Senadoras deixaram exemplo inesquecível

"O protesto de sete horas das cinco senadoras foi um exemplo necessário de resistência," escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247. "Diante de novo desafio, a reforma da Previdência, a pergunta é saber por que não foi possível combinar a corajosa ação parlamentar com um movimento de massas mais vigoroso e articulado." Para PML, a aprovação da reforma trabalhista "contrariou de modo frontal a vontade expressa da maioria dos brasileiros, que condenava as mudanças por 5 votos a 1, o que é um fato sempre grave numa democracia e mostra o abismo imenso entre o Congresso e a população."

senadoras gleisi senado apagado luz
senadoras gleisi senado apagado luz (Foto: Paulo Moreira Leite)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

 

   Gleisi, Fátima, Regina, Katia e Vanessa. Nossa música está a espera de bons sambistas para cantar a proeza das cinco senadoras que eletrizaram o país com o protesto de sete horas na tarde ontem.

  Os leitores aguardam pelo livros capazes de explicar de onde elas vieram e o que pretendiam. Espero pelo trabalho de bons repórteres que irão investigar de onde trouxeram tanta coragem, tanta firmeza.

continua após o anúncio

   Na noite de ontem ocorreu uma derrota histórica dos trabalhadores e da vontade popular, quando o Senado derrubou a CLT por 50 votos a 26, numa proporção de 2 por 1. Era para ser uma votação banal, uma nova traição dos interesses populares por parte daqueles que se apresentam como representantes do povo.

   Nada de muito novo nem espetacular, sabemos nós. A atitude de Regina, Vanessa, Glesi, Fátima e Katia não deixou ninguém fingir que se vivia um dia normal em Brasília. 

continua após o anúncio

  Algo sempre grave numa democracia, se contrariou frontalmente, sem subterfúgios, uma opinião que os brasileiros manifestaram de modo claro, com ênfase.  

  Se tivesse ocorrido uma decisão  capaz de refletir a vontade expressa da população, não há duvida de que o resultado teria sido outro -- em torno de 60 votos a 16 contra a reforma, se, para não cansar o leitor,  ficarmos com a pesquisa DataFolha feita em maio, que registrou uma rejeição de 5 contra 1. A diferença matemática poderia ser um pouco menor, ou muito menor, ou mesmo inversa, considerando fatores e filtros que as pesquisas não levam em conta. Mas nunca se teria um placar folgado dessa forma.

continua após o anúncio

  Em 1984, quando o Congresso rejeitou as diretas-já, a vontade popular fez maioria -- mas a emenda foi derrotada porque não atingiu o quórum de dois terços. Claro que era outro momento, e outra luta. Havia um clamor nacional. A ditadura estava em derrocada, procurando um acordo para sair em retirada. Não é assim no Brasil de 2017, nós sabemos.

  Vivemos uma situação difícil de imaginar por padrões convencionais. O articulador do golpe na Câmara, seu verdadeiro protagonista, cumpre pena em Curitiba. O substituto de Dilma foi denunciado por corrupção e está com a cabeça a prêmio. Eunicio de Oliveira, presidente do Senado, responsável pela votação de ontem, era chamado de "Índio" nas planilhas da Odebrecht, onde Rodrigo Maia, hoje o candidato a candidato ao lugar de Temer, é chamado de "Botafogo". 

continua após o anúncio

  E mesmo assim, o grupo de conspiradores que assumiu o poder em maio-agosto de 2016 com a desculpa de que era preciso combater a corrupção e a ética, permanece invicto. A reforma trabalhista, que era um imenso desafio a ser enfrentado, em função da previsível resistência popular,  foi aprovada com dificuldades políticas mas  com folga aritmética.

