Setembrada: acordão afasta impeachment de Bolsonaro e abre caminho para a 3ª via
"Somente a esquerda partidária e social é capaz de liderar, de forma consequente, o combate pela reconstrução nacional e apresentar um projeto democrático-popular", escreve o colunista Milton Alves
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A turma da Faria Lima, a crème de la crème do andar de cima, resolveu meter a mão mais abertamente no processo político em curso, após a setembrada golpista impulsionada pelo presidente Jair Bolsonaro contra o Supremo Tribunal Federal [STF], alvo principal da fúria da extrema direita nas manifestações do dia 7, que apesar do relativo sucesso de público, provocou um enorme desconforto aos donos do dinheiro e o temor da situação sair fora de controle — principalmente com a realização de piquetes de caminhoneiros em diversas estradas do país durante a semana.
Na quinta-feira [9], um dia carregado em Brasília, a plutocracia paulista despachou o golpista Michel Temer para um tête-à-tête com Jair Bolsonaro, que resultou em uma carta do presidente acenando com uma espécie de trégua em relação ao STF. Diz um trecho da missiva que, segundo os jornalões, foi escrita por Temer: “Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. Sei que boa parte dessas divergências decorrem de conflitos de entendimento acerca das decisões adotadas pelo Ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news”.
O documento, que deixou a base mais radicalizada de Bolsonaro em crise, termina dizendo que as palavras proferidas pelo presidente nas manifestações golpistas de 7 de setembro foram feitas “no calor do momento e dos embates”.
Três tipos de reações políticas surgiram imediatamente após a divulgação da carta: para os apoiadores extremistas do governo foi uma capitulação, fim do jogo, segundo alguns mais exaltados. Raciocínio reformado ao longo da sexta-feira [10] como um “recuo tático” necessário para prosseguir o combate. Já para os líderes da oposição de esquerda, o gesto de Bolsonaro, costurado por Michel Temer, foi recebido com ceticismo e como mais uma manobra para ganhar tempo. Afinal, ele já recorreu ao mesmo expediente em diversas situações anteriores, lembram os oposicionistas.
Por sua vez, para os segmentos financeiros e empresariais – e seus operadores políticos de estimação na direita neoliberal -, o tropeço de Bolsonaro forjou uma espécie de trégua, uma paz temporária, para garantir a aprovação de projetos importantes no parlamento e a agenda das privatizações, que capenga sob o comando de um Paulo Guedes, cada vez mais, enfraquecido.
A setembrada de Bolsonaro teve como resultado político efetivo um ensaio de acordo entre o governo e o establishment institucional e empresarial, que através de suas organizações corporativas vazou uma profusão de notas e notinhas de descontentamento. A carta redigida por Temer é a expressão desse acordo no andar de cima, o que, na prática, afastou o risco de impeachment. A duração do compromisso agora já não depende apenas do presidente.
3ª via ou bolsonarismo sem Bolsonaro
Bolsonaro, que combinava até o momento a dupla tática da ameaça golpista ao lado do jogo parlamentar com o Centrão no Congresso para sobreviver até 2022, saiu desgastado da setembrada, a base mais dura de apoio desalinhada, e com dúvidas acerca de como prosseguir daqui em diante.
No interior do governo, e até em franjas do bolsonarismo, surgiu pela primeira vez o debate de possíveis nomes alternativos ao de Bolsonaro para a futura disputa presidencial. O nome do ministro da infraestrutura Tarcísio Freitas, um engenheiro militar, é cada vez mais sussurrado nas hostes governistas — e conta com a simpatia dos generais palacianos.
O vice-presidente Hamilton Mourão se articula por fora do governo, e alimenta a esperança de alguns setores que torcem pela viabilização de uma terceira via mais próxima do bolsonarismo. Mourão, aliás, é sempre recebido com tapete vermelho nos corredores globais do Jardim Botânico.
No entanto, o fato mais relevante da setembrada, que deixou o presidente Bolsonaro na defensiva, foi a oportunidade aberta para a chamada terceira via, que calcula marchar sobre as bases bolsonaristas desgarradas e desiludidas com o capitão, rompendo, assim, com atual polarização política existente entre a extrema direita e a esquerda. É uma possibilidade real na medida em que o governo bolsonarista se mostra incapaz de executar a agenda neoliberal selvagem exigida pelas forças do capital.
É verdade que a “boiada” continua passando, mas o ritmo e as confusões institucionais provocadas por Bolsonaro tornam o processo mais lento, custoso e acidentado. E a tarefa mais sangrenta da recolonização neoliberal do país ainda não foi concluída.
Apesar das tensões geradas por Bolsonaro, os donos do dinheiro não querem apeá-lo da presidência. Até porque não há ainda um candidato consolidado da chamada terceira via para substituí-lo. Além disso, as instituições da República, principalmente o Supremo, procuram estabelecer algum nível de controle sobre os impulsos autoritários do presidente.
Dia 12, ato pró 3ª via é contra a esquerda
Uma peça movida pela velha direita neoliberal para pavimentar o caminho da terceira via passa também por uma suposta adesão à campanha “Fora Bolsonaro”. A manifestação convocada e organizada pelo movimento neofascista MBL, por grupelhos lavajatistas, PSDB, NOVO, MDB e setores do PDT para o domingo [12] na Paulista cumpre essa função.
Vale lembrar que nem um dos partidos da velha direita golpista apoiou qualquer dos mais de cem requerimentos engavetados por Arthur Lira na Câmara de Deputados que pedem o impeachment de Bolsonaro.
Portanto, tudo indica que a movimentação do dia 12 é mais uma operação para testar o alcance e a força do apelo da palavra de ordem “nem Bolsonaro, nem Lula”, preparando o terreno de uma candidatura da direita neoliberal, de tipo puro sangue. O ato na Paulista é visto por diversos setores políticos como uma ação que favorece o projeto presidencial do governador João Doria [PSDB].
Saída da crise é pela esquerda
Uma saída democrática e progressista da atual crise — política, institucional, econômica e sanitária — só virá no bojo de uma potente mobilização popular.
Neste sentido, é indispensável reforçar mais ainda a unidade da frente única dos partidos de esquerda e progressistas, das frentes e movimentos sociais em torno de uma agenda de manifestações que priorize os territórios de concentração da população trabalhadora, dos bairros populares, corredores fabris e áreas de ocupação urbanas. Além da promoção de atividades culturais massivas com a juventude periférica. Ou seja, diversificar, relançando a campanha Fora Bolsonaro.
Por isso, as próximas mobilizações marcadas pela Campanha Fora Bolsonaro como a jornada nacional no dia 2 de outubro e os atos regionais merecem todo empenho para a construção de atos massivos em defesa da democracia, dos direitos do povo e pelo impeachment do presidente genocida.
O peso e a responsabilidade dos principais partidos de esquerda – em especial do PT, PSOL e PCdoB – e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do MTST, MST e da Central de Movimentos Populares, são fatores decisivos para o êxito dos atos neste momento crucial da luta entre o povo trabalhador e as classes dominantes. Afinal, a luta contra o neofascismo é inseparável da derrota do projeto neoliberal aplicado e defendido pelo governo bolsonarista e pelos partidos da frente ampla da velha direita.
Somente a esquerda partidária e social é capaz de liderar, de forma consequente, o combate pela reconstrução nacional e apresentar um projeto democrático-popular, que contemple os anseios da classe trabalhadora e assegure através da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte os direitos do povo e o resgate do patrimônio público — que foi subtraído por tenebrosas transações com o golpe de 2016 e a farsa implementada pela Lava Jato.
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