Somos a maioria, não precisamos engolir Mosca
Ainda que nos enquadremos na teoria das elites de Gaetano Mosca, é na democracia a arena onde a maioria pode apresentar suas armas e conquistar as mudanças importantes, além de reverter os retrocessos perpetrados atualmente
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Hoje eu acordei meio Mosca. Tendendo a flertar com a teoria da dominação eterna da maioria por uma minoria. Minoria esta que está mais desavergonhada em seus propósitos, mais desaculturada e mais maligna.
Entre os conceitos mais aceitos de democracia nos nossos dias está o da delegação, por meio do sufrágio universal em eleições livres, regulares e justas, da representação do poder a agentes políticos para atuarem em função de seus representados, ou seja, o povo. Beleza. Mas duvido que algum brasileiro reconheça esta assertiva como legítima no cenário atual.
Um cenário de completa ruptura da democracia, isto é, da anulação da escolha da maioria da população para lhe representar perante o Poder Executivo do Brasil, e a consequente associação predatória formada entre o grupo criminoso que tomou o poder com o capital internacional e a mídia, que está executando toda sorte de práticas lesivas aos interesses da população brasileira. Tudo isso sob a vista de um poder Judiciário acovardado, e mais, signatário dos crimes de lesa-pátria.
Diante de um cenário tão desalentador, que se agrava a cada dia com a ausência de protestos do povo diante das atrocidades que estão sendo cometidas contra seu patrimônio, sua riqueza, seu trabalho e seu futuro, fui tomado pela propensão a considerar as ideias defendidas por um pensador italiano, Gaetano Mosca.
Na ciência política, Gaetano Mosca é conhecido por ter formulado e difundido, junto com Vilfredo Pareto e Robert Michels, a chamada Teoria das Elites. Em resumo grosseiro, a teoria diz que qualquer regime de governo, seja a democracia, o parlamentarismo, ou o socialismo são somente utopias construídas para legitimar e manter um poder que sempre está em mãos de poucos homens.
Segundo Mosca, em todas as sociedades - das minimamente desenvolvidas às mais avançadas e poderosas – há sempre a presença de duas classes de pessoas: as dominantes e as dominadas. Diz ele no livro Elementos de Ciência Política: “A primeira classe, sempre a menos numerosa, desempenha todas as funções políticas, monopoliza o poder e desfruta das vantagens dele advindas, ao passo que a segunda classe, a mais numerosa, é dirigida e controlada pela primeira, de um modo que ora é mais ou menos legal, ora mais ou menos arbitrário e violento. Além disso, essa segunda classe fornece à primeira os meios materiais de subsistência e os instrumentos essenciais para a vitalidade do organismo político”.
Por esta clássica teoria de Gaetano Mosca, estamos condenados. Embora sejamos mais de 207 milhões de brasileiros, estamos perpetuamente sentenciados, gerações após gerações, a ser espoliados por uma classe “quanticamente” menor, mas que historicamente detém o acesso ao poder.
Essa relação de dominação – que numa licença aos físicos e químicos, é como se uma elite do tamanho descrito pela Constante de Planck dominasse um grupo de pessoas tão grande quanto o Número de Avogadro – foi levemente alterada em determinados fragmentos históricos no Brasil, momentos em que o povo obteve concessões às suas demandas, principalmente sociais e de pequenas reduções de desigualdades, como verificados nos governos de Getúlio Vargas, de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Essas inflexões da minoria à maioria, no entanto, podem também ser encaradas como instrumentos de manutenção da própria dominação vigente. Getúlio modernizou a legislação trabalhista, criou a Justiça do Trabalho, as bases da Previdência, centralizou e racionalizou a atuação do Estado mais para adequar o Brasil à nova estrutura de poder, a ser operada pela burguesia industrial. Lula e Dilma têm o mérito de realizar a maior conversão do Poder em favor dos dominados, ao ampliarem, de modo exponencial, direitos básicos como acesso à alimentação, à educação, ao trabalho formal e aos bens de consumo. No entanto, o poder financeiro lucrou talvez como nunca. Nenhum dos dois enfrentou a dominação do Capital, seja por meio da revisão do pagamento de juros da dívida, seja por um sistema de tributação mais justo.
Nosso calendário regular prevê a realização de eleições gerais e diretas no próximo ano para o comando do Poder Executivo e para as cadeiras do Congresso Nacional. Ainda que nos enquadremos na teoria das elites de Gaetano Mosca, que, registre-se, conviveu com o fascismo italiano sem protestos veementes, assim como Pareto e Michels, penso que é na democracia a arena onde a maioria pode apresentar suas armas e conquistar as mudanças importantes, além de reverter os retrocessos perpetrados atualmente.
Nós somos a maioria e não precisamos engolir Mosca.
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