Torcer ou Não Torcer pela seleção brasileira

Como no tempo da ditadura Médici, estamos perdendo o distanciamento entre futebol e política. E perdendo a distância também daquele tempo

(Foto: Lucas Figueiredo/CBF)


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Nestes dias de fascismo do governo Bolsonaro, por atos e discursos da presidência a ditadura volta. Se de um ponto de vista histórico, a ditadura jamais saiu do céu do Brasil, agora ela volta na ordem do dia de incentivo a crimes. As feridas que não cicatrizaram são abertas de novo e acesas.  

E assim voltaram com o maldito presente aquelas falas dos anos 70, quando discutíamos às ocultas se torcer pela seleção era coisa de alienado ou sentimento nacional. E de repente, nesta altura das linhas, sinto o cheiro de cigarro Continental entre garrafas de cerveja. Ou mesmo de cigarro Hollywood, mas de Minister, nunca. Eu quero dizer, se tiver a felicidade da clareza. Os recentes posts do jogador Daniel Alves, com repetição do slogan de Bolsonaro, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, de Neymar sorridente em fotos com o fascistão, ou com  a bandeira do Brasil aberta no 7 de setembro, o que para bom entendedor significa “sou patriota como o presidente”, deixam na gente uma tristeza contra a seleção brasileira.  

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Assim como no tempo da ditadura Médici, estamos perdendo o distanciamento entre futebol e política. E perdendo a distância também daquele tempo. Então volta para mim a Copa do Mundo de 1970, jogo Brasil x Itália no Bar Savoy, no Recife.  

Os amigos sentaram-se a um canto, um pouco à margem do aglomerado, que rodeava um dos televisores no Savoy. Diabo de copa do mundo, tinham vindo ali para conversar os próximos rumos do movimento contra a ditadura. De costas para a alienação. Acintosamente alienados da alienação. No entanto, Mário Sapo, mais sábio, sentou-se de frente para a televisão. Porque ver, o simples ver, não atrapalhava, ou não devia atrapalhar todo e qualquer desenvolvimento da discussão.  

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Então, de repente, o Savoy explode:  

– Gooool! Gol, gol, gol! Goool!  

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Mário, por estar mais integrado à massa, por esse motivo também se levantou: 

– Gool! É gol, é gol… De Pelé, porra!  

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Mas eis que depois, um carrasco de nome Boninsegna driblou o nosso goleiro, o verdadeiro herói lá na televisão, e sem piscar enfiou o empate da seleção da Itália. Em silêncio, todos danaram-se a beber, que os garçons de Savoy serviam bem na alegria e na tristeza. Mercenários, tiravam partido da pátria em qualquer circunstância. 

Acabado o primeiro tempo, quase todos no Savoy tiveram a mesma ideia, porque se aglomeram no banheiro. Ambiente pra lá de carregado, elétrico. O nosso amigo Spinelli, magríssimo e desengonçado, entra no círculo ácido do mijo. E até hoje ele não sabe por que razão, e até hoje ele oculta dos seus o momento raro do perigo que passou, e que soubemos só depois do abismo. Na volta do banheiro, em um corredor estreito e infernal, ele esbarra em um popular irado, nervoso e tenso. Esbarrou por acaso, por maldito azar, mas o popular, essa categoria ótima para uma tese, mas bem arisco ao vivo, assim não entendeu. 

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– Tá cego ? – E empurrou o nosso amigo contra a parede.  

Então Spinelli empurrou o popular de volta, como quem cumprimenta e vai embora. Mas o que ele foi fazer?! O popular lhe respondeu com um mais vigoroso empurrão. Spinelli voltou, como se a parede do estreito corredor fosse um elástico, que lhe desse um exemplo da terceira lei de Newton. E volta com o impulso da sua pequena massa inercial, somente para dar um instante breve de resposta ao segundo empurrão. Nisto, e como prova insofismável de que a toda desgraça corresponde outra maior, surge um indivíduo tão alto quanto o nosso amigo, porém mais volumoso em carnes, vontade de briga e músculos. Que vinha a ser o amigo do popular irritado. E lhe diz, a Spinelli: 

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– Ei, mago, é briga, é?   

Spinelli olhou de cima para baixo, e da direita para a esquerda o homem-guarda-roupa. Sabemos todos que os manuais de filosofia ensinam que só se deve correr quando houver possibilidades de espaço e circunstância. Mas o que não se encontra em nenhum manual foi a resposta de gênio que achou o nosso amigo naquela hora. Acreditem e creiam, porque em pleno intervalo do jogo final da copa do mundo, o nosso amigo gritou, com os braços erguidos e levantados: 

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– Viva o Brasil! 

O amigo do popular, surpreso com aquele golpe baixo de gênio, reagiu como bom patriota. Abraçou Spinelli como quem abraça um companheiro de torcida: 

– Viva! Viva o Brasil! 

Sei que com as costas ainda a estalar nos ossos, o nosso amigo voltou ao abrigo da nossa mesa. E todos assistimos à vitória da seleção brasileira na final da Copa de 1970.  

Assim foi. Mas o final desta vez não é cômico. Vivemos neste 2021 como o ano em que todas as coisas se definem. Enquanto escrevo, ainda não sei o resultado do jogo Brasil X Peru. O certo é que, se a seleção perder, não ficarei amargo nem infeliz. Tenho mais com que me preocupar. Vejo amigos que começam a sentir dores insuportáveis. Então, pode perder bem perdido, seleção brasileira. O mundo com que jogamos a nossa sorte é outro. 

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