, onde foi instalado por Costa Silva. (Em outros 200 municípios, mais populosos, ou considerados área de segurança nacional, a escolha era feita de modo indireto, pela Câmara de Vereadores de cada cidade.)

O fundamental numa eleição é garantir espaço para o debate, o conflito de ideias e a apresentação de propostas. Desse ponto de vista, a prioridade da Justiça Eleitoral deveria ser assegurar a discussão democrática, garantindo que a população possa tomar uma decisão bem informada.

Uma campanha eleitoral deve ser uma imensa tribuna, a mais livre possível.  

Este é o ponto.

 

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