Sigmaringa Seixas e a luta pela democracia

"A morte de Sigmaringa Seixas desfalca os bastidores da política brasileira de um personagem importante para a  democracia", escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247. "Durante a ditadura, Sigmaringa foi o responsável pela coleta de depoimentos da Justiça Militar que permitiram demonstrar a tragédia da tortura no livro Brasil Nunca Mais. Após a democratização do país, teve um papel decisivo na construção de um ambiente de normalização entre o governo Lula e o Judiciário, que só seria rompido em 2012, no início do julgamento da AP 470"   

Sigmaringa Seixas e a luta pela democracia
Sigmaringa Seixas e a luta pela democracia


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Para avaliar a perda que a morte do advogado e ex-deputado Sigmaringa Seixas (1944-2018) representa para um país hoje mergulhado num momento de ameaças à democracia, basta reconhecer o papel que ele desempenhou nos anos de treva absoluta da ditadura militar.

Naquele país em que a tortura e execução de presos políticos eram métodos banais de investigação, estimulados e protegidos pelos que controlavam o funcionamento do Estado, Sigmaringa foi um daqueles cidadãos insubstituíveis para enfrentar as angústias do momento e ajudar a construir  uma saída necessária  numa situação de sufoco.

Integrante do grupo de advogados e militantes de direitos humanos que produziu o Brasil Nunca Mais, arquivo inédito sobre as atrocidades cometidas pelo porão militar contra homens e mulheres de seu próprio país, assumiu uma função indispensável no projeto. Mobilizou seu escritório em Brasília para localizar e copiar a íntegra de processos armazenados no Supremo Tribunal Militar, matéria-prima básica para o conhecimento da natureza do regime que governou o país entre 1964 e 1985, até então protegida por um ambiente de censura, violência e medo.

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"No início, eles pensavam que seria possível tirar xerox de algumas dezenas de processos", escrevi numa reportagem publicada no livro "A Mulher que era o general da casa", escrito com auxílio de várias fontes anônimas, como o próprio Sigmaringa. 

"Descobriram que era possível colocar as mãos numa coleção de 707, que somavam mais de um milhão de páginas".  Localizados, copiados e estudados num trabalho de cinco anos, num país onde o porão militar explodia bancas de jornal, enviava cartas-bomba e ensaiava atentados monstruosos como no Rio Centro, os depoimentos, reconhecidos pela Justiça, transformaram o Brasil Nunca Mais foi num modelo de investigação que seria copiado e reconhecido em várias partes do mundo.

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Se o país jamais levaria torturadores ao banco dos réus, como ocorreu em diversos países vizinhos, o Brasil Nunca Mais representou uma vitória importante. Ajudou a impedir que a tortura saísse da memória dos brasileiros ao longo das décadas seguintes.

Em 2016, quando Jair Bolsonaro fez uma referência elogiosa ao comandante do DOI-CODI Carlos Alberto Brilhante Ustra durante o impeachment de Dilma, o país inteiro sabia a quem ele estava se referindo.

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Militante da Política Operária, Polop, influente organização de extrema-esquerda nos anos finais do governo João Goulart,  a resistência à ditadura fez da luta pela democracia a principal razão de atividade política de Luiz Carlos Sigmaringa Seixas nas décadas seguintes. Deputado federal por duas décadas, filiou--se ao PMDB de Ulysses Guimarães e pouco depois preeencheu a ficha de filiação do PSDB -- na época, o partido reivindicava-se como versão verde-amarela da social-democrata.

A atuação na Constituinte  aproximou Sigmaringa do Partido dos Trabalhadores, e ali se tornou um quadro de primeira linha do círculo de Lula. Serviu de pombo correio em diversas missões delicadas, junto a interlocutores mais improváveis, numa atuação que ajudou a quebrar o isolamento político do PT dos primeiros anos.   

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Antes, durante e depois da vitória em 2002 ele foi um dos principais responsáveis pela construção de um ambiente de relativa pacificação entre o governo Lula e o Judiciário, que seria rompido apenas em 2012, quando teve início o julgamento da AP 470, mais conhecida como Mensalão.

Presente à maioria das conversas reservadas entre Lula e Gilmar Mendes,  principal liderança política do Supremo antes da Lava Jato, Sigmaringa estava convencido de que os dois possuíam visões convergentes sobre temas essenciais da política brasileira, num grau suficiente para assegurar um convívio adequado, dentro padrões que respeitam a autonomia entre os poderes.

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Voltado para a construção de alianças que agradavam Lula mas incomodavam adversários de envergadura e mesmo uma parcela do PT, em várias  conversas recentes Sigmaringa deixou claro que atribuía a ruptura entre Lula e Gilmar em 2012, momento importante na abertura da crise política que está na origem do inferno de nossos dias, ao ambiente de intriga e jogo sujo entre a cúpula do Estado e estrelas do jornalismo midiático.

"Gilmar partiu para o ataque porque foi convencido de que o PT tinha um plano para sua destruição e isso mudou tudo", me disse mais de uma vez. "O país perdeu".  

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Homem de bastidor, por duas vezes Lula sondou Sigmaringa para ocupar uma vaga no Supremo. Ele preferiu permanecer onde se encontrava.

Informado da morte do amigo, Lula pediu autorização para comparecer ao velório e ao enterro. Ao negar o pedido, a Justiça fez do funeral de Sigmaringa Seixas uma retrato desnecessário da brutalidade dos tempos que correm. 

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