Sobre delatores, ‘leprosos’, golpistas, ignorantes, intolerantes etc
O preconceito escorrega fácil, fácil na fala dos ignorantes. Preconceito, claro, dessa vez para com os acometidos pela hanseníase. Outros, à esquerda e à direita, já tentaram denegrir os seus contendores, em meio ao debate político, chamando-os de “autistas” ou de “esquizofrênicos”

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Causou-me estranheza e indisfarçável desconforto frase dita pelo ex-diretor da Petrobras e delator na Operação Lava Jato, Paulo Roberto Costa, publicada com o devido destaque, em determinado veículo de comunicação: “virei um leproso”.
Em primeiro lugar, isso me incomodou, deveras, porque já não cabe mais essa “mania” que as pessoas têm de, sem noção ou bom senso algum, utilizar-se de metáforas ou comparações de extremo mau gosto e impertinentes, para a representação de suas mazelas do caráter e do espírito. Fazendo menção, direta e descuidada, às enfermidades por que passam, com dignidade e estoicismo, milhares de brasileiros e suas famílias.
No caso específico da notícia em pauta, um criminoso confesso diz ter sido tratado como um “leproso” pela sociedade.
O preconceito escorrega fácil, fácil na fala dos ignorantes. Preconceito, claro, dessa vez para com os acometidos pela hanseníase. Basta uma consulta rápida à Wikipédia para sabermos que “O termo lepra está em desuso por sua conotação negativa histórica”.
Outros, à esquerda e à direita, já tentaram denegrir os seus contendores, em meio ao debate político, chamando-os de “autistas” ou de “esquizofrênicos”. Num flagrante desrespeito aos doentes e a suas famílias, reitero. Tais “qualificativos” tornaram-se uma espécie de muleta linguística para os mais fracos – fracos no vocabulário, nas ideias e no caráter.
O estigma à doença, coisa do passado, já não cabe no presente.
Para os doentes, existe cura ou tratamento adequado – muitas das vezes, penoso.
Já para homens como o senhor Paulo Roberto Costa...
Em segundo lugar, causou-me ainda mais incômodo e estranheza, o que esse senhor diz, logo a seguir, em seu depoimento ou entrevista. Ele nos informa, do cume do seu ignominioso cinismo, que, agora, teria mudado o tratamento que as pessoas dispensam e ele nas ruas. Diz ele – o que eu não duvido – que "as pessoas dizem: 'Parabéns! Muito bem! Você entregou os políticos!'".
Como assim?!
Como “parabéns”?!
“Parabéns” por quê?!
Este senhor não merece ser felicitado por absolutamente nada! Este senhor, repito, para os mais “distraídos”, é um criminoso confesso. Infiltrou-se (ou foi infiltrado) em uma grande empresa brasileira, orgulho e riqueza de uma nação, e, em seu nome próprio, ou em nome de um determinado partido político – no caso, salvo engano, o PP – achacou e chantageou empresários para que estes lhes pagassem propinas milionárias.
São incalculáveis, imensuráveis os danos que este senhor causou à empresa e ao país.
Este senhor, nunca será demasiado lembrar, perpetrou desvios milionários de escassos recursos públicos. Recursos estes que poderiam servir para construir creches, hospitais e escolas públicas.
Este senhor, como outros de seus asseclas, entre doleiros, “operadores” e servidores públicos corruptos (ex-diretores da Petrobras), agora pretendem posar para fotos e discursar como “virtuosos”, como “homens de bem”, como “heróis nacionais”.
Além de “premiados” injustamente pela Justiça com a semiliberdade, querem agora ser cultuados, idolatrados?
Só faltava essa!
Deslavada mentira e manipulação!
Bandidos! Criminosos! Isto é o que estes senhores – todos eles – são de fato.
Reitero: causa-me estranheza e indisfarçável incômodo todo esse estado de coisas, esse “duplipensar” e essa falsa/dúbia moral que ora experimentamos.
Vivemos tempos singulares, idiossincráticos, absurdos.
Tempos em que bandidos são tratados como heróis e vice-versa.
Tempos em que, passado uma ditadura, que prendeu, torturou, matou e/ou “desapareceu” com centenas de cidadãos brasileiros; depois de décadas de luta pela redemocratização do país; depois das “Diretas Já!”, milhares de manifestantes saem às ruas para pedir a volta da ditadura militar e defender um golpe, para apear do poder uma presidente legitimamente eleita.
Tempos em que, a despeito de anos de militância (de muitas gerações e talentos) por um ideário mais humanista e por outro mundo possível, mais justo e igualitário, com a garantia de mais direitos e liberdades individuais; a despeito do trabalho de gerações e de toda uma luta e herança benditas, os intolerantes e os ignorantes ainda marcham nas ruas exibindo, com inusitado despudor, suas infâmias e equívocos.
Tempos em que apenas as mercadorias têm o trânsito e circulação facilitados, globalizados. É livre, pelo mundo, o trânsito de mercadorias; não de pessoas.
Tempos em que as mercadorias e o patrimônio são privilegiados, em detrimento dos seres humanos.
Para tempos doentes, como estes em que vivemos todos, suspeito eu, é que precisamos nos (pré)ocupar com uma possível e necessária cura.
E não nos utilizar da doença alheia como metáfora, ou como desculpa, para a nossa falta de caráter, de espírito público, de decência e/ou de cidadania.
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