“The Economist”, intervencionista e estatizante
Não podemos – como a Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha e China – simplesmente imprimir dinheiro para financiar os Bancos e o próprio Estado, como recomendava galhardamente The Economist, exigindo a mais forte intervenção do Estado já conhecida, para salvar o funcionamento da economia
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Em 9 de novembro de 2016 o jornalista Glenn Greenwald (The Intercept Brasil), comentando a eleição de Trump, nos Estados Unido, escrevia: "as elites formadoras de opinião estavam unidas de uma forma extremamente incestuosa e tão distantes da população que decidiria estas eleições, sentiam tanto desprezo por ela, que não foram capazes de observar as tendências em favor de Trump e, além disso, aceleraram estas tendências involuntariamente com seu próprio comportamento".
Esta afirmação, transposta para o processo golpista que acabou por derrubar a Presidenta Dilma, poderia ser traduzida aqui da seguinte forma: "amplos setores sociais não ligados ao "rentismo" e à especulação, estavam tão intoxicados pela demonização da política e dos partidos -pela suposto fracasso da democracia para resolver os seus problemas dentro da ordem- que aceleraram as agressões contra a sua própria vida e o seu patrimônio, levando o país aos "ajustes" e patrocinando - em escala nacional e regional- mais miséria, caos e insegurança e, portanto, menos confiança. Menos confiança!
A crise muda os padrões tradicionais da política, altera parcerias e alianças, obriga a reformulação de programas políticos e econômicos das distintas formações políticas de forma surpreendente. As urgências passam a ser outras na economia (como retomar o crescimento e o emprego), na política (como acabar com a "exceção" e trazer os processos para a legalidade), e no Direito (como repactuar a democracia por dentro da Constituição), num cenário de disputa que jamais será "local", ou "regional", mas já para sempre latino-americano e global.
Ninguém de sã consciência pode negar que o golpe contra a Dilma jamais visou combater a corrupção, mas realizar um brutal ajuste econômico, apoiado pelo "baixo clero" de um Congresso, que para chegar ao poder teria que ser escorado por uma aliança entre a mídia tradicional, de um lado, e todos os setores neoliberais e conservadores, de outro. Estes, inclusive notoriamente suspenderam alguns de seus interesses conflitantes, em benefício do projeto de se unir no Poder de Estado, sem consagração pelas urnas para, a partir daí, resolver as suas diferenças.
O charlatanismo, que predominou em grande parte da mídia tradicional, convenceu a maioria da sociedade que a derrubada de Dilma -além de acabar com a corrupção - seria sucedida por ajustes para por fim aos privilégios e assim recuperar a "confiança" dos investidores de toda a ordem. Agora as manchetes começam, timidamente, a revelar o embuste: "Desemprego bate (...) recorde e atinge 12,1 milhões" (Folha); "Pessimismo domina expectativas para 2017, após pior ano para negociações salariais (e) desemprego em março vai 12,7%" (Estadão); "Crise estoura de novo no lado mais fraco" (Rosane de Oliveira, Zero Hora, referindo-se ao nosso Estado); "País deve ter mais um milhão de desempregados em 2017" (O Globo).
O uso da "purificação" contra a corrupção em defesa da "autenticidade" nacional, como fantasia e ideologia que promove uma "convicção delirante" -como salienta o professor Valton Miranda no seu texto "O espetaculoso principado de Curitiba" – não começou em Curitiba. Ali, apenas a novidade colonial foram as imprecações contra "Satã" do Procurador Dallagnoll, com seu fundamentalismo primitivo que, no fundo, deve envergonhar até as nossas classes burguesas menos toscas. O apelo à "purificação" esteve presente na ascensão nazista em Weimar, contra a corrupção, os judeus e os comunistas; nos julgamentos de Moscou, contra quem "infectou" os interesses do proletariado com a "traição de classe"; ela, a "purificação" esteve presente na decisão de Bush, que chancelou as torturas "moderadas" contra terroristas e não terroristas, nos campos de concentração americanos no exterior, colocando o seu Estado no mesmo nível da selvageria terrorista.
