Trabalho no século XXI regulado pelo século XIX

Os golpistas de 2016, retornando o trabalho a condições análogas às do Império Brasileiro, não apenas escravizam nosso povo; colocam ainda mais distante do controle nacional os usos da informática

Em ritmo inverso ao da média brasileira, o emprego na indústria do Paraná cresce pelo 22.º mês consecutivo.
Foto: Gilson Abreu/FIEP
Em ritmo inverso ao da média brasileira, o emprego na indústria do Paraná cresce pelo 22.º mês consecutivo. Foto: Gilson Abreu/FIEP (Foto: Pedro Augusto Pinho)


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O século XX conheceu, além das guerras e conflitos ideológicos exacerbados, a grande mudança na compreensão das relações entre o homem e a natureza e nas próprias relações humanas. Isto não ocorreu no mundo místico nem simplesmente ideológico. Deveu-se, fundamentalmente, à direção das pesquisas que as máquinas de calcular impulsionaram alguns cientistas no pós guerra: a teoria geral dos sistemas e a teoria da informação.

O que antes era tratado como força, potência, seja erg, horse power, ou newton, passou a ser conceituado, medido e trabalhado como informação – bit.

Esta profunda transformação, ainda em processo de conhecimento e implementação, foi apropriado, política e economicamente, com argúcia e presteza, pelo sistema financeiro, a banca. Não quero com isso dar qualquer exclusividade aos atuais “donos do mundo”, mas seu próprio modelo de construir a dominação – formação de grupos multidisciplinares e multi-influentes – favoreceu a rápida capacitação, em algumas áreas importantes, deste novo conhecimento.

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Coloquemos no texto de um dos fundadores deste novo conhecimento, William Ross Ashby (Introdução à Cibernética, Editora Perspectiva, 1970), sua própria dimensão: “a cibernética está para a máquina real – eletrônica, mecânica, neural ou econômica – assim como a geometria está para um objeto real em nosso espaço terrestre”.

Não é, por conseguinte, difícil a meus caros leitores perceberem a enorme mudança que este conhecimento iria, como de fato ocorreu, mudar a compreensão e a forma do trabalho, entre diversas outras profundas transformações.

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Permitam-me uma rápida digressão. Nos governos militares, em especial no de Médici e sobretudo no de Geisel, cientes da importância deste conhecimento para a própria soberania nacional, forneceram os recursos, no âmbito público e no privado, para o desenvolvimento da “informática”. Estas denominações – informática, cibernética, processamento de dados – ainda hoje não são pacificamente conceituadas, e usarei doravante o termo informática para estes conhecimento.

E qual é a base deste conhecimento? Entender tudo, no mundo físico e mental, como sistema: o corpo humano, um rio, uma fábrica ou uma religião, e tratar este sistema como um fluxo informacional, onde sempre haverá uma fonte emissora, um meio propagador e um receptor da mensagem. É isto, em linhas muito simples, o que consiste a informática. Voltemos ao Brasil.

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Com o projeto de dotar o País com capacitação acadêmica e industrial para o mundo da informática, o Brasil chegou a construir, com recursos humanos e materiais próprios, o minicomputador. O professor Ivan da Costa Marques, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em três notáveis trabalhos descreve esta oportunidade perdida (Revisitando o discurso mobilizador da “reserva de mercado” dos anos 1970 à luz dos Estudos CTS; Brazil and its unenlightened desposts: 1979/1980; e Minicomputadores brasileiros nos anos 1970: uma reserva de mercado democrática em meio ao autoritarismo). Em minha modesta opinião, o General Geisel foi o primeiro dirigente nacional a sofrer um golpe da banca ao designar o General Figueiredo seu sucessor. Esclareço que a banca inicia seu empoderamento, nas características atuais, com as “crises” do petróleo, nos anos 1960/1970.

Fica absolutamente nítido, que este novo recurso modifica inteiramente a própria conceituação do trabalho. Há muitas frases sobre a era do conhecimento, mas o trabalho continua a ser tratado como força e não como informação.

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Escreve-se e fala-se de progressos tecnológicos, de racionalidades econômica, da supressão de empregos, mas, dificilmente se encontra uma formulação que incorpore o novo trabalho, uma nova postura diante da era da informática. No próprio título de seu livro, Norbert Wiener, outro fundador, coloca “Cibernética ou O Controle e a Comunicação entre Animais e Máquinas”, ou seja, é a nova relação dos homens entre eles e entre a natureza e o ser humano que este conhecimento busca interferir.

Em seu segundo livro, de 1950, “O Uso Humano de Seres Humanos”, Wiener já antevê a resposta conservadora ao mundo descortinado pela informática: “a nova revolução industrial é, pois, uma espada de dois gumes. Pode ser usada para o benefício da Humanidade, mas somente se a Humanidade sobreviver o bastante para ingressar num período em que tal benefício seja possível. Pode ser também usada para destruir a Humanidade, e se não for empregada inteligentemente, pode avançar muito nesse caminho” (na tradução de José Paulo Paes, para edição brasileira da Editora Cultrix, 1968, da edição revista por N.W. em 1954).

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Tenho afirmado que foi a banca quem melhor soube se apossar dos recursos da informática. Ao dar o golpe no Presidente Geisel, impediu o surgimento de uma competição fora de seu controle. Provavelmente outros países sofreram, de algum modo, este impedimento.

Os golpistas de 2016, retornando o trabalho a condições análogas às do Império Brasileiro, não apenas escravizam nosso povo; colocam ainda mais distante do controle nacional os usos da informática.

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É inacreditável que isto esteja se passando diante de nossos olhos e ainda exista quem considere o Partido dos Trabalhadores, Lula, o “bolivarianismo” como os inimigos do Brasil e de seu povo.

O projeto, em curso, da banca é o fim dos Estados Nacionais, só não vê quem nada entende ou quem não quer ou pode enxergar. O golpe de 2016, seus magistrados, promotores, parlamentares e jornalistas, ou seja, seus instrumentos, ainda poderão conhecer o futuro sombrio antevisto por Norbert Wiener, que não era comunista nem de “esquerda”.

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