Suprema ironia: entrevista de Freixo uniu a esquerda
A armadilha montada pela Folha contra Marcelo Freixo e contra a esquerda em geral, tentando criar um pólo de atração afastado do lulismo, que pudesse absorver e mitigar a onda de violenta indignação que se erguerá quando o TRF4 condenar Lula, acabou desmontada em algumas horas
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Antes de qualquer coisa: reafirmo que a entrevista de Freixo à Folha foi uma armadilha midiática para desunir o campo progressista.
Entretanto, examinando a sua repercussão, tanto no próprio partido de Freixo, como aqui no blog, na esquerda em geral, e em toda parte, não posso me furtar a uma conclusão irônica.
Diferentemente daquele que parece ter sido o objetivo da Folha, a entrevista gerou uma outra coisa: ela uniu a esquerda.
Em favor de Lula!
Há uma razão política poderosa por trás disso, naturalmente. Um sentimento comum: as pessoas estão impacientes, especialmente em relação a artimanhas eleitoreiras.
Diante da conjuntura dramática vivida pelo país, a menção, por Freixo, a “reuniões” no apartamento de Paula Lavigne, na zona sul do Rio, como se elas tivessem alguma relevância política, soou com um insulto.
Até mesmo a referência, por Freixo, a um encontro com Boulos num barzinho “vagaba” de São Paulo, pareceu forçada, artificial. Todos os estereótipos dos quais Freixo tenta se livrar – uma esquerda de boutique, bem comportada, midiática – acabaram reforçados.
A entrevistou produziu uma espécie de repulsa unânime. Gilberto Maringoni, dirigente do PSOL, apressou-se em dizer que jamais testemunhara uma entrevista tão desastrosa em sua vida. Jean Wyllys, um dos nomes mais importantes do partido, publicou há pouco um artigo que se inicia assim: “eu respeito muito as opiniões dele [Freixo]”, o que é uma maneira quase explícita de deixar claro que não gostou da entrevista, e que discorda profundamente da mensagem que emergiu dela: a de que não é momento de unir a esquerda.
Não importa o quanto Freixo explique, em vídeo, em texto, em novas entrevistas, que ele não quis dizer bem aquilo, que ele jure que também quer, sim, a união das esquerdas, que defende o direito de Lula ser candidato, etc.
Freixo parece ter sido engolido, ao menos neste momento, pela História.
O contraste entre as caravanas de Lula, de todas aquelas imagens e vídeos de Lula abraçado ao povo, à juventude pobre, aos estudantes de institutos federais, e as “reuniões” de Freixo no apartamento de Paula Lavigne, foi chocante demais.
Não sei se Boulos será mesmo candidato pelo PSOL. Em caso afirmativo, já seria uma virada importante, para o PSOL, na direção de uma postura mais combativa, e do próprio… (oh, ironia) lulismo.
Boulos é, afinal, a antítese de uma Luciana Genro, representante maior de uma estranha esquerda lavajateria e midiática.
Boulos candidato pelo PSOL se aliaria com muita firmeza ao Lula no segundo turno.
Já Luciana Genro e Chico Alencar, não. Seria um apoio envergonhado, débil e dúbio.
Essa esquerda lavajateira, mesmo sem disso ter muita consciência, foi importante aliada de todo o movimento golpista, que se inicia no julgamento do mensalão, contamina as jornadas de junho de 2013 e, por fim, abraça a Lava Jato, operação imperialista que foi essencial ao golpe.
Se Freixo entende que Boulos é o melhor candidato, isso mostra o seu esforço de se afastar da imagem que, até hoje, ainda está colada a ele mesmo, Freixo, a de uma esquerda elitista, estranha ao coração do povo.
E foi justamente esse o problema da entrevista de Freixo. Ela ajudou a reforçar todos os cacoetes elitistas dos quais ele tenta se descolar.
