Será que o Sul Global conseguirá construir uma nova ordem mundial de informações e comunicações?
Os países europeus e norte-americanos desfrutam um quase-monopólio da informação
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.
Originalmente publicado no Tricontinental em 18/5/23. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247
Caros amigos,
Saudações do Tricontinental: Institute for Social Research É notável como as mídias em alguns poucos países seletos são capazes de estabelecer o padrão sobre temas em todo o mundo. Os países europeus e norte-americanos desfrutam um quase-monopólio da informação, as suas editoras de mídias são investidas de uma credibilidade e autoridade herdadas do seu status durante o período colonial (a BBC, por exemplo), bem como o seu comando da estrutura neocolonial dos nossos tempos (a CNN, por exemplo). Nos anos de 1950, as nações pós-coloniais identificaram o monopólio do Ocidente sobre as mídias e informações e buscam 'promover o livre fluxo de ideias através da palavra e da imagem', como declara a Constituição da UNESCO (Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas).
Como parte do Movimento dos Países Não-Alinhados, as nações e regiões da África, da Ásia e da América Latina desenvolveram as suas próprias e novas instituições nacionais e regionais: em 1958, um seminário da UNESCO realizado em Quito (Equador) levou ao estabelecimento de uma escola regional para treinar jornalistas e profissionais das comunicações em 1960 – conhecido como o Centro Internacional de Estudos Avançados sobre as Comunicações para a América Latina (CIESPAL); em 1961, um encontro realizado em Bangkok criou a Organização das Agências de Notícias da Ásia-Pacífico (OANA); e, em 1963, uma conferência realizada em Tunis criou a União de Agências de Notícias Africanas (UANA). Estas agências tentaram ampliar as vozes do Terceiro Mundo através das suas próprias mídias, mas também – sem sucesso – dentro das instituições de mídias do Ocidente. Em paralelo a estes esforços, na Conferência Geral da UNESCO de 1972, especialistas da União Soviética e da UNESCO de mais de uma dúzia de países propuseram uma resolução intitulada de 'Declaração de Princípios-Guia para o Uso de Radiodifusão via Satélite para o Livre Fluxo de Informações, Disseminação da Educação e Maior Intercâmbio Cultural', que conclamava as nações e povos para terem o direito de determinar quais informações são difundidas nos seus países. Como em outros esforços similares, este foi oposto pelos estados ocidentais, com os EUA no seu comando. Apesar de uma conferência após a outra, de Bangkok a Santiago, terem abordado seriamente a questão da democratização da imprensa, esta oposição significou que poucos avanços foram possíveis.
Nos anos de 1970 e 1980, estes esforços se uniram no movimento para construir uma Nova Ordem Mundial de Informações e Comunicações para tratar dos desequilíbrios globais entre países desenvolvidos e em desenvolvimento nesta esfera. Esta ideia exerceu influências na Comissão Internacional da UNESCO para o Estudo de Problemas de Comunicação, ou a Comissão MacBride, estabelecida em 1977 e chefiada pelo político irlandês laureado do Prêmio Nobel Sean MacBride, que produziu um relatório importante e pouco lido sobre o tópico (Many Voices, One World, 1980). Em 1984, os EUA se retiraram da UNESCO, em resposta a estas iniciativas. A privatização das mídias nos anos de 1980 acabou matando todas as tentativas do Terceiro Mundo para criar redes soberanas de mídias – mesmo onde estas redes fossem anticomunistas (como no caso da Rede de Notícias da Ásia-Pacífico, estabelecida em 1981 em Kuala Lumpur, Malásia).
No entanto, este sonho de um fluxo livre de informações foi revivido em anos recentes pelo movimento do Sul Global, frustrado pela quase total ausência das suas visões nos debates internacionais e pela imposição de uma visão de mundo estreita e estrangeira sobre os seus países sobre os dilemas que ele enfrentam (guerras e fome, por exemplo). Como parte desse renascimento, centenas de editores e jornalistas do Sul Global se reuniram em Xangai (China) no início de maio para o Fórum do Sul Global para as Comunicações Internacionais. Ao final de dois dias de intensos debates, os participantes elaboraram e votaram o Consenso de Xangai, que pode ser lido no seu texto global abaixo.
Promovendo a Construção da Nova Ordem Mundial de Informações e Comunicações do Século XXI
Nos anos de 1970, como parte do processo do Movimento dos Países Não-Alinhados para estabelecer uma Nova Ordem Econômica Internacional, as nações do Sul Global, juntamente com a UNESCO, tentaram estabelecer uma Nova Ordem Mundial de Informações e Comunicações. Esta tentativa foi destruída pela ascensão da hegemonia neoliberal durante os anos de 1980. A onda de globalização neoliberal se acelerou devido à crise da dívida do Terceiro Mundo e a morte da União Soviética. O Ocidente estabeleceu uma 'ordem mundial baseada em regras' para mascarar as suas estruturas neocoloniais e ações imperialistas. Samir Amin argumentou que a estrutura neocolonial está construída sobre 'cinco controles': sobre as finanças, os recursos naturais, a ciência e a tecnologia, as armas de destruição de massa e as informações.
