Terceira via e a crise de legitimidade
Os postulantes à “terceira via” seriam identificados por Bobbio como “casos graves de crise de legitimidade”. Os candidatos não têm base social
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Desde a eleição presidencial de 1994, o tema da chamada “terceira via” estava ausente do debate político eleitoral no País.
Naquele ano, o mainstream da economia e da política procurava por uma alternativa entre a extrema-direita, representada por Paulo Maluf, então prefeito de São Paulo e Lula, favorito e que liderava as pesquisas de intenção de votos.
Nos escaninhos de Brasília conta-se uma história que não pode ser esquecida.
No final de 1993, o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, Sérgio Motta, Tasso Jereissati e Antônio Lavareda, guru do partido quando o assunto era pesquisas de intenção de votos, avaliavam a viabilidade do PSDB nas eleições presidenciais. A conclusão foi que as candidaturas do partido não tinham nenhuma sustentação na conjuntura.
Os números enterraram o sonho de Tasso, que tinha apenas 2% nas pesquisas, FHC estava empatado com Tasso, ou seja, era inviável eleitoralmente naquele.
A opção para a chamada “terceira via” passou a ser o então ministro da Previdência Social, Antônio Britto.
Brito era o que estava em melhor situação nas pesquisas, com 15%. Tinha uma imagem simpática com o eleitorado idoso ou aposentado, ele havia reduzido as filas do INSS, tornou-se era popular. Além disso, fôra porta-voz de Tancredo e esteve nos lares dos brasileiros naqueles 38 dias de martírio em 1985.
Segundo Jorge Felix no seu “Terceira via: as lições de Bobbio para o Brasil”, os números sinalizavam que a construção da “terceira via” passava pela necessidade de coesão social, e Brito tinha uma folha de serviços prestadas, ou seja, legitimidade.
A menos de um mês para o prazo de definição do candidato, noutra reunião, na casa do então deputado tucano Sérgio Machado – aquele do “acordo nacional, com o supremo com tudo”, FHC teria dito: “Tem dois candidatos, eu e o Britto. Topo o ministério se o Britto aceitar ser candidato”.
FHC ficou no ministério e sob sua coordenação foram aprovadas medidas, como o Fundo Social de Emergência (mais tarde Fundo de Estabilização Fiscal, e depois Desvinculação das Receitas da União, DRU), base orçamentária para a execução do Plano Real e, apesar das chances mínimas de obter dois terços das duas casas legislativas, o programa econômico, com a cara da candidatura presidencial e que tinha a oposição de todos os pré-candidatos, foi aprovado e foi um sucesso.
Britto, preferiu disputar o governo do Rio Grande do Sul.
Em poucos meses, FHC aprovou medidas controversas, mas que abriu caminho para a estabilidade monetária.
O restante da história, todo mundo conhece. FHC foi eleito presidente, livrando o PSDB do apoio a Lula ou à ala antiquercista do PMDB, as alternativas possíveis, pois Maluf nunca seria a escolha dos tucanos.
FHC acabou sendo a “terceira via” em 1994 – coisa que nunca mais se ouvira falar até aquele ano, mas vejam quanta coisa aconteceu.
Passados quase trinta anos João Dória, Mandetta, Simoni Tebet, Sergio Moro, Eduardo Leite, dentre outros, são apontados à exaustão pela imprensa como alternativas de “terceira via” a Lula e Bolsonaro.
Ora, sejamos cordatos, como esses candidatos podem ser alternativa a alguma coisa se em 2018 estiveram ao lado de Bolsonaro? O que os diferencia de Bolsonaro?
Lula, que lidera a corrida presidencial hoje, representa o centro-direita democrático, a centro-esquerda e setores da esquerda; Bolsonaro representa o centro-direita fisiológico, a direta, a extrema-direita e as viúvas da ditadura.
Por isso, a meu juízo, essas pré-candidaturas não representam nada, elas padecem de legitimidade.
Qualquer candidatura - desde a vereança, até a presidência da república -, deve representar uma proposta de trabalho, uma visão de mundo, a qual emerge da interação com a sociedade civil ao longo de um certo período, somente essa caminhada legitima aquele que busca apresentar-se à sociedade para representar seus cidadãos, seus estados e a nação.
Noutras palavras, um candidato legítimo deve representar um pensamento econômico, social e político, além de propor uma prática no executivo ou no legislativo, pois, se não for assim ele é apenas um aventureiro, um candidato de si mesmo.
Os candidatos acima citados representam apenas sua própria vontade e a vontade da “faria lima”, não têm base social, ao contrário de Lula e Bolsonaro.
João Dória, Mandetta, Simoni Tebet, Sergio Moro, Eduardo Leite, etc., não tem legitimidade, são meros fantoches, como Eduardo Leite, ou balões de ensaio, não representam uma proposta de trabalho, uma visão de mundo, não tem necessária interação com a sociedade civil, são todos criados artificialmente e, cada um deles esteve com Bolsonaro em 2018.
Um registo: não incluo Ciro Gomes da lista dos “candidatos de sí mesmo” porque ele tem um projeto para o Brasil, um projeto escrito, publicado e debatido à exaustam ao longo dos últimos vinte anos; ele sim poderia ser uma alternativa real aos lideras das pesquisas, mas ele não tem base social suficiente.
Bobbio tratou da questão da “terceira via”, quando disse em conferências – lembradas por Jorge Felix em artigo no Jornal da USP - “A humanidade encontra-se pela primeira vez na sua história em uma situação-limite, além da qual poderia ocorrer uma catástrofe sem precedentes. (…) Todos estão convencidos de que é preciso urgentemente fazer alguma coisa. Mas ninguém sabe exatamente o quê”.
E Bobbio disse ainda - o que talvez sirva para os adversários de Jair Bolsonaro e de Lula -, o que faz o “terceiro” de fato ser identificado como “terceiro”, é uma postura equidistante, acima e legítima em relação aos dois polos e, com o devido respeito, esses candidatos padecem de legitimidade.
De acordo com Bobbio, estamos no estágio de “terceiro ausente”.
Os postulantes à “terceira via” aqui no Brasil nesse 2022 certamente seriam identificados por Bobbio como “casos graves de crise de legitimidade” ou, como “terceiro aparente”, que é, em essência, igual a um dos concorrentes. Essas são as reflexões.
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