Seu patrão é um aplicativo, a empresa e o Estado uma plataforma e o império anuncia que não sumiu!

O mundo se transforma e isso não devia ser chamado de progresso, sem que se pergunte 'para quem?'

iFood faz entregas com drones
iFood faz entregas com drones (Foto: Divulgação iFood/REUTERS)


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Por Roberto Moraes

O mundo se transforma e isso não devia ser chamado de progresso, sem que se pergunte para quem? A partir do trabalho digital o seu chefe agora é um aplicativo (App). A empresa-plataforma é a propriedade que controla, em boa parte, o modo de produção no capitalismo contemporâneo.

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Plataforma pelo dicionário é “uma superfície plana e horizontal, mais alta que a área circundante”. A definição explica bem essa nova fase do capitalismo. A plataforma se torna a propriedade a partir da posse de nossas informações “dataficadas” (nova commodity).

Assim, as plataformas digitais passaram a realizar a intermediação entre a produção e a comunicação, ligando produtores e consumidores e articulando grupos em diferentes partes do mundo. As plataformas-digitais não produzem riquezas, mas se apropriam de porções maiores dos lucros de todos os setores da economia, a partir do controle da comunicação e apropriação dos nosso dados.

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As plataformas como meios de produção (e-commerce) e meios de comunicação (mídias digitais) constroem seus “modelos de negócios” entre o intangível digital e a materialidade da infraestrutura de logística, aplicativos, veículos de streamings e jogos para entretenimento.

Assim, as empresas-plataformas e os aplicativos (Apps) se espalham por todos os setores da economia (frações do capital) em velocidade espantosa envolvendo diferentes  atividades no capitalismo contemporâneo: finanças (fintechs, home-banking); educação (eTech); agronegócios (agTech); alimentação e comida (foodTech); saúde e bem-estar (healtTech: terapia e consultas on-line, exames etc.); marketing (marTech ou adTech: mídia, publicidade direcionada e de engajamento etc.); jurídico (lawTech ou legalTech: legislação, petições automáticas, resolução de conflitos e negociações); negociação de imóveis (propTech: vendas e aluguéis); logística de entrega (delivery de produtos, embalagem, mediação com pagamento, etc.); comércio eletrônico (e-commerce); gestão de documentos etc.

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A tecnologia vem de longe e sempre dependerá do trabalho humano 

Vale registrar que a tecnologia sempre foi fator importante em nossas vidas. Não existe tecnologia sem o fator trabalho. Sendo assim, é preciso afastar esse falso mito da tecnologia sem o ser humano. A tecnologia sempre prescindiu do sujeito e isso vem lá de trás, antes até da Revolução Industrial quando a tecnologia se transforma em fator de produção. A tecnologia vem de longe e sempre dependerá do trabalho humano, mas o inaceitável é o atual e crescente nível de apropriação de renda e riquezas que nos trouxeram à neoescravidão do presente.

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Anteriormente, a inovação estava quase que exclusivamente vinculado à produção, às máquinas, automação e também à organização do trabalho, desde o taylorismo/fordismo ao Toyotismo. Agora no trabalho digital, no plataformismo, o trabalhador é controlado e supervisionado por gestão algorítmica.

Além de ver o trabalho precarizado e parte de sua renda vampirizada, através de enorme extração de valor com perda de direitos, o trabalhador contemporâneo quase que implora para ser explorado e sobreviver, como o servo em relação ao senhor do capital-plataforma, no feudalismo digital dos dias atuais.

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O pesquisador inglês Guy Standing já previa no seu livro “The corruption of capitalism” há alguns anos – e poucos conseguiam sequer avaliar do que se tratava – que até 2025, um terço das transações relativas ao trabalho já estaria se dando através das plataformas digitais. A pandemia acelerou isso a um grau alarmante.

Um App como chefe e supervisor da produção, despersonaliza e desumaniza as relações de trabalho, antes já bem deterioradas. Essa relações passam parecer parte de um jogo, em que o trabalhador espoliado, sonha passar de fase, enquanto envelhece e vê suas forças serem sugadas, sem direitos e sem maiores perspectivas e sonhos.

