Será que estamos sendo justos com Dilma?
Hoje há combate de verdade à corrupção, inclusive àquela incrustada dentro do PT e do governo. Antes, não havia combate à corrupção, sobretudo aquela que contamina o poder
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A corrupção voltou ao centro da luta política. Não temos, portanto, como fugir a um debate franco e duro sobre o tema.
O governo é corrupto?
O PT, o partido do governo, é corrupto?
Antes, porém, de entrar nesse debate, gostaria de fazer alguns comentários sobre essa volúpia, à esquerda e à direita, em malhar o governo, o PT e a presidenta Dilma.
A volúpia nasce da constatação do que consideramos erros, mas também desse instinto igualitarista tão próprio da democracia: ao criticar, como que reduzimos a desigualdade de poder entre o governado e o governante.
O governante pontifica lá de cima, no palácio, dispondo de instrumentos de poder que nunca teremos. Nossa pequena vingança é criticá-lo impiedosamente. Ou mesmo xingá-lo. Daí resulta um processo inevitável de desgaste que afeta toda e qualquer administração.
Isso explica também as lágrimas de Dilma Rousseff, no dia seguinte àquela grande manifestação do dia 15 de março, em São Paulo.
Num discurso emocionado, a presidenta observou que nunca mais, no Brasil, alguém seria perseguido por criticar um governante, mesmo que duramente, mesmo que com palavras de baixo calão.
Seja como for, uma das grandes qualidades da nossa democracia foi a conquista dessa liberdade, para a qual contribuíram a sólida virtude democrática de todos os presidentes que tivemos, desde Sarney. Todos eles, com seus infinitos defeitos, jamais fizeram movimentos para tolher a liberdade da população de exercer o seu sagrado direito de criticá-los.
Essa não é uma virtude universal na classe política. Nos últimos anos, inúmeros prefeitos e governadores usaram seu poder para reprimir com truculência manifestações críticas às suas gestões. Os exemplos de José Serra e Aécio Neves são os mais conhecidos. Ambos ganharam a triste fama de criarem um sistema de repressão branca, baseado sobretudo na demissão de jornalistas e colunistas que fugiam do script de apoio incondicional que eles exigiam dos órgãos de imprensa locais. No caso de Aécio, a coisa foi ainda mais grave, com perseguição judicial e penal a um jornalista crítico a seu governo.
Por outro lado, a virtude democrática, de aceitação serena da crítica, na medida em que foi característica de todos nossos presidentes após a morte de Tancredo, não é mais um diferencial. Passou a ser, muito saudavelmente, uma obrigação de ofício. Continua a ser uma virtude, mas não merece mais nossa gratidão.
Até porque o governante, ciente de que suportar estoicamente a crítica mais virulenta é uma virtude, não pode recair no risco de se tornar tão cínico a ponto de se auto-elogiar pela suposta magnanimidade de permitir que seja criticado.
Em outras palavras, o governante não pode converter a crítica dura que setores sociais fazem a ele numa virtude pessoal.
No entanto, parece ser justamente isso que acomete Dilma Rousseff. Sua reação às críticas que lhe são feitas, à esquerda e à direita, parece ser a de um líder que, ao ouvir o populacho lhe xingando lá embaixo, olha-se ao espelho e se auto-elogia: eu sou tão democrata! Eu sou tão boa!
Eu sou tão generosa! Nem ligo para as pessoas que me xingam nas ruas! Eu lhes perdôo!
O autoritarismo, sorrateiramente, se infiltra e contamina a mais democrática das virtudes. A virtude de tolerar as críticas então se transforma no vício de lhes ser indiferente!
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A semana passada terminou razoavelmente positiva para o governo, o que significa que perdeu da mídia de oposição de uma goleada menor do que de costume.
A nomeação de dois novos ministros criou (embora involuntariamente, visto que o governo não planejou a demissão dos titulares anteriores) dois fatos positivos.
Edinho Silva criou um fato positivo por representar um pequeno ato de valentia do governo. Silva não é nenhum gênio de comunicação, e sua competência e coragem ainda serão postas à prova, mas apenas o fato do governo não ter nomeado, como queria a mídia, e como tem sido praxe desde o início do governo Dilma, uma pessoa “deles”, um profissional oriundo da própria mídia, um amiguinho de editores e repórteres, repercutiu bem de maneira geral. À esquerda, houve um estremecimento, do tipo: será que agora vai? À direita, outro tipo de arrepio, do tipo: ué, não tínhamos bebido todo o sangue do governo, como assim ainda restou um pingo de força e independência?
