Taoísmo e confucionismo: os alicerces da sociedade chinesa
Aplicação dos conceitos do Tao à moralidade, fazendo de Confúcio a base da ontologia oriental, implica até hoje à organização política chinesa. Desde os imperadores preparados pela Escola Imperial para assumir o trono, até os quadros longamente preparados pelo Partido Comunista para ocuparem cargos estratégicos, mantém-se na China a ideia de que quanto maior o seu preparo, maior o seu acesso ao poder decisório, porém maior, também, a sua responsabilidade
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Desde o início deste trabalho de apresentação da China ao público do Brasil 247, que começou em abril e chega, no próximo mês, à sua reta final, falamos de como este país apresenta ao mundo perspectivas distintas de organização social, estruturas econômicas e relações internacionais, em comparação com o que encontramos no ocidente. Da mesma forma, já compreendemos o quanto isso foi fundamental para o percurso histórico que reconduziu a China ao papel de potência internacional, mesmo depois de anos de dominação entre a Guerra do Ópio, em 1840, e a Revolução Popular de 1949. Hoje, vamos entender como as estrururas simbólicas fundamentais do povo chinês resultaram em seu modo de pensar e se organizar, implicando seus cânones econômicos e sociais.
Assim como o Ocidente se organiza, de um lado, sobre a filosofia grega e a tríade Sócrates – Platão – Aristóteles, e, de outro, sobre o pensamento cristão, o pensamento Oriental se alicerça sobre dois fundamentos: o contínuo taoísta-confucionista de Laozi e Confúcio chinês e o pensamento budista, que nasceu na Índia e ganhou formas próprias na China e no Japão. Do taoísmo derivou parte do pensamento xintoísta no Japão, além do fundamento de todas as tradições milenares da China, como o Kung Fu, o Tai Chi Chuan, o Feng Shui, a medicina tradicional, entre outros, chegando até os conceitos do socialismo com características chinesas, o sonho chinês, o futuro compartilhado etc.
A base do taoísmo está no próprio idioma. Falantes de uma língua em que uma mesma palavra, com pequenas diferenças de pronúncia (som ascendente, neutro ou descendente; vogal aberta ou fechada, consoante bucal ou gutural), pode ganhar significados diferentes, e cujo alfabeto não se dá por códigos grafo-fonéticos, mas por desenhos que expressam conceitos que, associados, remetem a palavras, os chineses crescem aprendendo que uma coisa são muitas coisas, ao mesmo tempo que muitas podem ser uma. Acredita-se que esta é uma das origens dos conceitos complementares de Yin (o feminino, a noite, a lua, a passividade e a absorção) e Yang (o masculino, o dia, o sol, a atividade e a luz).
Assim como essas representações são interdependentes – homem e mulher, luz e absorção, noite e dia, lua e sol – também o é toda a existência, visto que tudo está no espectro Yin-Yang. Desta forma, a existência nada mais é que um fluxo eterno entre corpos e abstrações interdependentes, ora confrontando-se ora complementando-se para se encontrarem na harmonia sempre transitória, visto que tudo é transformação. Laozi, o pensador base do taoísmo, autor do Tao Te Ching (O Livro do Caminho e da Virtude), a bíblia do taoísmo, propunha que ao ser humano, portanto, cabe compreender que o eterno movimento prescinde de seus atos, devendo as pessoas e a sociedade organizada buscarem amalgamarem-se ao devir infindável para também transformarem-se sempre que necessário, abstraindo-se do mundo terreno e integrando-se à transformação. É a chamada busca pelo “vazio”.
Isto vale para um ato imediato, como os movimentos rápidos e flexíveis do Kung Fu e do Tai Chi Chuan, ou para a capacidade de um povo de se reinventar, caso das inúmeras revoluções sociais e econômicas por que passou a China, a última delas a abertura econômica e restauração dos valores tradicionais pelo Congresso do Partido Comunista de 1978. Ali foi proposto o chamado “socialismo com características chinesas”, que incorporava os valores taoístas e confucionistas, outrora mesmo refutados pela Revolução Cultural, ao sistema comunista da Revolução Popular de 1949. Aproveitando a formação de consciência da Revolução Cultural, mas aparando seus excessos, a China de Deng Xiaoping pôde lançar sua nova etapa de transformação e solidificar o caminho iniciado por Mao Tsé Tung. Crise, transformação e nova harmonia: a transição Mao-Deng ponde muito bem explicar a filosofia taoísta, em que o novo transforma o antigo, mas não o exclui nem lhe retira a importância.
O confucionismo, por sua vez, aproveita os conceitos de eterno devir e busca pelo vazio para sair da cosmologia e adentrar o terreno da ontologia, propondo os valores morais que o ser humano deve buscar para o bem-viver em sociedade. Conhecido como o “Sócrates” do Oriente, Confúcio tinha em seu pensamento também algo de Platão, ao propor o caráter dos seres humanos como imprescindível à organização social (tal como Sócrates) e o preparo intelectual como fundamento da governança (como defendeu Platão em “A República”). Para Confúcio, a perfeita integração à transformação eterna do Tao se dá pelo cultivo de valores morais que aproximam o ser humano da perfeição do universo, tais como humanidade, justiça, perdão, sinceridade, temperança e uma série de outros mais sobre os quais ele versa nos Analetos, sua obra magna.
Desta forma, o homem e a mulher preparado ou preparada para governar (hoje, na China, Hong Kong e Taiwan são governados por mulheres) devem ser longamente testados em seus valores e no seu conhecimento sobre as tradições chinesas e seus desafios sociais e econômicos, tendo a capacidade moral e intelectual de liderar eventuais redirecionamentos da sociedade a caminho de um novo ponto de harmonia social e econômica (não à toa, o presidente Mao foi e ainda é nomeado por muitos “o grande timoneiro”).
Tal aplicação dos conceitos do Tao à moralidade, fazendo de Confúcio a base da ontologia oriental, implica até hoje à organização política chinesa. Desde os imperadores preparados pela Escola Imperial para assumir o trono, até os quadros longamente preparados pelo Partido Comunista para ocuparem cargos estratégicos, mantém-se na China a ideia de que quanto maior o seu preparo, maior o seu acesso ao poder decisório, porém maior, também, a sua responsabilidade. Assim, organiza-se politicamente uma sociedade em que o voto popular é o motor inicial de uma série de gradações internas até chegar ao Comitê Central do Partido Comunista, o Politburo, que escolhe as políticas sociais e econômicas centrais e, também, o Presidente da República.
Hoje, o presidente Xi Jinping, autor dos conceitos de “Sonho Chinês” e “Futuro Compartilhado”, incorpora os valores milenares às relações internacionais de seu país, alcançando o papel geopolítico de Deng Xiaoping ao reorientar a organização econômica mundial, tal como Deng o fez com a reabertura econômica, agora com a iniciativa Cinturão e Rota, ou Nova Rota da Seda, integrando vários países do mundo num projeto horizontal de investimentos mútuos em favor da multipolaridade e da cooperação socialista entre os povos.
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