STF: mudanças de Fux fadadas ao fracasso?
Colunista Marcelo Auler destaca que o presidente do STF, Luiz Fux, conseguiu aprovar a proposta de "devolver ao plenário os inquéritos e ações penais envolvendo réus com direito ao foro especial". Porém, diz o colunista, "muitos enxergam como uma espécie de manobra para retirar os casos envolvendo a Lava Jato da Segunda Turma daquela corte"
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Marcelo Auler, em seu blog - O ministro Luiz Fux, ao iniciar na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), até conseguiu aprovar, por unanimidade, sua proposta de devolver ao plenário os inquéritos e ações penais envolvendo réus com direito ao foro especial. Algo que propôs em nome da busca por maior segurança jurídica através de decisões colegiadas, mas que muitos enxergam como uma espécie de manobra para retirar os casos envolvendo a Lava Jato da Segunda Turma daquela corte.
A mudança promovida, porém, pode resultar em fracasso e voltar a atravancar as pautas de julgamentos. A previsão sombria foi verbalizada pelo ministro Gilmar Mendes – hoje, o segundo mais antigo, com 18 anos de plenário. Foi feita ao participar do debate “STF – Presente, passado e futuro”, promovido pela revista eletrônica Conjur, na sexta-feira (16/10), ao lado dos ex-ministros do STF Nelson Jobim e Cézar Peluso, do procurador-geral da República, Augusto Aras e a intermediação do criminalista Pierpaolo Bottini. Fux abriu o evento, mas não participou das discussões.
Ao final daquele debate, pode-se concluir que a agilidade do Supremo dependerá muito mais do comportamento de seus ministros e de uma menor desejo de exposição dos mesmos, do que de mudanças regimentais como a promovida pelo novo presidente da corte. O encontro foi o mesmo no qual Mendes, de forma sarcástica, apontou a incongruência de Fux, que na presidência da corte está defendendo que liminares monocráticas dos ministros sejam logo levadas ao plenário para a apreciação por todos. Seu colega de plenário buscou a decisão em que o hoje presidente da corte concedeu auxílio moradia a magistrados e membros do Ministério Público e, depois, literalmente, sentou em cima do processo por quatro longos anos, não permitindo que o plenário o apreciasse. Em seguida, Mendes fustigou:
“A liminar mais longa que eu conheço na história do Supremo Tribunal Federal é aquela … pelo menos que eu tenha lembrança, depois posso fazer um levantamento, é aquela do auxílio moradia (…) Quer dizer, respeitem um pouco a inteligência alheia, não façam muita demagogia e olhem para os próprios telhados de vidro”.
Divisão gerou assimetrias, cada turma vota de um jeito
Após o sarcasmo com o presidente do STF, Gilmar Mendes mostrou que as mudanças de Fux podem gerar debates mais longos: não serão mais cinco ministros, porém 11 (Foto: reprodução) Mendes, ainda que concordando que o plenário amplo (onze ministros) volte a apreciar inquéritos e ações penais dos réus com foro especial, prevê que isso não terá êxito.
Tais feitos passaram a ser julgado pelas Turmas – cinco ministros – desde 2014, em nome da celeridade. Na época – logo após o julgamento do famoso caso do Mensalão, que demorou sete meses em sessões contínuas do plenário – os ministros da corte entenderam melhor transferir às Turmas estes casos. Pretendiam agilizá-los e liberar o plenário para outras pautas. Isto, porém, gerou as “assimetrias”, relembradas por Mendes:
“Nós passamos a ter o plenário travado. O plenário passou a ficar travado com tantas ações criminais (…) então, natural que fosse para as turmas. Mas começaram a aparecer as assimetrias, uma turma julga de um jeito, outra turma julga de outro. A própria Câmara dos Deputados reagiu e fez uma ADIN contra. É raro a Câmara fazer isso. A Mesa da Câmara fez uma ADIN contra a mudança regimental, não obstante nós rejeitamos”.
Por conta das “assimetrias” é que muitos entendem que a preocupação de Fux, ao devolver ao plenário a apreciação destas ações, é buscar formas para evitar derrotas seguidas da Força Tarefa da Lava Jato na turma. Tal como ocorreu em decisões recentes.
A expectativa é de que ao levarem à apreciação de onze ministros, e não apenas dos cinco, há mais chances de ações da Lava Jato, que surgem com desmandos ocorridos ao longo dos anos, consigam sobreviver à apreciação da corte.
Não se trata, é bom que se frise, do Habeas Corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, questionando a parcialidade do juiz Sérgio Moro. Justamente por ser um HC, ele continuará tramitando na Segunda Turma.
“Disputa entre a civilização e a barbárie”
Outros desmandos, porém, foram derrubados bem recentemente, como a anulação da sentença na qual o ex-juiz Moro condenou o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine. Foi derrubada por o juiz não ter garantido aos acusados por réus delatores apresentarem suas alegações finais nos processos depois da manifestação da defesa dos delatores.