A nomeação do novo ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, por sua vez, ajudou a melhorar a imagem do governo. Dilma seguiu o conselho dos que lhe sugeriam trazer para o governo nomes com prestígio social.
Isso é fazer a batalha da comunicação.
Aliás, um amigo, o responsável pela comunicação do MST, o jornalista Igor Felippe, escreveu um texto, há pouco tempo, em que fala que o problema do governo não é a comunicação, mas a sua política, de maneira geral.
Ora, esse também é o erro do governo e do PT. De entender a comunicação como uma instância separada do todo. A comunicação é o todo.
Não se trata apenas do que as pessoas ouvem do governo, mas sobretudo aquilo que as pessoas vêem no governo. Neste sentido é que o anúncio de um novo ministro constitui um valioso instrumento de comunicação.
A nomeação de Janine foi positiva.
A de Katia Abreu, independente da possibilidade de ser uma boa ministra da Agricultura, representante do agronegócio, foi uma péssima comunicação. Quer dizer, foi um esforço de agradar um setor, mas não foi inteligente, porque não trouxe equilíbrio. Não houve planejamento enquanto comunicação.
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Vamos ao tema da corrupção, central no debate político de hoje.
Como dizia, a semana passada encerrou de maneira relativamente positiva para o governo também em função de uma nova grande operação da Polícia Federal, a Zelotes, contra grandes sonegadores.
A operação abre a oportunidade do governo retomar a narrativa da corrupção não mais como réu da mídia, mas como protagonista na luta contra a corrupção.
Entretanto, mais uma vez, o governo está perdendo a ocasião.
A presidenta Dilma tem um twitter com 3,3 milhões de seguidores. No momento em que eu escrevo, na manhã da terça-feira 31 de março, a última mensagem, de seis dias atrás, é uma nota fúnebre pela queda do avião da Germanwings.
Tenho criticado, com sarcasmo cheio de amargura, essa mania mórbida da equipe de comunicação de Dilma de transformar seu twitter em coleção de necrológios.
De seis dias para cá, a presidenta nomeou dois ministros, em cargos estratégicos, a PF iniciou uma operação impressionante, com capacidade de mudar a imagem do governo, e o twitter da presidenta lamenta a queda de um avião nos alpes suíços! Um problema que sequer diz respeito ao Brasil, quanto mais ao governo brasileiro!
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O Cafezinho não se pretende imparcial. Tento ser honesto, apenas. Acho bobagem, da mesma forma, a máxima de que “jornalista não pode ter amigo”. Esse é um dogma, me parece, inventado por donos de jornal, que podem ter amigos à vontade, mas querem que seus empregados ajam como robôs, sem vontade própria, seguindo exclusivamente as ordens e os ditames da redação.
Se um amigo cometer um crime que o jornalista considerar grave o suficiente, dê fim à amizade, e faça a denúncia.
Ou então, encaminhe o caso para outro profissional fazê-lo.
Pretender que o jornalista “não tenha amigos”, é uma violência, ou melhor, uma dessas máximas puramente hipócritas, porque é evidente que o jornalista terá os amigos que quiser, só que os ocultará de seus leitores ou mesmo de seus patrões.
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No entanto, o escopo do artigo de hoje é expressar uma coisa sobre a qual ando discutindo com alguns parentes nos últimos dias.
Uma das críticas pertinentes que se faz aos petistas é a seguinte: não tem sentido responder às acusações de corrupção apenas acusando o adversário de roubar também.
Então volto a fazer as perguntas do início do post: o PT é corrupto? O governo é corrupto?
Acho que, a esta altura, o eleitorado petista, que é vencedor (apesar do próprio governo não se dar conta, ou não demonstrar isso, ao não dialogar com ele), responde essas perguntas da seguinte maneira:
Sim, o PT tem e teve quadros envolvidos em corrupção. Em alguns casos, há manipulação da mídia, mas em outros, há corrupção concreta, ou omissão, ou cumplicidade.
O governo também. Há e houve corrupção no governo e nas estatais. Isso é inegável.
No entanto, esse eleitorado reage a essa acusação com os seguintes raciocínios:
1) Hoje há combate de verdade à corrupção, inclusive àquela incrustada dentro do PT e do governo. Antes, não havia combate à corrupção, sobretudo aquela que contamina o poder.
2) Entende que o outro pólo político, dos partidos antipetistas, não é melhor em termos éticos.
