Temíamos um golpe de Bolsonaro; agora, o que pode haver é um golpe contra ele

Durante o primeiro semestre de 2020, as forças democráticas brasileiras temeram a escalada agressiva de Bolsonaro, e que, com apoio militar, ele pudesse tentar um golpe de Estado; agora, com o governo aos pedaços e um presidente desequilibrado, o mais provável é um golpe dos militares contra ele, escreve o jornalista Mauro Lopes

Jair Bolsonaro durante Cerimônia Comemorativa do Dia do Exército, em 2019
Jair Bolsonaro durante Cerimônia Comemorativa do Dia do Exército, em 2019 (Foto: Marcos Corrêa/PR)


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Por Mauro Lopes, editor do 247

Durante o primeiro semestre deste ano, as forças democráticas temeram que Jair Bolsonaro arriscasse um golpe de Estado. As sucessivas derrotas políticas de seu governo, a pandemia e o fiasco de sua política econômica afastaram as nuvens carregadas. Agora, o que surge no horizonte é a possibilidade de um golpe militar contra Bolsonaro.

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Lembremos, foi uma cena de fato aterrorizante: em de 19 de abril 2020, um domingo, em frente ao Forte Apache, o quartel-general do Exército, em Brasília, em cima da carroceria de um utilitário, Bolsonaro liderou uma manifestação de centenas de pessoas a favor de uma intervenção militar.

Ao longo das semanas, premido pela perda de popularidade, de base política e congressual, pela pandemia do novo coronavírus e pelo fiasco de sua política econômica, Bolsonaro refluiu e foi obrigado a uma composição com o Centrão.

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No entanto, ele nunca vestiu o figurino de um político conservador ao estilo Temer e tem criado instabilidades em praticamente todos os terrenos da vida brasileira, das relações internacionais à economia, da educação à pandemia, da política à relações sociais.

Na última semana, Jair Bolsonaro parece derivar para um surto de desequilíbrio político-emocional, se que é existe esta figura, especialmente depois da derrota de seu patrono, Donald Trump.

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Todas as características de psicopatia que o caracterizam acentuaram-se. Bolsonaro, que já havia estabelecido uma relação de hostilidade com a segunda maior potência mundial (a caminho de se tornar a primeira) e principal parceira comercial do país, a China, resolveu voltar-se contra a primeira potência global, os Estados Unidos, abrindo uma frente de hostilidade com o presidente eleito Joe Biden.

A frase de Bolsonaro -num evento oficial em pleno Planalto- de ameaça a Biden, “quando acabar a saliva, tem que ter pólvora”, lançou-o, ao país e aos militares num ridículo planetário. Impossível não lembrar o filme de 1959, uma comédia divertidíssima estrelada por Peter Sellers, “O Rato que Ruge”, em que um pequeno país em grave crise financeira declara guerra aos Estados Unidos.

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Os militares arrepiaram-se porque, afinal, “pólvora” é assunto deles. Foi o auge de uma série de eventos de um presidente que se apresenta cada dia mais como um psicopata, capaz de celebrar a morte de uma pessoa porque lhe daria “vantagem” contra o desafeto João Doria: Bolsonaro desconhece empatia, solidariedade, compaixão, é uma pessoa cruel, vingativa e, cada dia mais, se apresenta como sem qualquer senso de medida.

Todas as luzes de emergência acenderam-se entre os militares e transbordaram para o público em dois discursos públicos de ninguém menos que o comandante do Exército, general Pujol, que, na prática anunciou o rompimento da aliança com Bolsonaro.

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Os militares sabem que embarcaram no Titanic e dão sinais de que tentarão livrar-se de Bolsonaro, a não ser que o presidente recue e se torne razoável e obediente -ilusão cultivada pela elite empresarial e política brasileira e que se desfez em xingamentos e atos tresloucados.

O movimento do general vice-presidente é claro. Ele, que havia se recolhido ao silêncio obsequioso, voltou à ribalta e está se apresentando às elites, à mídia conservadora, como alguém dotado de alguma racionalidade e bom senso -o que o torna quase um estadista, na comparação com Bolsonaro. Mourão não une as Forças Armadas, ao contrário, e talvez seja esse o único fato que ainda segura uma escalada militar contra o clã. Mas diante do caos, Mourão.

