Sobre como ofender judeus e evangélicos

Um não judeu vestir-se de rabino pode parecer simpático para alguns. Mas para outros é uma afronta, um desrespeito a milhões de pessoas que fazem parte do povo judeu

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A cena é cada vez mais comum nos meios de comunicação: o bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal, a maior denominação evangélica do país, e seus companheiros utilizando, nas cerimônias religiosas, símbolos tradicionais do judaísmo. O bispo e demais dirigentes da Universal aparecem então de barbas longas, usando a kipá, solidéu que cobre a cabeça, o talit, o xale ritual com franjas, diante de ornamentos judaicos, como a menorá, o candelabro de sete braços e as mosaicas tábuas da lei, onde estão inscritos os Dez Mandamentos.

Há quem veja nisso uma aproximação entre o cristianismo, em sua versão evangélica, e o judaísmo, saudável nesses tempos de avanço da intolerância em todo o mundo. Acontece que as coisas não são simples assim. Um dos temas que abordo todos os semestres com meus alunos no Centro Europeu de Música Judaica da Universidade de Música de Hannover é o conceito intitulado "sensibilidade cultural". Em poucas palavras, este conceito fundamenta-se na ideia de que, ao se lidar com uma cultura – e principalmente com a cultura do outro, à qual você não pertence –, deve-se agir com imenso cuidado, ética e respeito.

Um não judeu vestir-se de rabino pode parecer simpático para alguns. Mas para outros é uma afronta, um desrespeito a milhões de pessoas que fazem parte do povo judeu. Eu, pessoalmente, venho de uma longa linhagem de rabinos e de sobreviventes do Holocausto, e me considero ofendido cada vez que sou confrontado com este péssimo uso do imaginário judaico.

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Ocorre que essa apropriação e valores culturais segue uma lógica clara. Para alguns dirigentes evangélicos, o messias chegará quando todos os judeus estiverem em Israel e aceitarem Jesus Cristo. Essa doutrina, conhecida como dispensacionalismo, defende um "judeu não judeu". Ou seja, trata-se de negar o judaísmo como cultura e religião, de produzir uma espécie de "judeu cristão".

A ofensa, acredito, se estende aos cristãos, dado que esses líderes revelam completa inconsistência religiosa. Vestir-se como judeu e começar a pregar sobre Jesus Cristo é a mesma coisa que dizer que a água é seca ou que o fogo é frio. Qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento acerca de religiões sabe que uma das principais premissas da fé judaica é não acreditar que o messias já veio. Trata-se de uma mistura indevida de culturas e tradições; um ultraje a judeus e cristãos, que, legitimamente, creem em Jesus como o messias que retornará.

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A boa notícia é que há milhões de evangélicos, incluindo fieis da Universal, que condenam de forma veemente esta prática de alguns dirigentes. Amigos me explicaram que se recusam a fazer parte disso e que sentem vergonha ao ouvirem a palavra de um sábio como Jesus na boca destes senhores, contribuindo agudamente para a subversão do cristianismo. Aliás, não parece ser coincidência que esses mesmos líderes pregaram o voto em massa no atual presidente da República, um homem que apesar de brandir sua fé evangélica e o amor eterno a Israel e ao judaísmo, sempre pregou e praticou a completa antítese de todos os valores humanos que fundamentam ambas as vertentes religiosas.

Passamos há pouco da Páscoa cristã, cuja origem é o Pessach, a festa judaica que comemora a saída dos hebreus do Egito. Momento ideal para defender a aproximação do judaísmo, do cristianismo, do islamismo e das demais religiões em torno da harmonia e da convivência pacífica. Mas não de misturar, de forma ultrajante para todos, símbolos e tradições diferentes. Em nome do que for.

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