Mas há algo de original no nosso processo de "exceção". Nele – por dentro da democracia política – os sujeitos desta "purificação" pós-moderna no Brasil (supostamente contra a "corrupção), perseguiram e obtiveram uma precisão milimétrica: esconder o objetivo central do ajuste, através de uma hipnose fascista da mídia tradicional, para promover um acordo político de fundo, entre o que tem de pior na política brasileira. Seu efeito estratégico foi viabilizar uma maioria para o referido "ajuste" e assim promover a corrupção política completa das instituições do Estado Social, desmantelando, de um lado, a força normativa da Constituição e, de outro, submetendo o Estado ao controle de quem detém a titularidade da dívida pública.
Pouco depois de 2008, o professor István Mészàros publicou um texto "A crise em desdobramento e a relevância de Marx", no qual este grande mestre que lecionou na Universidade italiana, americana, escocesa e inglesa – refugiado húngaro depois da ocupação de seu país pelas tropas soviéticas – reporta-se a The Economist, para transcrever uma parte de um texto sobre a longa crise, já em evolução, publicado pela sua matéria de capa (11/10/2008): "Esta semana – diz a matéria – assistiu-se o primeiro vislumbre de uma resposta global abrangente para o fosso da confiança". E mais adiante: "O dano para a economia real está a tornar-se aparente (...) e segue: " A General Motors fechou temporariamente algumas da suas fábricas na Europa. Por todo o globo, indicadores prospectivos – como inquéritos de compras junto a administradores- estão horrivelmente sombrios".
A conclusão da The Economist, insuspeita de qualquer simpatia populista ou de "esquerda" – muito menos de ser adepta do intervencionismo estatal – é bastante elucidativa sobre quais são as recomendações liberais para sair de uma crise, quando a economia começa a se decompor: "A economia mundial está claramente com um aspecto fraco, mas ela poderia ficar um bocado pior. Este é o momento de colocar 'dogma' e 'política' de lado e concentrar em respostas pragmáticas. Isto significa mais intervenção governamental e cooperação no curto prazo, mais do que os contribuintes, políticos, ou na verdade os jornais do mercado livre normalmente gostariam. Seguindo: "Mas a história ensina uma lição importante, que as grandes crises bancárias são essencialmente resolvidas pelo lançamento de grandes blocos de dinheiro público." Estatização da crise, portanto.
No momento em que aumenta o desemprego, cai o poder aquisitivo dos trabalhadores e das classes médias não rentistas, em que os pequenos e médios comerciantes perdem seus clientes, que as empresas – pequenas, média e grandes – que produzem para o mercado interno, reduzem suas encomendas; que amplos setores populares que eram beneficiários de subsídios do Estado deixam de comer e aumenta a violência e a marginalidade – no momento em que a lucidez pode renascer por dentro da tragédia – é bom lembrar que o resultado do golpe, com a fragilização da democracia e da legitimidade da Presidência e do Congresso, é muito menos "confiança": a falta de confiança na economia passou a ser uma falta de confiança generalizada, para reverter a crise pela interlocução e a disputa política democrática.
Seria falta de honestidade dizer que tudo isso é de responsabilidade do golpismo, porque a crise é mundial e o Estado brasileiro já estava, antes do Golpe, sequestrado pelo capital financeiro. Ele já manipulava a dívida pública para otimizar a acumulação sem trabalho e financiar as saídas para os países hegemônicos, que -indiretamente ou diretamente- são "proprietários" da dívida. A responsabilidade do golpismo, porém, é dupla: de um lado, ter traficado a ilusão de uma solução por fora do direito democrático do Estado Social, levando ao Governo o que o país tem de mais atrasado na esfera política; e, de outro, preparar o novo Governo, sem projeto e sem legitimidade, para jogar de forma autoritária o estouro "para o lado mais fraco".
Não podemos – como a Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha e China – simplesmente imprimir dinheiro para financiar os Bancos e o próprio Estado, como recomendava galhardamente The Economist, exigindo a mais forte intervenção do Estado já conhecida, para salvar o funcionamento da economia.
Quanto mais demorar uma solução política para crise, mais vai se agravar a crise econômica.
Quanto "pior", pior. A repactuação democrática que pode iniciar uma reversão deste quadro de humilhação nacional, é o chamamento a novas eleições gerais o mais breve possível, alterando o calendário eleitoral e chamando o povo brasileiro a escolher seu Governo e os seus parlamentares, pelo método mais democrático, até hoje inventado: o voto direto, secreto e universal. Estes são os melhores votos para 2017. Para tentar recuperar a "confiança"...
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