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Estamos acostumados no Brasil a assistir golpes contra a esquerda, mas os golpes como solução política no interior da direita ou nos confrontos entre a direita e a extrema direita não são inusuais na América Latina. Na Bolívia, entre 1969 e 1982, houve 14 presidentes -em apenas 18 anos! Quase todos eram militares, que derrubavam uns aos outros. Para não ficar num exemplo histórico, longínquo, olhemos para o Peru. Acaba de ser derrubado Martín Vizcarra, sucedido por Manuel Merino, num golpe jurídico-parlamentar, ao estilo do brasileiro. O próprio Vizcarra foi favorecido pela renúncia, em 2018, de Pedro Pablo Kuczynski. que deixou o cargo com menos de dois anos de mandato, para evitar o golpe. Todos homens de direita.

A situação do governo Bolsonaro é dramática, e o cenário à frente é ainda pior: isolamento comercial e diplomático global; crise econômica de alta voltagem com risco evidente de explosão social; agravamento da pandemia do coronavírus por responsabilidade direta de sua administração; conflitos políticos sucessivos. A popularidade de Bolsonaro cai a cada dia e, se há algo certo nas eleições deste domingo, é sua derrota em larga escala.

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Os militares estão de orelha em pé. E estão vendo derreter a confiança da sociedade neles, em função da escolha de sustentar e participar do governo Bolsonaro. Pesquisa do instituto DataPoder360 de junho deste ano indicou que apenas 29% dos brasileiros confiam totalmente na atuação das Forças Armadas -este índice já esteve no passado ao redor de 80%. Nas redes sociais, que os generais parecem frequentar tanto quanto os quartéis ou os gabinetes do governo Bolsonaro, pesquisa da consultoria Quaest também de junho mostrou que a imagem dos militares está derretendo. Enquanto em dezembro de 2019 o volume de menções favoráveis nas redes era mais do que o dobro (69% a 31%) do que o de interações negativas, em maio deste ano o percentual de publicações críticas subiu para 55% e as positivas caíram para 45%. Se os militares continuarem amarrados a Bolsonaro, o comando do Exército, a Força Armada que efetivamente conta, sabe que o destino da imagem da caserna é o esgoto. 

O governo Bolsonaro está crescentemente deixando de ser funcional. 

O general Pujol anunciou nos últimos dois dias que tal situação não continuará. Os militares brasileiros, no entanto, não querem a saída democrática: uma solução estabelecida pelo povo nas urnas. Sabem que a esquerda deve se sagrar vencedora das urnas, e eles são, pelo menos toda cúpula militar, de direita (e extrema direita). 

A alternativa é clara, o golpe, com uma junta militar sob comando de Mourão. Não se trata de bola de cristal, é o jogo em curso, à luz do dia. 

Como?

A derrubada do peruano Kuczynski indica o melhor (ou menos pior) caminho para os militares: a renúncia de Bolsonaro e a posse de Mourão -mesmo que ele não seja um nome de consenso nos quartéis. Os militares, armados de tweets, entrevistas, articulações políticas nos bastidores e fuzis podem obter a renúncia de Bolsonaro? É uma aposta. Há sinais que pode ser eficaz a ameaça de cadeia para ele e os filhos, que seria o curso natural das investigações em andamento sobre o clã. Uma anistia formal ou informal com os militares como fiadores seria uma porta de saída para a quadrilha Bolsonaro.

A alternativa de um outro golpe parlamentar não parece factível, pelo tempo que demoraria -e o país está sem tempo, não parece que aguentará mais seis meses de Bolsonaro. Pode ser possível um golpe militar-jurídico-parlamentar com aprovação-relâmpago de alguma previsão constitucional de comum acordo com a cúpula do Congresso e o STF -mas é uma hipótese de mais alto risco que a renúncia forçada.

O que será feito para que o país se livre de Bolsonaro.

Para as forças democráticas e o povo, só uma alternativa interessaria: eleições gerais livres para o reencontro com a democracia. Mas, para isso, é preciso seguir o exemplo dos chilenos e arrancar a democracia nas ruas. 

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