Texto de Patrícia Campos Mello sobre o 247 e o meu documentário é de uma desonestidade gritante

Ela não era nascida quando a Folha difamava brasileiros que resistiam ao regime de tortura e morte, mas presta hoje serviço equivalente: perde a democracia

Patrícia Campos Mello
Patrícia Campos Mello (Foto: Wikipedia)


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O texto em que a jornalista Patrícia Campos Mello cita o Brasil 247 como veículo que produz conteúdo de desinformação é de uma desonestidade gritante e reúne elementos que permitem concluir que o objetivo foi o de desacreditar o jornalismo independente do Brasil e, com isso, ajudar Jair Bolsonaro.

Ela cita o documentário "Bolsonaro e Adélio - Uma fakeada no coração do Brasil” como exemplo de desinformação e ignora ou finge ignorar que o vídeo em nenhum momento afirma se houve ou não facada em Juiz de Fora. O documentário trata da inconsistência da narrativa oficial, feita com base em uma investigação que, a rigor, não terminou.

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A expressão fake foi usada para definir a falsidade que se espalhou pelo Brasil, com a ação ou omissão de jornalistas da imprensa corporativa, que entendo ser mais adequado chamar de velha imprensa, que reúne veículos que, em análise mais acurada, fazem apenas propaganda do projeto neoliberal.

A começar pela forma como esses veículos trataram o caso de Juiz de Fora, decisivo para a continuidade desse projeto no Brasil. Adélio Bispo de Oliveira foi apresentado como militante do PSOL e nunca ocorreu às redações apurar sobre como essa informação ganhou as páginas dos jornais. 

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Foi a própria polícia que vazou sua filiação como se fosse fato atual, quando ela já sabia que, entre os pertences de Adélio apreendidos na pensão em Juiz de Fora, o documento mais importante sobre a militância de Adélio era uma carta protocolada na Justiça Eleitoral de Uberaba em que ele pedia desfiliação do PSD, que nunca foi de esquerda. Na cidade mineira, era controlada pelo então deputado Marcos Montes, da bancada BBB - Boi, Bala e Bíblia —, no caso dele boi.

Encontrei o documento no processo em Juiz de Fora e, quando o tornei público, o PSD se apressou em dizer que a filiação não tinha se efetivado, mas admitiu que Adélio frequentou seu diretório. 

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Onde estava a Folha que não apurou essa história, que pouparia a violência contra Jean Wyllys, por exemplo, alvo de um linchamento virtual e com ameaças reais depois que a distorcida informação sobre a filiação ao PSOL se desdobrou em uma campanha contra ele.

Também nunca ocorreu à Folha apurar por que, meia hora depois do evento em Juiz de Fora, um site de Santa Catarina publicou foto de Adélio numa manifestação contra Michel Temer em Florianópolis, três meses antes, como se a manifestação tivesse sido organizada por militantes de esquerda.

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A faixa dizia "Renuncia Temer", o que ecoava a manifestação feita, dias antes, por Jair Bolsonaro, então pré-candidato a presidente. O organizador da manifestação foi o militante bolsonarista Luciano Carvalho de Sá, conhecido como Luciano Mergulhador. Mas a imagem dele e de Adélio, que saiu no Jornal Nacional, da TV Globo, sugeria que a dupla fosse de esquerda.

A Folha também nunca se interessou por entender e informar adequadamente quão estranho foi, meia hora depois da prisão de Adélio, a divulgação de que o autor da facada ou suposta facada em Bolsonaro tinha estado na Câmara dos Deputados, cinco anos antes. 

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Dois policiais legislativos, que nada tinham a ver com a investigação de Juiz de Fora, consultaram os registros de entrada na Câmara e imediatamente a informação foi parar no site O Antagonista, que na época ajudava a promover Jair Bolsonaro.

Que voz esses policiais ouviram para correr até a portaria para obter dados sobre a presença de Adélio em 2013? Divina? Por acaso, houve a mesma busca no Senado? Ou Planalto? Ou o STF? Foi bola cantada, mas não pela PF.

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Esse caldeirão de dados tornados rapidamente públicos consolidaram a versão de que Bolsonaro tinha sido alvo de um movimento orquestrado pela esquerda. Semanas depois é que a Polícia Federal viria a público para dizer que Adélio era lobo solitário. Mas, a esta altura, Bolsonaro já tinha vencido o primeiro turno e liderava as pesquisas para o segundo.

A Folha também nunca apurou a presença de Adélio Bispo de Oliveira no clube de tiro .38 no mesmo dia em que Carlos Bolsonaro estava lá, em 6 de junho de 2018. A velha imprensa nem sequer informou que o .38 tem ligações com clubes de tiro dos EUA apresentados pela imprensa de lá como organizações com simbologia nazista, apoiadoras de Donald Trump.

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A simples presença de Adélio num clube de tiro seria motivo suficiente para levantar a suspeita de que uma narrativa falsa estava sendo criada.

É coerente com o perfil de um militante do PSOL fazer curso de tiro? É razoável imaginar que uma pessoa pobre como Adélio gastaria três vezes o aluguel do quartinho em que vivia para aprender a atirar, mesmo não tendo uma arma?

Os jornalistas da Folha — a própria Patrícia — poderiam verificar o teor das postagens de Adélio em sua rede social — não reproduzir o que a PF pescou ali e foi entregue à imprensa. 