3) O outro lado, além de roubar mais, não investiga e não combate o roubo.
4) Além de ser corrupto, o outro lado não tem preocupação social, e não é confiável do ponto-de-vista do interesse nacional e do trabalhador.
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Eu fico meditando, às vezes, sobre como o futuro julgará os governos petistas em termos de ética.
Decerto não será o mesmo julgamento da imprensa partidária, nem da opinião pública contemporânea, mergulhada até o pescoço nas paixões políticas.
E aí eu fico pensando nesta ironia: o fato de termos, hoje, instituições que investigam o próprio governo e o partido no poder com total autonomia e independência; a elevação do investimento em instituições cujo orçamento estão sob sua responsabilidade (Polícia Federal, Controladoria Geral da União); a inauguração de sistemas de transparência; o respeito absoluto com que tratou da liberdade de imprensa; a escolha de ministros do Supremo que exerceram seu cargo com independência, ou até mesmo, em alguns casos, com parcialidade, contra o governo (sob pressão histerica da mídia).
Tudo isso não implicará numa imagem, na história, de um governo que permitiu ao Brasil olhar para si mesmo com muito mais honestidade?
Tudo isso não implicará, ironia das ironias, na imagem do governo que mais lutou contra a corrupção em nossa história?
Outro dia, o atual presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, deu entrevista ao Globo em que reagiu da seguinte maneira a uma pergunta do repórter, sobre abertura de inquérito sobre ele no Supremo Tribunal Federal:
“Globo: O senhor está tranquilo quanto às acusações dos delatores?
Cunha: Absolutamente tranquilo. (Meu advogado) falou que o (doleiro) Youssef fala que não me conhece. Que não tem absolutamente nada contra mim. Forçaram a barra do Youssef perguntando de mim, aí ele fala que ouviu do Júlio Camargo. Ele não me acusa de nada. Diz que não me conhece, não sabe nada de mim.
Globo: Mas seu nome foi incluído.
A partir de agora, estou em guerra aberta com o (procurador-geral da República, Rodrigo) Janot. Tudo é possível. Vamos ver até que nível que vai. Ele me escolheu. Está muito claro.
Globo: É o maior escândalo do país?
Além de ser inacreditável, foi o maior escândalo de corrupção do mundo. O que mais me incomoda é a gente olhar que tem um escândalo desse tamanho e achar que todo mundo está igual. É a percepção que passa quando abre um inquérito para um e para o outro que não roubou.
Globo: O senhor acusou o governo de atuar para te incriminar…
Eu já disse que tinha a mão do governo. Já acusei claramente.”
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É incrível a agressividade e o desrespeito de Cunha contra o procurador-geral e contra o Executivo.
Além disso, repare no oportunismo dele ao tentar jogar em favor da mídia, e classificar, ridiculamente, a Lava Jato como o “maior escândalo de corrupção do mundo”.
Cunha fala assim porque sabe que a mídia não se interessa em combater a corrupção, mas apenas em pegar o PT, porque, em caso contrário, ele seria mais cuidadoso com sua linguagem, visto que seu partido tem mais gente sendo acusada do que o PT.
Quando as paixões políticas amainarem, e for possível fazer uma análise serena dos governos petistas, veremos dois presidentes que enfrentaram crises terríveis sem agredir nenhuma instituição.
Nem Dilma nem Lula, mesmo no auge dos ataques furibundos que até alguns ministros do STF, embriagados pelos holofotes, fizeram a seu partido, jamais reagiram a truculência de um Cunha, jamais criaram um atrito entre as instituições.
Essa lhaneza petista jamais foi reconhecida pela imprensa.
Enquanto isso, que imagem, a nossa imprensa, que é o principal partido de oposição, terá no futuro?
Será a imagem de uma imprensa histérica, sensacionalista, que mentiu, manipulou, desrespeitou brutalmente direitos e liberdades de cidadãos?
Uma imprensa truculenta, que mesmo tendo enriquecido tanto durante o regime autoritário, não teve o pudor de, no regime democrático, respeitar o pluralismo político?
Uma imprensa que jamais esteve ao lado do povo, e que, quando este povo conseguiu eleger governos que se interessavam por sua sorte, fez de tudo para criminalizar e destruir esses governos?
Minha curiosidade pelo julgamento da história é tão grande que eu desejaria entrar numa máquina do tempo e viajar ao futuro, apenas para ler sobre o Brasil de hoje.
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