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A cobrança por produtividade é feita pelo App de um celular, um algoritmo que esconde o rosto do chefe da cobrança, expõe uma falsa igualdade, a ilusão da meritocracia e escancara a racionalidade neoliberal.

A aliança entre a dominação tecnológica, startupização e a financeirização

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Tudo isso reforça a interpretação de que o “plataformismo” se estabelece como nova etapa do “Modo de Produção Capitalista” e um novo ciclo de acumulação, leitura que compartilho com o pesquisador francês François Chesner, grande estudioso do processo de financeirização já há décadas.

Aliás, não há como observar essas transformações das empresas em plataformas e o trabalhador controlado por aplicativos, sem observar que a lógica da plataformização na extração de valor é parte da estratégia da hegemonia financeira, refletida no movimento dos fundos financeiros e na engenharia dos derivativos do mercado de capital. 

Assim, é fácil observar o avanço, não menos espantoso, dos aportes de capitais de fundos, bancos e corporações. Elas explicam a atual dominação tecnológica, onde pontifica o gigantismo das Big Techs. Do ocidente ao oriente essas corporações alcançam individualmente valores de mercado superior a US$ 2 trilhões, juntas as seis maiores só dos EUA, valiam no início deste 2021, um total de US$ 8,1 trilhões.

Assim, se verifica a explosão de plataformas e ao que chamo de “startupização”, vinculada à financeirização e o plataformismo. Fundos financeiros aportam bilhões de dólares nas startups que em sua maioria são empresas-plataformas e empresas-aplicativos.

Mesmo no Brasil, na periferia do capitalismo tardio, entre 2011 e 2019, se vê um aumento de 20 vezes, no número de startups, que hoje já superam 13 mil, segundo a associação do setor, a Abstartup. No final de 2020, onze já eram de unicórnios, como os investidores gostam se se referir às startups que já alcançaram valor de mercado superior a U$ 1 bilhão ou mais de R$ 5 bilhões todas empresas-plataformas. Todas.

Em meio à “crise econômica” no Brasil, o volume de investimentos em startups alcançou US$ 7,5 bilhões nos últimos três anos. US$ 3,14 bilhões, só em 2020, ano da pandemia, metade desse valor foi alocado nas fintechs que receberam aportes de US$ 1,5 bilhão, confirmando a aliança entre a hegemonia financeira e a dominação tecnológica, que para o trabalhador se reflete na precarização e na gestão algorítmica escravizada do seu trabalho.

A hegemonia financeira sustentada no controle tecnológico passou a dominar a política e o Estado 

Em meio a todo esse processo é evidente que o poder econômico avançou ainda mais sobre o poder político. A dominação tecnológica hoje oligopolizada, foi paulatinamente, abandonando a estratégia de apenas influenciar a política.

A dominação tecnológica foi adiante e passou a dirigir e controlar o poder político e o Estado, sem que tenham adquirido representação para tal. Quem efetivamente tem poder exerce e não vai ficar aguardando regulações. Ao contrário age sobre quem tem papel institucional de regular. Esse controle foi escancarado, a partir das punições a autoridades de diversos países, independe das razões, que evidenciam as limitações da chamada democracia liberal ocidental.

Em síntese, no capitalismo contemporâneo, a hegemonia financeira foi passando a ser exercida em novo patamar de forma total e imperial, através da dominação tecnológica, que na prática se tornou fator de controle tanto sobre o trabalho, quanto sobre a política e a geopolítica.

Algumas lideranças mundiais já identificam os riscos sobre o esgarçamento civilizatório e a imposição da guerra de todos contra todos, que, talvez até possam considerar a barbárie como uma condição histórica nem tão ruim assim.      

Arroxaram os cintos, seus patrões se escondem nos aplicativos e plataformas e as autoridades estão nas mídias sociais controladas pelo império das finanças globalizadas. O piloto não sumiu e o império manda avisar que está mais presente e vivo que nunca!

PS.: Abaixo um infográfico que expõe a multidimensionalidade do fenômeno do "Plataformismo" que se traduz num esforço de síntese para a compreensão do "capitalismo de plataformas" e as transformações no "Modo de Produção Capitalista".  

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