Serra comete uma patacoada na avaliação da vitória de Trump

Agora teremos uma situação no mínimo curiosa. Cumprindo suas promessas de campanha, provavelmente Trump mudará a política americana em relação à Rússia. Não será surpresa se levantar as sanções econômicas em troca de alguma concessão simbólica, exceto, claro, a devolução da Criméia. O que a grande imprensa brasileira vai fazer? Vai continuar tratando Putin como um marginal da política internacional?

Presidente russo, Vladimir Putin, durante entrevista coletiva em Milão, em foto de arquivo.   10/06/2015   REUTERS/Flavio Lo Scalzo
Presidente russo, Vladimir Putin, durante entrevista coletiva em Milão, em foto de arquivo. 10/06/2015 REUTERS/Flavio Lo Scalzo (Foto: Jose Carlos de Assis)


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A vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas é um pesadelo para a política interna e um alívio no que se refere à política externa dos Estados Unidos. Curiosamente, numa entrevista precipitada porque anterior à abertura das urnas, nosso bravo chanceler José Serra proclamou aos quatro ventos que a vitória de Hillary Clinton seria um “bem para o mundo”. Que a grande imprensa brasileira, capitaneada pela Globo, se revele totalmente ignorante em política externa não é nada surpreendente; mas que isso seja feito pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil é simplesmente uma patacoada irreparável.

Escrevi semanas atrás, bem antes que os jornalões brasileiros começassem a cobrir as eleições americanas, que Hillary Clinton é uma belicista, principal responsável pelas agressivas intervenções militares dos Estados Unidos na chamada Primavera Árabe, com destaque para o assassinato de Kadafi na Líbia. Trump, ao contrário, alinhado às mais preconceituosas teses políticas internas, expôs claramente suas intenções de normalizar as relações do país com a Rússia. O que deveria fazer, diante disso, um chanceler bem informado? Em última instância, ficar calado até ver o resultado das eleições. E depois cumprimentar o eleito!

O que Serra vai fazer agora com relação a Trump? Se for esperto, vai fingir que não disse nada, esperando que a Embaixada americana não tenha traduzido sua patacoada para o inglês. Confessando-se um “democrata” de carteirinha nos Estados Unidos, o que não deixa de ser estranho para alguém que mora e faz política no Brasil, o chanceler do PSDB deve ter combinado com Temer uma reação morna à eleição de Trump, proclamando que o Brasil será relações “de Estado” com os Estados Unidos. É tudo que poderia ser dito por alguém que cometeu uma gafe catastrófica em política externa.

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Não culpo Serra por sua ignorância em política internacional. Isso acontece com 99% dos brasileiros que se informam a respeito pela grande imprensa. Os jornalões, supostos formadores de opinião, comportam-se como cidadãos internos dos Estados Unidos sem fazer qualquer esforço de imparcialidade no que diz respeito à situação internacional. O que o governo e o Departamento de Estado dizem é lei. O noticiário internacional das redes brasileiras é comandado dos Estados Unidos, ou, subsidiariamente, de Londres. Desta vez, o próprio William Bonner foi deslocado para Washington. A informação não é checada, mas simplesmente reproduzida. Poderia ser dada daqui mesmo via tevê.

Quando do assassinato brutal de Omar Kadafi, na Líbia, Hillary Clinton, então secretária de Estado, proclamou exultante numa entrevista coletiva, levantando os braços teatralmente: “Viemos, vimos e matamos”. Provavelmente deve ter sido menos dramática quando, tempos depois, assinalando a paisagem de terra arrasada que os países ocidentais produziram na Líbia, teve que anunciar a chacina do embaixador americano no país. A grande mídia, que tanto fala em liberdade de imprensa, não conseguiu apresentar um mínimo de imparcialidade ao anunciar esses eventos, simplesmente deixando arrastar-se pelo ponto de vista do Departamento de Estado ou do Pentágono.

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Agora teremos uma situação no mínimo curiosa. Cumprindo suas promessas de campanha, provavelmente Trump mudará a política americana em relação à Rússia. Não será surpresa se levantar as sanções econômicas em troca de alguma concessão simbólica, exceto, claro, a devolução da Criméia. O que a grande imprensa brasileira vai fazer? Vai continuar tratando Putin como um marginal da política internacional? Vai acolher a oposição a Trump que certamente virá por parte dos neoconservadores americanos? Ou vai meter o rabo entre as pernas e “descobrir”, finalmente, que alguém contra a guerra na Síria é melhor que uma valentona que acharia que poderia resolver tudo com fogo e sangue?

 J. Carlos de Assis             

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*O ministro Henrique Meirelles e o presidente do BC, Ilan Goldfajn, declararam a respeito da eleição de Trump que estão acompanhando tudo e que o Brasil “tomará todas as medidas necessárias”. Ah, sim. Isso é tranquilizador! Imagine a frustração desses simpatizantes dos neoliberais/neoconservadores com o resultado das urnas.

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