Sobre Lula e Montezuma

Lula se fez, em boa parte, Montezuma. Foi um presidente conciliador, cordial, diplomático e popular. Acreditou na justiça, acreditou no STF, nos seus "conselheiros" do direito, na força do povo que o admirava e o apoiava. No fim, acabou aceitando ser preso, quando poderia ter pedido asilo político ou ter se rebelado... em suma poderia ter dito ao Mundo que a nossa nação estava sendo invadida por uma força estrangeira e que ela possuía apenas um único objetivo: o extermínio do Brasil; leia o artigo do historiador Carlos d'Incao

Sobre Lula e Montezuma
Sobre Lula e Montezuma (Foto: Ricardo Stuckert)


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Assisti na íntegra todo o depoimento do ex-presidente Lula, que agora não foi mais tomado pelo juiz Sérgio Moro, mas pela sua substituta, a juíza Gabriela Hardt - uma jovem juíza com menos de 10 anos de magistratura, confessa reacionária, com o pior juízo formado sobre Lula e o PT, mas uma exímia nadadora e adepta de esportes radicais.

Sim... É essa a justiça brasileira, conduzida por aloprados e alopradas, que vai condenar Lula a mais uma pesada pena - não mais por um triplex que ele não possui, mas por "benfeitorias feitas em seu benefício" no conhecido sítio de Jacob Bittar, que desde os anos 90 Lula frequenta.

Os danos que a Lava-Jato está fazendo à jurisprudência do Direito são enormes... Hoje qualquer um está virtualmente desprotegido das arbitrariedades do poder judiciário... Mas esse é um tema que prefiro deixar ao cargo dos juristas...

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Como um cidadão que segue a política nacional e internacional com atenção, me chocou o nível de desrespeito que essa juíza se dirigia ao ex-presidente, sempre o tratando como se fosse um bandido comum, um párea, um marginal qualquer, digno de receber bofetadas da autoridade que não se continha em interromper para ameaçar o depoente:

"Se o senhor começar nesse tom a gente vai ter problemas..."; "Não vou admitir que o senhor fale mal de meu colega (Moro)"; "O senhor está querendo intimidar a promotoria incitando que outros entrem com representação contra ela. Se assim fizer será responsabilizado!"

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Esses foram apenas alguns dos coices que a juíza Gabriela deu no Lula, para o delírio dos reacionários que concordam com a tese de que Lula deve ser novamente condenado por simplesmente ser o Lula - não interessando os seus direitos e muito menos o código civil e penal.

Do outro lado, vi um Lula com o tempo se acuar diante desses coices... Um Lula que aos poucos percebia que nunca mais sairá da prisão, a não ser como um cadáver... Um Lula que em muitos momentos olhava para a juíza com os olhos marejados sabendo que no fundo não terá mais um só dia para andar livremente nesse país, pois está preso em uma solitária na polícia federal (sob jurisdição do Ministério da Justiça) e por isso sem direito de qualquer benefício, nem mesmo o de saída de natal, como qualquer criminoso comum obtém.

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Senti um enorme pesar por aquele homem idoso, de origem humilde, que se tornou líder sindical, líder político, presidente do país por dois mandatos, fazendo sua sucessão e que fez importantes reformas sociais e estruturais no país, entre elas reforçar os mecanismos de opressão do poder judiciário que acabariam por aprisioná-lo para sempre.

Nesse momento me recordei do grande imperador asteca Montezuma, que era considerado um Deus para o seu povo e que foi derrotado por um conquistador espanhol, Hernán Cortéz, mesmo aquele tendo uma força militar e um apoio popular infinitamente maior do que o conquistador.

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Montezuma se deixou ser preso e humilhado por Cortéz e sua pequena guarda. O ato de Cortéz não foi de bravura, mas de compreensão de que aquele imperador não poderia compreender o sistema que estava prestes a fulminar sua pessoa, seu povo e seu império.

O que Montezuma exatamente pensava, ninguém nunca saberá. Mas é possível afirmar que, pelas relações sociais ali vigentes e pela cosmogonia compartilhada entre os asteca, Montezuma acreditava que cedo ou tarde surgiria o momento em que ele seria libertado pela justiça divina e que seu destino era aguardar passivamente e passar por aquele momento de expiação.

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Montezuma morreu apedrejado pelo seu próprio povo, um ano depois de ser preso... não era mais considerado divino e nem forte para resistir aos invasores espanhóis.