Hoje em dia, apesar de alguns destes monopólios terem se afrouxado, a estrutura desigual das informações e comunicações não só permaneceu sem mudanças, mas também se tornou mais severa. O paradigma teórico dominante sobre a produção de informações e comunicações segue sendo centrado no Ocidente e a academia e as mídias do Sul Global carecem de mecanismos para gerar ideias e uma estrutura que vá além da perspectiva centrada no Ocidente.
Nós assinalamos a prevalência das estruturas neocoloniais, em particular nas mídias, controladas pelo Ocidente. Estas mídias são incapazes de articular os desafios enfrentados pelos povos do mundo, ou de comunicar, ou discutir eficazmente o desenvolvimento viável de estratégias, em particular para o Sul Global.
Os imperialistas estadunidenses e os seus aliados usam as mídias como armas, lançando guerras de informação contra países da Ásia, da África e da América Latina. Se o Sul Global tentar colocar a paz e o desenvolvimento na pauta, o Ocidente responde com guerra e dívida. Nas mãos dos monopólios de mídias ocidentais, a ordem das comunicações não é usada para promover a paz mundial, mas para exacerbar a divisão humana e o risco de guerra.
Os imperialistas estadunidenses e os seus aliados usam a hegemonia das mídias para distorcer os belos conceitos de democracia, liberdade e direitos humanos. Eles atacam outros países sob o pretexto da democracia, da liberdade e dos direitos humanos, enquanto permanecem em silêncio sobre o atropelamento da democracia, da privação da liberdade e dos direitos humanos.
Tecnologias digitais como a Internet, big data e inteligência artificial, que deveriam servir ao bem-estar humano, são usadas por alguns gigantes da mídia ocidental e plataformas monopolistas para dominar a produção e a disseminação de informações e bloquear vozes que diferem de suas pretensões. Dadas essas circunstâncias, acreditamos que é essencial que intelectuais e profissionais de comunicação do Sul Global e simpatizantes do Sul Global revivam o espírito da Conferência de Bandung de 1955 e do Movimento dos Não Alinhados (criado em 1961), respondam à Iniciativa de Civilização Global (2023) e estabeleçam a solidariedade internacional por meio da teoria e da prática das comunicações.
Nós acreditamos que seja essencial para os intelectuais do Sul Global e seus simpatizantes que promovam a síntese teórica a produção acadêmica do Sul Global (especialmente nas arenas da história e do desenvolvimento), que se engajem em trocas acadêmicas e colaboração, e que formem uma teoria das comunicações a partir da perspectiva do Sul Global.
Nós acreditamos que é essencial que as mídias progressistas do Sul Global e seus simpatizantes formem uma rede de distribuição, produção e disseminação de conteúdos diversificados, que compartilhem conteúdos e experiências de mídias, e estabeleçam uma frente unida internacional de comunicações contra o imperialismo e o neocolonialismo para defender a paz e o desenvolvimento.
Nós acreditamos que é essencial que o Fórum Internacional de Comunicações do Sul Global seja realizado anualmente, a fim de construir uma rede e uma plataforma diversificada e multilateral para o diálogo e intercâmbio entre intelectuais e profissionais das comunicações. Esta rede e plataforma servirão como uma base para várias formas de colaboração com governos, universidades, think-tanks, mídias e outras instituições.
A missão histórica da Nova Ordem Mundial de Informações e Comunicações não foi cumprida, nem foi erradicado o espírito subjacente à mesma. O anti-imperialismo e o anti-colonialismo ainda formam o consenso no novo Movimento Não-Alinhado. Trabalhemos juntos, baseados neste alicerce, para promover a construção de uma Nova Ordem Mundial de Informações e Comunicações do século XXI, para benefício da humanidade.
Nós, do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, estamos de acordo com a necessidade de promover a Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação e reviver o sonho do livre fluxo de ideias. Esse esforço se baseia em iniciativas do passado, como o Pool de Agências de Notícias Não-Alinhadas, formado pela agência de notícias iugoslava Tanjug em 20 de janeiro de 1975, que reuniu onze agências de notícias. Em seu primeiro ano de operação, as agências compartilharam 3.500 histórias; uma década depois, havia sessenta e oito agências de notícias na rede. Embora o Pool de Agências de Notícias Não-Alinhadas esteja extinto, a ideia por trás dele continua sendo vital. A recente conferência em Xangai faz parte da nova conversa para criar novos pools, novas redes e novas mídias, organizações ancoradas como a Peoples Dispatch e projetos de mídia com ideias semelhantes.
Calorosamente,
Vijay
iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popularAssine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:
Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.
Comentários
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247