Tempos inseguros
Desde o julgamento dos recursos da AP 470 pelo STF constatamos que vivemos tempos de Unsicherheit, um termo alemão que funde experiências como incerteza, insegurança e falta de garantia. É possível afirmar que há a lei “igual para todos”, mas há concretamente a possibilidade nefasta de sua aplicação ideológica
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Desde o julgamento dos recursos da AP 470 pelo STF constatamos que vivemos tempos de Unsicherheit.
Unsicherheit é um termo alemão que funde experiências como incerteza, insegurança e falta de garantia. Penso que alguns aspectos da decisão do STF em relação ao chamado mensalão nos colocam num estado de unsicherheit, pois presente no julgamento uma situação que é denominada de pluralismo jurídico, ou antinomia jurídica.
O Pluralismo Jurídico, ou antinomia jurídica, está presente sempre que no mesmo espaço geopolítico vigoram, oficialmente ou não, há mais de uma ordem jurídica, o que é o caos. Penso que essa pluralidade normativa, de natureza antinômica, tem quase sempre fundamento nas questões econômicas.
E só há um caminho para submeter tais interesses econômicos a níveis de equilíbrio socialmente necessários e ao interesse social: a Política.
O julgamento da AP 470 pelo STF pode ser compreendido como exemplo do pluralismo jurídico, este fundado ao mesmo tempo por vetores econômicos e ideológicos. Pois o resultado, condenação prévia de alguns dos réus, representou a vitória dos setores mais reacionários e da volta da agenda liberal. A criminalização de atores políticos de esquerda abriu as portas para criminalização de toda a esquerda.
A AP 470 foi o início do golpe de 2016, pois os setores mais reacionários, econômica e ideologicamente, influenciaram a aplicação da lei com a interpretação da sua conveniência, importando e flexibilizando teorias para aplicação ao caso.
Os réus foram condenados por indícios e não em razão de provas e parcela irresponsável e domesticada das comunidades jurídica e da sociedade, assim como a imprensa, calaram-se. Pior, os setores progressistas, o centro democrático, a centro esquerda e a esquerda deram de ombros a um fato grave.
Isso não é apenas opinião minha, a Jurista Ada Pellegrinni, então professora da Faculdade de Direito da USP, em entrevista, afirmou que a mídia sempre pré-julga. E no caso do mensalão, pré-julgou. A pessoa que corresponde às expectativas da mídia passa a ser o herói nacional e quem não corresponde passa a ser o vilão. Esse é um problema muito sério, que se vê, sobretudo, em casos criminais”. O mensalão foi um caso criminal, de pressão da mídia que forma a opinião pública. Não é a pressão da opinião pública, porque a opinião pública é manejada pela mídia.
Eu não estou querendo defender a posição do relator ou do revisor, porque eu não conheço o processo à profundidade, mas a mídia condenou previamente todos os envolvidos, e o fez sem processo. As interceptações telefônicas, por exemplo, que deveriam correr em segredo de Justiça, eram publicadas e divulgadas pela mídia antes de os advogados de defesa terem conhecimento. Esse crime cometido na AP 470 foi cometido por Moro, tudo sob aplausos de canalhas de todo gênero.
É possível afirmar que há a lei “igual para todos”, mas há concretamente a possibilidade nefasta de sua aplicação ideológica.
Nessa linha tenho refletido muito sobre a questão da liberdade e dos direitos e garantidas individuais, motivado especialmente sobre a recente relativização do Princípio in dubio pro reo, princípio de Direito Processual Penal que recomenda ao juiz, na incerteza quanto à materialidade ou à autoria da infração, absolver o réu.
Bem, chego à conclusão que eles [a liberdade e os direitos e garantias individuais] só podem ser garantidos coletivamente, ou seja, através da Política. Por quê? Porque eles estarão sempre e apenas subordinados ao interesse coletivo.
O interesse coletivo é definido através da Polity (normas constitucionais e princípios), da Politics que decorre do legitimo e legitimador “jogo político” (são as leis complementares e leis ordinárias) e da Policy que emerge como resultado do “jogo político” (são as normas de Direito administrativo, são as políticas públicas) e não às decisões do Poder Judiciário, especialmente porque elas [as decisões] também estão subordinadas a eles, sob pena de nulidade das mesmas.
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