Adélio apoiava bandeiras bolsonaristas, como a redução da maioridade penal e o combate ao projeto de lei que criminaliza a homofobia.

O documentário ainda mostra que, antes de iniciar a passeata, Adélio se encaminhou na direção de Carlos Bolsonaro, que, em Juiz de Fora, estreava nos atos de campanha de rua do pai. Quando soube do vídeo, ele disse à Leda Nagle que tinha visto Adélio aquele dia e entrou no carro porque ficou com medo.

Ora, se Adélio era um desconhecido para ele, por que o medo? E se desconfiou de Adélio, por que não avisou um dos muitos seguranças que estavam lá? O fato é que, quando se sabe da presença dos dois em Florianópolis no mesmo dia, é razoável imaginar que não eram desconhecidos.

A dúvida só se esclareceria se a PF tivesse requisitado as imagens do clube de tiro naquele dia. Mas, em vez disso, se contentou com o depoimento de dois representantes, ambos ardorosos bolsonaristas. 

A lista de inconsistência da narrativa oficial, agasalhada pela Folha, é bem mais extensa. O filme censurado pelo YouTube — censura que a Folha não critica — tem mais de duas horas e mostra o que é fake nessa história que mudou (para pior) os destinos no Brasil.

Acrescentemos apenas que o texto de checagem da Folha sobre o caso Adélio, publicado há poucos dias, contém desinformação grave. 

Apresenta o advogado Zanone Júnior como o atual defensor de Adélio, e ignora ou finge ignorar que Zanone foi afastado do caso depois de uma carta de próprio punho enviada por Adélio à Defensoria Pública da União, em que ele reclama do isolamento em que vive — sem nem sequer receber a visita de um parente — e da inércia de seu agora ex-advogado, que, na visão dele, sempre trabalhou para que morresse na prisão, sem poder falar com ninguém.

Estou no 247 há um ano e seis meses, depois de trabalhar em grandes redações, como O Estado de S. Paulo, Veja e TV Globo. Desfruto de liberdade editorial incomum para os padrões brasileiros. E me senti pessoalmente ofendido com o texto desonesto de Patrícia Campos Mello.

Mas não me surpreendi. Ela nem sequer me procurou para fazer um texto em que me ataca. Soube de uma troca de mensagens entre ela e Leonardo Attuch, em que este ofereceu a ela espaço para se manifestar. 

Ao que sei, ela silenciou. O ideal, neste caso que chamei de fakeada — e mantenho, no sentido acima explicado — é que haja debates sérios e profundos, de preferência em fóruns abertos, como a ABI ou Fenaj, por exemplo, para não ficar no faz-de-conta de ouvir o outro lado.

Mas Patrícia parece preferir o silêncio ou colocar ponto final nas histórias que escreve (esta flagrantemente desonesta).

Quando ela publicou o livro “A máquina do ódio”, já senti o mau odor da desonestidade. 

O livro era a repercussão de suas reportagens sobre disparo em massa de mensagens pelo WhatsApp na eleição de 2018, e de graça ela atacou sites como O Cafezinho, Fórum, DCM e Viomundo, e os comparou a publicações como o Terça Livre, de Allan dos Santos.

Um paralelo que ofende a inteligência. Foi graças ao Cafezinho que soubemos do esquema de sonegação do Grupo Globo, e graças ao Viomundo que o esquema de poder e corrupção de Aécio Neves em Minas Gerais começou a ser denunciado. 

Viomundo e DCM revelaram ao pais o verdadeiro triplex da maracutaia, o da família Marinho em Paraty. Pelo DCM, eu revelei o caso Helicoca e estive nas Ilhas Virgens Britânicas, para mostrar como a Globo criou e manteve o esquema de sonegação, e contei outras histórias que a velha imprensa omite.

Imagine como nós brasileiros estaríamos hoje se, desde 2013, quando se intensificou a guerra contra o Brasil, não houvesse a mídia independente. 

O que a Folha fazia enquanto veículos como o 247 divulgavam informações relevantes sobre o ataque ao Brasil e denunciavam a Lava Jato? Fazia cobertura sobre pedaladas fiscais e enaltecia Sergio Moro e Deltan Dallagnol, bem como as manifestações de rua capturadas pela extrema direita, o que levou ao golpe contra Dilma, a prisão de Lula, e consequentemente à eleição de Bolsonaro. 

Sei que há exceções nesse caldeirão com ingredientes da verdadeira desinformação, como Mônica Bergamo. A exceção, como diz a frase popular, confirma a regra.

Felizmente, não preciso mais servir a empresas que são muito mais bancos do que veículos de jornalismo, se é que foram algum dia. Ou, por acaso, como Bolsonaro, a Folha é capaz de negar fatos históricos, como o uso de caminhões da empresa a serviço da ditadura que torturava e matava?

Um jornal capaz de publicar manchetes como “Morto o chefe terrorista Marighela”. 

Patrícia Campos Mello não era nascida quando o jornal da família Frias omitia tortura e assassinatos, mas talvez um dia se dê conta de que, em 2022, prestou a essa publicação serviço equivalente ao de jornalistas daquela época.

Esses setores do Brasil, em que a Folha está incluída, se encaminham para a irrelevância, mas, enquanto ainda se ouve o rugido desse leão sem dentes, é preciso denunciá-los.

É pelo bem do país.

 

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