  Os patrocinadores do golpe -- TV Globo em posição de frente, capital financeiro e império norte-americano em toda parte -- escolhem possíveis sucessores de Michel Temer, em caso de impeachment, como se fossem jurados que dão notas nos antigos desfiles de Miss Brasil. Até o momento, pelo menos, nem  querem saber o que o povo pensa a respeito.   

continua após o anúncio

    A luta em defesa da CLT --  questão que divide a sociedade como toda questão onde os interesses de classe aparecem de modo nítido -- formou uma maioria ampla, indiscutível, mesmo sem envolver, por motivos óbvios e excludentes, o patronato e sua clientela. Vamos deixar claro. A criação da CLT, em 1943, foi obra de Getúlio Vargas, então ditador do Estado Novo, que impôs uma legislação de trabalho atualizada para um empresariado que se mantinha apegado a regras tacanhas do tempo em que a questão social era uma continuidade da escravidão -- e por isso chamada de caso de polícia, a se resolver no cassetete. 

   Ao determinar o apagar das luzes da instituição, o "Índio" da Odebrecht não só agiu em nome da lealdade política e de classe, mas também pelo interesse particular. Como prestador de serviços à administração federal -- R$ 700 milhões anuais de faturamento --, onde os atalhos da informalidade são formalmente vetados,  terá benefícios diretos com a flexibilização das leis trabalhistas.

continua após o anúncio

 A escuridão provocada pelo "Indio" ajudou a iluminar abismo entre o Congresso brasileiro e a maioria da população,  que ouviu com atenção as vozes de Katia, Vanessa, Fátima, Gleisi e Regina -- como era possível testemunhar em aparelhos de TV ligados em bares e restaurantes populares de São Paulo na tarde de ontem.  

 No final, a votação retratou uma maioria artificial grotesca, que os brasileiros irão amaldiçoar toda vez que forem  confrontados com a perda de direitos que a reforma implica. Podemos esperar surpresas, muito mais desagradáveis do que se imagina, num país onde o monopólio  dos meios de comunicação não conseguiu convencer a população a ficar a favor reforma -- mas foi capaz de esconder a gravidade de seus danos e prejuízos. 

continua após o anúncio

   Diante de outra reforma, da Previdência, fica uma pergunta: entender por que não foi possível combinar a ação das senadoras com um movimento de massas articulado, capaz de mostrar sua força e defender interesses que o Senado  derrotou de forma devastadora.

    Sabemos que, no mundo inteiro, a luta em defesa de direitos sociais é inseparável da mobilização de rua. Em situações de crise e aperto, quando as instituições são chamadas a se alinhar com seus senhores de origem, a luta popular possui um papel decisivo.

    Em 2017,  a mobilização contra as reformas atingiu seu ápice em 28 de abril e enfrentou uma queda relativa em 30 de junho, produzida por uma ação combinada de fatores adversos. A  adesão da Força Sindical e da UGT às negociações com Michel Temer levou ao enfraquecimento e divisão de um movimento que se mantinha unitário até ali.

     Vários governos estaduais -- a começar por Geraldo Alckmin, em São Paulo -- foram para cima de funcionários e entidades que haviam cruzado  os braços na greve anterior.

     Concordo com Clemente Ganz Lucio, diretor técnico do DIEESE, que disse  ao 247 que o governo e os empresários foram capazes de dar um "golpe de mestre" para desmobilizar  as principais lideranças que poderiam combater a reforma trabalhista. "Num esforço claro para esconder o sentido real da reforma, eles (os empresários e o governo)  apresentaram um primeiro projeto despretensioso, com poucas medidas, para não chamar a atenção. Parecia mais uma entre tantas discussões sobre a CLT e ninguém ligou. De surpresa, quando ninguém mais prestava atenção, apareceu um segundo projeto, com mais de 100 artigos e 200 dispositivos". Com a iniciativa do debate, controlando a verdadeira pauta da discussão, o  governo e seus aliados tiveram mais facilidade para quebrar uma ação de resistência com a envergadura que a proposta exigia.

    

   

  

     

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247