A entrevista, em todos os sentidos, foi um desastre, e o próprio deputado o confirma ao fazer um vídeo em seguida, com expressão dolorida, angustiada, quase chorando.
A própria adesão de Boulos ao PSOL corre sério risco de não acontecer. O que seria, na verdade, uma pena, pois a presença de Boulos no PSOL seria um golpe de morte no lavajatismo moralista que ainda é forte em muitos setores do partido.
O MTST, cujo dirigente mais conhecido é o mesmo Guilherme Boulos que fez a esposa de Freixo, a combativa escritora Antonia Pellegrino, arregalar os olhos de admiração, soltou uma nota para esclarecer que, acima de qualquer cálculo eleitoreiro, está a defesa da democracia, encarnada no direito de Lula ser candidato.
Política tem esses mistérios!
Sem querer, Freixo aproximou o MTST e Boulos, de Lula!
A ironia da situação não pára por aí!
A mais suprema ironia é que o próprio Freixo, forçado pelas circunstâncias, termina seu vídeo com uma defesa firme do direito de Lula ser candidato.
Por mais que Freixo explique que sua defesa dos direitos políticos de Lula não quer dizer que ele vá votar nele no primeiro turno, isso não tem diferença para a direita e para a mídia: é como se Freixo tivesse, desde já, mergulhado na campanha de Lula, o que era justamente isso o que a Folha, com sua maliciosa entrevista, tentou evitar!
Ou seja, a armadilha montada pela Folha contra Marcelo Freixo e contra a esquerda em geral, tentando criar um pólo de atração afastado do lulismo, que pudesse absorver e mitigar a onda de violenta indignação que se erguerá quando o TRF4 condenar Lula, acabou desmontada em algumas horas.
Até mesmo a crítica de Freixo a uma possível aliança de Lula com Renan Calheiros pegou mal, porque mostrou esse cacoete provinciano e sectário, esse purismo esquerdista que a Globo sempre soube manipular tão bem, e que ainda hoje usa à larga, para atribuir, por exemplo, a crise econômica e fiscal vivida pelo Rio, a Sergio Cabral e ao PMDB.
Ora, a crise do Rio é culpa da Lava Jato e tão somente dela! Sergio Cabral deve ser responsabilizado por uma série de coisas, mas a César o que é de Cesar! Foi a Lava Jato que destruiu a indústria fluminense, e ponto final!
A Globo quer uma esquerda purista, alérgica a alianças, porque sabe que, com isso, ela jamais poderá ganhar as eleições, e se ganhar, não poderá governar.
Há mil explicações para o golpe, mas o estabelecimento de alianças políticas com o centro não é uma delas. Lula e Dilma erraram na escolha de juízes do Supremo, na comunicação pública e no não empoderamento de forças sociais que os apoiaram.
A direita apenas tolerava o PT enquanto este tivesse o apoio das massas populares. Assim que a direita conseguiu afastar o PT das massas, com ajuda dessa estupidez burocrática que atinge os partidos de esquerda toda a vez que eles ganham o poder, ela soube que o PT estava desarmado e, portanto, vulnerável a qualquer golpe.
Ora, o que faz de Lula o político que ele é?
Lula comete muitos erros, deve ser criticado constantemente, e sua plataforma de governo para a campanha de 2018 deve ser, mais que nunca, discutida com a sociedade.
Mas Lula é vacinado contra dois vícios: o de se afastar das massas, como fez Dilma e muitos burocratas do PT, incluindo aí figuras como Haddad, que foi um prefeito distante, olímpico, elitista; e o de rechaçar alianças com o centro político, como preconiza Marcelo Freixo e o PSOL, de maneira geral.
Somente mantendo o apoio das massas, e fazendo alianças com setores econômicos ligados ao desenvolvimento interno (mas ditando as regras dessa aliança, ou seja, ocupando a presidência da república), pode-se governar o país.
Sem esses apoios, a esquerda estará condenada a ser um enfeite exótico no apartamento de Paula Lavigne.
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