Seus sucessores, entretanto, ainda não tinham condições materiais para compreender as intenções dos conquistadores, suas estratégias de dominação, sua religião e, sobretudo, a sua lógica de exploração mercantil que exigia, entre tantas coisas, a escravização de todos os índios, sem distinção de idade, sexo, etnia, tradição ou civilização.

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Assim, de forma rápida e fulminante, foi deposto e morto o maior líder da História da América antes da invasão europeia... o ano era 1520 e já estava em curso o que seria o maior massacre da História da humanidade: a conquista da América...

Lula em muito faz lembrar Montezuma. Segundo o historiador Tzevitan Todorov, Montezuma era um homem cordial, diplomático, conhecedor das tradições e das regras sociais dos astecas. Quando os invasores chegaram, tentou negociar, dialogar, colaborar... tudo em vão... seu destino já estava traçado pois - mais uma vez - na lógica mercantil europeia não havia nenhuma negociação diferente do que a submissão total de todos os nativos aos seus interesses econômicos e civilizatórios.

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Lula se fez, em boa parte, Montezuma. Foi um presidente conciliador, cordial, diplomático e popular. Acreditou na justiça, acreditou no STF, nos seus "conselheiros" do direito, na força do povo que o admirava e o apoiava. No fim, acabou aceitando ser preso, quando poderia ter pedido asilo político ou ter se rebelado... em suma poderia ter dito ao Mundo que a nossa nação estava sendo invadida por uma força estrangeira e que ela possuía apenas um único objetivo: o extermínio do Brasil.

O problema é que Lula, assim como Montezuma, talvez morra acreditando que haverá um ponto em que a insanidade de destruir todo um povo chegará simplesmente ao fim e que a velha ordem será restaurada. Sua prisão é a sua expiação... Pois bem, ele continuará preso e isolado, o povo aos poucos o abandonará e muitos já o desprezam, pois se tornaram aliados dos conquistadores...

Esse povo não elegeu como novo líder aquele que Lula indicou, mas um outro que é um apedrejador, um entreguista e um ignorante. Aos poucos Bolsonaro está erguendo um novo governo formado por delinquentes e lunáticos, todos sob a liderança do novo Hernán Cortéz (Sérgio Moro) que, depois de prender Montezuma, terá como prêmio o monopólio da justiça brasileira.

Será um governo de pessoas plenamente alienadas e/ou vendidas e por isso serão subjugadas pelos conquistadores que em parte já estão no interior do governo, como são os casos de Moro, Mourão et caterva...

No dramático ocaso dessa nossa nação, teremos um povo em uma guerra civil subterrânea, como já houve com tantos outros povos subjugados e outras nações conquistadas...

Odiaremos mais nossos próprios conterrâneos do que os conquistadores que os manipularam e continuarão manipulando.

O inimigo de carne e osso será o nosso vizinho, combatido em uma luta de vida ou morte entre escravos, enquanto o verdadeiro inimigo, conceitual e abstrato, governará nossos destinos pelo mercado financeiro.

Caso Montezuma tivesse o poder de ver o futuro, talvez teria se sublevado... E caso Lula possuísse igual poder, talvez tivesse igualmente se insurgido... Mas o mesmo espírito habitou ambos os corações assim como hoje habita outros milhões de corações desse desolado continente, que parece estar fadado a ser conquistado e saqueado por sua ingenuidade e por não compreender o sistema de dominação que está traçado para todos nós...

Mas há aqui ainda uma esperança... Lula ainda vive... Seu coração ainda bate... E ainda que isso seja de difícil ensejo, nunca é tarde para se insurgir.

Mesmo Getúlio Vargas, quando coagido pelos "conquistadores" que o acuavam na presidência, salvaguardou a soberania do povo brasileiro dando sua vida em holocausto. Da mesma forma, mesmo diante do pelotão de fuzilamento, Che Guevara não tremeu. Disse firme aos seus algozes: "Podem matar um homem, mas não poderão nunca matar as suas ideias". Apenas um soldado teve a covardia de atirar.

Lula talvez não precise ir tão longe como esses outros líderes, embora todo o caminho tenha um fim. E ao chegar o fim, caberá a Lula resolver quais linhas serão escritas sobre sua vida nos livros de História. Lula estará sozinho e ele - e mais ninguém - decidirá ser ou não ser mais um Montezuma. E seu dilema se extende hoje a todos os homens e mulheres de nossa triste América.

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