Só Freud explica

Golpe é escolha perversa. As intenções maléficas que o movem são colhidas e reconhecidas ao longo do tempo

(Foto: REUTERS/Sergio Moraes)


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Golpe é escolha perversa. As intenções maléficas que o movem são colhidas e reconhecidas ao longo do tempo. A ciência política consagra golpe como um ato político de traição a alguém ou a alguma coisa. É um recurso extremo que a classe dominante lança mão visando recuperar privilégios ameaçados, retidos dentro de uma ordem injusta e desigual construída ao longo da história de uma determinada sociedade. Como atestou o professor Wanderley Guilherme dos Santos, em seu livro “A democracia impedida” (FGV, 2017), o golpe atual chega ser pior do que o de 1964 na medida em que tem um compromisso antinacional e reacionário muito mais violento que o da época. Aqueles militares de 64, apesar de haverem criado uma seção despótica e assassina, nutriam compromissos com interesses nacionalistas. Não é o caso do Golpe de 2016 do qual a quase totalidade da direita golpista (civil, militar e religiosa), liderada por Temer, é profundamente antinacional.

Os acontecimentos que marcaram a última semana do mês de setembro vêm clarificar ainda mais a cupidez sobre a qual foi erigido o butim usurpador das riquezas naturais, do patrimônio público brasileiro e da vida das famílias de trabalhadoras e trabalhadores, aviltadas em seus direitos humanos básicos pelas políticas antissociais bolsonaristas.

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Por um lado, os resultados alcançados pelo trabalho investigativo da CPI do Genocídio, instalada no Senado, confirmaram, por meio de provas testemunhais e documentais, todas as denúncias de corrupção moral e financeira implantada na estrutura do governo Bolsonaro, que vão desde o negacionismo até a produção de estratagemas de extermínio de seres humanos, copiando os piores exemplos dos horrores nazistas alemães (1929-1945). Portanto, a CPI demonstra claramente que o governo Bolsonaro não só perpetrou crimes comuns e de responsabilidade, como também crimes de lesa-humanidade.

Por outro lado, os vazamentos da “Pandora Papers”, uma série de reportagens feitas no âmbito do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), do qual fazem parte a Revista Piauí, os portais Metrópoles, Poder 360 e Agência Pública, comprovaram que o ministro da Economia, Paulo Guedes, juntamente com o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, têm alta soma de dólares americanos depositados em paraísos fiscais.

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Em setembro de 2014, Guedes fundou a “offshore” Dreadnoughts International, nas Ilhas Virgens Britânicas, um “paraíso fiscal” no Caribe. Não se sabe até hoje o porquê de serem chamados de “paraísos”. Na verdade são territórios criminosos que acobertam o dinheiro sujo que circula pelo mundo. Guedes aportou na conta de sua “offshore” a quantia de 9,55 milhões de dólares.O artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe funcionário do alto escalão (como Guedes e Campos Neto) de manter aplicações financeiras, no Brasil e no exterior, passíveis de ser afetadas por políticas governamentais. Em janeiro de 2019, Guedes tornou-se o principal ministro do governo bolsonarista (Posto Ipiranga). Como o ex-juiz Moro, declarado incompetente e suspeito pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ele não poderia ter sido convidado nem tampouco aceito assumir a Pasta da Economia. Guedes é aquele que, na famosa Reunião Ministerial dos Palavrões, em maio de 2020, dirigindo-se à ministra Damares, sentenciou com sua “refinada ética pública”: “Deixa cada um se foder (sic!) do jeito que quiser”.

O mesmo embaraço ocorre com Campos Neto. Por ser presidente do Banco Central, e ao mesmo tempo dono de “offshore” em “paraíso fiscal”, tem acesso privilegiado a dados estratégicos referentes a políticas de câmbio e de juros, capazes de afetar os investimentos financeiros, dentro e fora do Brasil. Também como Moro, Campos Neto deveria ser declarado suspeito e incompetente para assumir tal presidência.

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Por fim, o último acontecimento que chama atenção no final da semana passada foi mais uma virulência milimétrica de Ciro Gomes contra a militância do Partido dos Trabalhadores (PT), ao encerrar seu discurso na Paulista, no dia 02: “O povo brasileiro é muito maior do que o fascismo de vermelho ou de verde amarelo”. Ele já havia afirmado recentemente que “usará a campanha eleitoral para lembrar ao País que Lula adotou a corrupção como método de governo quando se elegeu em 2002”(https://veja.abril.com.br/blog/radar/lula-levou-a-corrupcao-para-o-centro-dopoder-diz-ciro-gomes/). 

Como também havia disparado nesta mesma semana uma “fake news”, bem aos moldes bolsonaristas, associando Lula à Prevent Senior, empresa investigada pela CPI do Genocídio.Como Bolsonaro, Ciro Gomes já passou, por enquanto, até agora, por sete partidos políticos (PDS (antiga ARENA), PMDB, PSDB, PPS, PSB, PROS e PDT). Para o senador Jacques Wagner (PT-BA), Ciro, que já foi ministro do governo Lula, com este posicionamento estratégico, presta um “desserviço à democracia”. Segundo o senador baiano, “ele acha que vai ganhar os votos da extrema-direita com essas críticas levianas a Lula”. Também como já afirmaram recentemente o governador Flávio Dino (PSB – MA) e Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB, o inimigo a ser vencido é Bolsonaro e o fascismo do qual ele é portador: não se pode admitir baboseiras nesse momento tão grave.Pretendente a candidato de uma dita “terceira via” em formação pela batuta da Rede Globo, Ciro Gomes escolheu centrar fogo em Lula e no PT para convencer o eleitorado de Bolsonaro de que seria ele o mais confiável para derrotar Lula em 2022. Segundo o professor Valter Pomar, Ciro não se contenta apenas em vomitar impropérios, mas objetiva um modelo de desenvolvimento nacional no qual o povo seja um mero subalterno. E para garantir essa subalternidade popular, ele precisa neutralizar a esquerda. Ou seja, Ciro segue a cartilha neofascista desenvolvida desde o Golpe de 2016. Assim, seu ódio a Lula e ao PT não deixam nada a dever ao bolsonarismo. Logicamente, se puder, ele vai botar para quebrar em cima daqueles por ele odiados.

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Mas o que chama atenção nisso tudo são certos políticos petistas cearenses, da envergadura do governador Camilo Santana (PT-CE) ou o deputado federal José Guimarães (PT-CE), tratarem Ciro como um aliado malcriado, emudecendo peremptoriamente diante de seus continuados ataques estratégicos à Lula e ao PT. Como acenou Pomar em seu artigo no Blog Brasil 247, o silêncio desses políticos e lideranças petistas cearenses, só Freud explica. Ou quem sabe, um pouco de conhecimento da História e da Ciência Política também.

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