Sucessão na Câmara e Economia
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Parece bastante claro que temos ainda muito tempo pela frente antes de qualquer avaliação precipitada a respeito das possibilidades e alternativas para as eleições de 2022. O Brasil e o mundo viveram um ano absolutamente atípico em razão do advento da pandemia do coronavirus, com consequências trágicas em termos sociais e econômicos, para além das questões relativas à saúde da população global. Medidas de confinamento, recessão acentuada das atividades econômicas, colapso dos sistemas de saúde e um número tristemente impressionante de óbitos são fenômenos que se espalham por todos os continentes.
No entanto, a maneira através da qual o governo brasileiro lidou com o tema terminou por agravar ainda mais o quadro em nosso País. Os fatores para tanto são muitos e incluem desde o negacionismo criminoso do Presidente até a obsessão compulsiva do superministro da economia com medidas de ajuste destruidor das nossas capacidades estatais. A ambos parece não influenciar em nada a tragédia que se aproxima de 200 mil mortes provocadas pela covid 19. Bolsonaro começou ainda em abril com a narrativa da “gripezinha” e “do vírus chinês”, atravessou depois com recomendação de cloroquina e suas críticas às medidas de proteção como uso de máscara, terminando o ano com a tentativa de desacreditar publicamente o uso da vacina como medida de prevenção. Já Paulo Guedes seguiu monocórdico no corte de verbas e na chantagem do teto de gastos, retirando recursos orçamentários de programas de governo essenciais na área da saúde e no próprio auxílio emergencial.
Bolsonaro já deu como perdido seu primeiro biênio e começa a lançar as primeiras medidas de seu estelionato eleitoral particular. Apesar da queda de sua popularidade a partir da redução do auxílio emergencial para a metade, o capitão ainda mantém uma fatia expressiva de apoio nas pesquisas de opinião. No entanto, ele bem sabe que vai precisa realizar uma “gestão de obras” na segunda metade de seu mandato, caso mantenha alguma esperança de sucesso em sua reeleição. Para isso, mandou às favas o apoio político do ex juiz Sérgio Moro, bem como redirecionou seu bloco parlamentar para atrair o centrão e a sopa de letrinhas dos inúmeros partidos do fisiologismo. A última redefinição refere-se à política econômica, uma vez que suas pretensões eleitorais aparentemente são contraditórias à manutenção da austeridade tão cara ao seu comandante da área. Aqui o problema reside na oposição da turma do financismo a qualquer hipótese de mudança no domínio exclusivo de Guedes.
Bolsonaro nos braços do fisiologismo
Mas Bolsonaro também sabe que não pode descuidar de sua retaguarda no Congresso Nacional. A sucessão nas 2 casas legislativas acendeu o debate a respeito de sua forma de governar, bem como dos diversos conteúdos de sua política para o Brasil. O maior receio parece residir na Presidência da Câmara dos Deputados, uma vez que ali repousa a competência exclusiva de dar início a qualquer processo de “impeachment”. Crimes cometidos desde janeiro de 2019 é matéria que não falta a Bolsonaro, como bem atestam os inúmeros pedidos de afastamento que o Presidente Rodrigo Maia optou por manter trancados em sua gaveta.
Bolsonaro articula um nome de sua confiança para suceder ao deputado carioca e seu governo trabalha dia e noite e de forma exaustiva para que Arthur Lira (PP/AL) seja o próximo presidente da Câmara dos Deputados, a partir de 1º de fevereiro de 2021. Tendo em vista a decisão do Supremo Tribula Federal (STF) de confirmar a proibição de nova candidatura de Maia, ele passou a buscar uma aliança ampla, com partidos conservadores e a própria esquerda com o intuito de derrotar o Palácio do Planalto.
Essa é a boa notícia para a passagem de ano e as festas típicas desse período - a possibilidade de vitória de um oposicionista para presidir a chamada câmara baixa. Caso Bolsonaro consiga emplacar um nome que a ele se subordine, ficaria perigosamente aberta uma trilha facilitada para contribuir para sua reeleição. Essa é a tarefa que cabe à oposição progressista, os partidos da esquerda e da centro-esquerda. Cabe uma discussão preliminar a respeito da melhor tática, ou seja, se lançar um candidato próprio no primeiro turno e daí forçar um segundo turno na base de “todo mundo contra Lira e Bolsonaro”, ou se o melhor seria já lançar o candidato de unidade no primeiro turno e evitar o risco de traições na segunda chamada. Com a palavra os que têm maior afinidade com os corredores do legislativo.
Frente ampla contra bolsonarismo
Mas de qualquer maneira, o fato é que esse gesto das forças progressistas de apoiar um candidato a Presidente da Câmara de perfil mais conservador exige alguns compromissos assumidos de forma pública e transparente. A negociação não pode se resumir à repartição de cargos na mesa diretora e na indicação de candidatos à presidência das comissões permanentes mais importantes. A profunda crise que atravessa nossa economia e nossa sociedade coloca de forma urgente a adoção de medidas com intuito de reverter a orientação austericida implementada por Paulo Guedes desde o início do governo.
O próximo Presidente da Câmara deve assumir o compromisso de restabelecer o Auxílio Emergencial no valor de R$ 600. Isso significa que Rodrigo Maia precisa voltar atrás em sua decisão ainda em dezembro e colocar a MP 1.000 em votação de forma imediata. O auxílio emergencial, que já havia sido reduzido pela metade em setembro, tem data para acabar no final do ano. Caso isso não seja possível, que seja articulado um Projeto de Lei a ser votado em janeiro com esse mesmo fim.
O próximo Presidente da Câmara precisa reconhecer de forma pública a necessidade de revogação da EC 95, aquela mesma que congelou o teto de gastos por 20 anos. Sem essa medida de flexibilização da política fiscal, não haverá condições de se recuperar o protagonismo do Estado para sairmos da crise atual. O próximo colegiado diretor daquela Casa precisa alertar a sociedade a respeito da urgência de medidas que o economês chama de “contra-cíclicas”. Isso significa caminhar na direção oposta ao corte de gastos de Paulo Guedes e da turma do financismo. O governo precisa, ao contrário do que prega esse pessoal da ortodoxia tresloucada, elevar seu nível de dispêndio no momento da recessão.
Assim, o caminho para substituir Rodrigo Maia pode incluir não apenas o afastamento de um candidato afinado com Bolsonaro, mas também abrir espaço para que respiremos um pouco de ar fresco nesse momento tão difícil. Os partidos de esquerda já lançaram seu manifesto com alguns desses pontos e mais alguns outros. É o caso da rejeição da proposta de independência do Banco Central e a busca de alternativas de tributação dos mais ricos no esforço fiscal. Cabe às forças progressistas, de forma geral, e às entidades sindicais e populares, em especial, o papel de divulgar esse movimento e criar um clima na sociedade que pressione os deputados no caminho da mudança. A economia brasileira não pode aguardar por mais arrocho e ainda mais austeridade. Basta!
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