Mendes, ao menos publicamente, não compartilha da opinião de que a mudança foi para salvar a Lava Jato. Fala que o plenário imporá, com a participação de outros ministros, limitações aos abusos do sistema penal, naquilo que classificou como “disputa entre a civilização e a barbárie”. Ao explica seu entendimento, expôs:
“Na substância eu concordo e acho positivo. Mudanças importantes, em matérias criminais, racionalizações importantes, ocorreram com o plenário. Com a participação de vários ministros, que têm escrúpulos de votar segundo a turba”.
Citou exemplos:
“Veja a questão, por exemplo, da condução coercitiva… a condução coercitiva foi repudiada com o voto da ministra Rosa Weber, entre outros. A questão da segunda instância. Também, seis a cinco. A questão dos passos sucessivos para as alegações finais: ministra Rosa, ministra Cármen… Portanto, as tais limitações, não à Lava Jato, mas ao abuso do sistema penal, têm amplo apoio no tribunal. Isso é uma questão de civilização. É a disputa entre civilização e barbárie.”
Ele, porém, acha que não haverá como os debates travados em plenário, mesmo que gerem decisões que causem mais segurança política, não emperrem a pauta de julgamento da corte.
Lembrou por exemplo, que mesmo na Segunda Turma, com apenas cinco ministros, o julgamento do caso do senador Valdir Raupp (MDB-RO), por crime de corrupção passiva e lavagem de dinheiro a partir de uma doação eleitoral de R$ 500 mil, na campanha de 2010, se arrasta desde junho e ainda não foi possível definir a dosimetria da pena a ser aplicada.
Demora causada, segundo ele, pelas intervenções das partes – tanto na hora em que o tribunal aprecia a denúncia para abrir o processo, como no julgamento –, mas também pela própria manifestação dos ministros. Ao responder ao advogado Bottini, advertiu que, no plenário, serão mais ministros votando:
“A sobrecarga vai continuar. Você mesmo tem acompanhado processos na turma e vê que temos nos alongado muito em relação a isso. Começamos um julgamento recente – este caso do senador Ralph – em maio, e ainda não encerramos a parte da dosimetria. Essa realidade vai se transportar para o plenário. Só que agora não são cinco só a falar. São onze. Então vamos ter uma realidade bastante complexa.”
Questão de ordem sobre delação premiada: 500 páginas
No entendimento dos ex-ministros Peluso e Jobim o atravancamento das pautas tem relação direta com o comportamento dos ministros ao votarem. Em especial nos julgamentos transmitidos pela TV Justiça. São os votos longos, muitas vezes desnecessários, que provocam a demora. Nem sempre o tipo de ação julgada. Peluso até defendeu um debate sobre as transmissões dos julgamentos, no seu entendimento, “raiz de um processo aí de auto corrosão do prestigio do Poder Judiciário, no qual se insere a questão das liminares”.
Peluso narrou sua experiência ao realizar uma pesquisa na jurisprudência da suprema corte. Encontrou uma Questão de Ordem e debruçou-se sobre o julgamento da mesma. É dele o relato:
“Eu comecei a ler a votação – era uma questão de ordem, não julgamento de uma causa específica – comecei a ler, etc. Encontrei um voto com mais de 100 páginas. Passei para outro voto, a sessão foi adiada. Veio outro voto de 150 páginas. No fim, este acórdão, que decidia uma questão de ordem sobre delação premiada, tinha 500 páginas. Findas as quais, só com uma revisão muito atenta, se descobriria a substância da decisão do Supremo, que foi unânime, e que poderia ter sido enunciada em duas, ou três ou quatro páginas sem prejuízo de inteligibilidade”.
É dele a conclusão:
“Em outras palavras, em um cenário em que uma decisão comporta manifestações tão alongadas, evidentemente que as possibilidades de funcionamento rápido do plenário ficam muito reduzidas, se não aniquiladas”.
Culpa da TV Justiça?
Esta excessiva exposição dos ministros com votos longos, nem sempre necessários, como lembrou Jobim no debate é atribuída por muitos ao papel da TV Justiça, criada em nome da transparência, em agosto de 2002, na gestão de Marco Aurélio Mello na presidência da corte (2001/2003).
“A TV Justiça, que foi criada por iniciativa do Marco Aurélio, que tinha como objetivo a transparência, pelo menos um processo de transparência do processo judicial brasileiro, acabou se transformando também… de transparente passou a ser instrumento de visibilidade individual. Essa visibilidade individual se deu, inclusive, pela extensão dos votos, etc., etc. No tempo em que eu estava no tribunal. Você tinha aquela coisa, Peluso, do “com o relator”. Eu já não ouço mais isto. Ouço que a concordância com o relator é sempre uma decorrência de um longo voto já consabido. Mas eu nunca vi mais o “de acordo com o relator”. Isso já não existe mais. Existe sim, sempre, uma exposição”.
Do debate promovido pela revista Conjur evidencia-se que a iniciativa de Fux – independentemente de visar beneficiar ou não a Lava Jato – pode estar fadada ao fracasso. Como admitiu Mendes: “Vai dar certo? Acho que não vai. A sobrecarga vai continuar”. Pelo que parece, não dará certo enquanto perdurar o gosto pela “exposição”, via TV Justiça, como diagnosticou Jobim.
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