Sobre sonhos e pesadelos

Forças de segurança diante de apoiadores de Jair Bolsonaro em Brasília
Forças de segurança diante de apoiadores de Jair Bolsonaro em Brasília (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)


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“Sê realista, exija o impossível”, leu-se num muro em Paris, durante a revolução de maio de 1968. A inscrição não desapareceu da memória, como se transmitisse um recado, a mensagem de quem não aceitava as condições vigentes e queria mais. No Brasil, desde então, atravessamos todo tipo de percalço entre sonhos e pesadelos, o último terminando no dia 8 de janeiro, com surtos de destruição pensados para abalar as estruturas do poder. Não abalou. Acabáramos de dar posse a um novo governo e assistíamos, uma por uma, as medidas que entrariam em prática com a nova administração. Em alguns momentos, testemunhando os fatos (a transmissão da faixa presidencial e, depois, a instauração do Bolsa Família, a construção de casas populares para gente de baixa renda e daí por diante), percebemos que, de repente, um governo pode se revelar carregado de emoções. É como se o poema “Pedra filosofal” – de António Gedeão, musicado por Manuel Freire - acertasse no diagnóstico, ao escrever: “Eles não sabem, nem sonham, / que o sonho comanda a vida. / Que sempre que um homem sonha / o mundo pula e avança / como bola colorida / entre as mãos duma criança”.

Um mandatário que elogia um torturador constitui um pesadelo. Houve um momento que até imaginamos estarmos condenados ao pior. No entanto, a existência apresenta surpresas. Quando tudo indica que não saímos do sofrimento, eis que não, que ninguém vive apenas de más notícias. É bom constatar que, para uma ideia má, outras, boas, se erguem para combatê-las. Aconteceu assim no episódio envolvendo o vereador de Caxias do Sul Sandro Fontinel, autodenominado “soldado de Bolsonaro”, na tribuna da Câmara Municipal quando proferiu discursos racistas, preconceituosos e xenófobos. Um grito de revolta brotou nas gargantas da nação, em solidariedade aos baianos que praticamente haviam sido vítimas de empresários em Bento Gonçalves como trabalhadores escravizados. A onda de indignação, tomando conta dos corações, determinou um pedido de cassação para retirá-lo da assembleia de representantes do povo. Aquela coragem toda, diante do microfone, à luz do que provocou, acovardou o homem cujas desculpas chorosas pareceram frágeis, insuficientes para corrigir o mal. Que o episódio sirva de lição para “soldados de Bolsonaro” tomados do ódio costumeiro para defender os seus pontos de vista.

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O poeta português António Gedeão está certo. A ausência de sonhos torna a vida impossível. Sonhos se revelam importantes para suportar as fases de adversidade e nos sustentar antes que a onda não passe. Por isso, cabe reconhecer a oportunidade de um país quando, mais do que um dirigente, dispõe à testa dos seus afazeres alguém que se comporte como um artista e que saiba tratar dos seus contemporâneos. Somente assim, a anotação de James Joyce, associando a História a pesadelos dos quais precisamos nos despertar, com a verdade que também possui, contrabalança o que era para ser apenas tragédia e se faz, ao contrário, uma possível boa sorte. Por isso, fazemos nossas as palavras de Gedeão: “Eles não sabem que o sonho / é uma constante da vida / tão completa e definida / como outra coisa qualquer”.

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