Sem Temer no polo passivo, não há impeachment

Em sendo o litisconsórcio, matéria de ordem pública, pode ser alegado pela defesa e a comissão que analisará o pedido de impeachment deverá de plano, ou em qualquer fase do processo, verificando a ausência de citação de litisconsorte necessário deve: declarar a ineficácia absoluta da sentença caso ela tenha sido prolatada

Brasília - O vice-presidente da República e presidente nacional do PMDB, Michel Temer, participa do Congresso da Fundação Ulysses Guimarães e do PMDB, em Brasília (José Cruz/Agência Brasil)
Brasília - O vice-presidente da República e presidente nacional do PMDB, Michel Temer, participa do Congresso da Fundação Ulysses Guimarães e do PMDB, em Brasília (José Cruz/Agência Brasil) (Foto: Pedro Maciel)


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No dia 15 de outubro os advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Junior e Janaína Paschoal a serviço dos herdeiros da UDN e de outros desqualificados, levaram ao protocolo da Câmara dos Deputados, pedido de impeachment, foi um segundo pedido, pois a primeira versão firmada pelos mesmos advogados (tratados pela imprensa e pela oposição imerecidamente como Juristas) foi considerada frágil pelos técnicos da Câmara dos Deputados.

Então os advogados elaboraram um novo pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff e incluiu as chamadas "pedaladas fiscais" (prática de atrasar repasses a bancos públicos a fim de cumprir as metas parciais da previsão orçamentária) realizadas também em 2015, além daquelas de 2014.

Já escrevi que a avaliação dos tais juristas que assinam o pedido de impeachment, é uma estupidez jurídica, mas há um aspecto dessa segunda versão que não tem merecido atenção: a petição inicial apresentada é inepta[1] pois da causa de pedir não decorrem logicamente os fatos e, em não sendo corrigida, todos os atos deverão ser declarados ineficazes ou nulos e ela deverá ser extinta.

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O que é uma petição inepta? Bem, Pontes de Miranda ensina que a petição inicial é instrumento de que o autor do pedido sobre o qual se funda a ação utiliza-se para que o Estado preste, efetivamente, a tutela jurisdicional, o que ocorre através da sentença.

Fundamentalmente, é através da petição inicial que são traçados os limites da atividade do juiz, no caso do processo do impeachment a Câmara dos Deputados e o Senado são o Juiz do processo. A petição inicial determina o conteúdo da resolução judicial em geral, assim como haverá de determinar no caso de eventual julgamento do processo de impeachment. É o princípio da congruência dos pedidos dispostos na peça inaugural do processo com o teor da futura sentença, figurando petição inicial e sentença como dois extremos da via processual, concluindo uma das fases do processo.

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Em razão de a petição inicial ser, ao lado da resposta do réu e da sentença, uma das peças mais importantes do processo, a legislação processual exige que sejam preenchidos certos requisitos inafastáveis para o regular andamento do processo. Estão eles apontados no art. 282, do Código de Processo Civil brasileiro.

Nessa linha é de se ressaltar a natureza publicista norteadora da petição inicial, tendo em conta que não resta ao autor da demanda escolha em observar ou não alguns daqueles requisitos, mas a petição inicial do impeachment não atendeu aos requisitos, ou pelo menos um deles. E como a presença de todos os requisitos é essencial, pois se trata de norma cogente e de aplicabilidade imperativa pelo autor e pelo juiz, a petição do impeachment é inepta e deve ser arquivada de plano. Um dos requisitos diz respeito às partes do processo[2].

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O pedido de impeachment deve ter no pólo passivo também o vice-presidente Michel Temer, pois segundo o inciso III do artigo 282 do CPC temos os fatos (causa de pedir próxima) e fundamentos jurídicos (causa de pedir remota- autorização e a base que o ordenamento dá ao autor para postular sua pretensão), ou seja, a causa de pedir (que é o objetivo a ser perseguido com o ajuizamento do pedido de impeachment) está relacionada à assinatura de decretos que abriram crédito suplementar; prática adotada pela presidente Dilma Rousseff e também pelo vice-presidente Michel Temer no exercício da Presidência, em sendo assim ele deve ser obrigatoriamente parte no processo, sob pena de ineficácia de todos os atos jurídicos.

 

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Esses são os fatos narrados na segunda versão do pedido de impeachment e a narração dos fatos deve ser clara e precisa e, logo após essa narração, devem ser apresentados os fundamentos jurídicos que dão suporte ao pedido do autor. O Brasil adota a teoria da substanciação, em que a causa de pedir é representada pelo fato a embasar a pretensão do autor. 

 

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Durante o curso do processo o pedido e a causa de pedir são imutáveis, porém pode-se incluir explícita ou implicitamente a causa superveniens. Sendo a causa de pedir a assinatura de decretos que abriram créditos suplementares e tendo em vista que esses decretos foram assinados pela presidente e pelo vice-presidente no exercício da presidência estamos diante de um litisconsórcio passivo necessário[3], pois se normalmente há nos processos um autor litigando contra um réu, disputando sobre um unia lide, ou objeto litigioso, a respeito da qual existem questões, sejam de fato ou de direito, ou ambas as espécies. Poderá haver um autor contra um réu e mais de uma lide[4], para o que há um regime e obediência há requisitos especiais.

O significado de pluralidade de partes é representativo de que, em certos processos, vários litigantes encontram-se num dos pólos da relação jurídica processual, existindo entre eles certo grau de afinidade, variável em sua intensidade, sob múltiplos aspectos[5].

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Litisconsórcio necessário – artigo 47 do CP.

Haverá litisconsórcio necessário por disposição da lei ou pela natureza da relação jurídica e, diante de tais hipóteses todos os litisconsortes hão de ser citados, tendo em vista a hipótese legal da segunda parte do artigo 47 do CPC, in verbis“...; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo” é o caso do pedido de impeachment, sem Michel Temer no pólo passivo o pedido é potencialmente ineficaz ou nulo.

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Assim, em nenhuma hipótese o juiz, no caso do impeachment a Câmara dos Deputados, poderá dispensar a formação do litisconsórcio quando a lei processual ou a natureza da relação jurídica assim determinar, e deverá fazê-lo ex officio, como determina o artigo 47, parágrafo único do CPC, o que, segundo o Professor ARRUDA ALVIM “independe de requerimento” [6].

Aliás, essa é a orientação da 2ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação 236.404, Relator: Desembargador Geraldo Roberto, votação unânime de 17.12.74; bem como da 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Resp 43.531-SP, rel. Ministro Eduardo Ribeiro, j. 6.4.94, v.u., DJU 23.5.94 orienta que: “(...). Ainda em caso de litisconsórcio necessário, o juiz determinará que o autor promova a citação. Se não o fizer, extingue-se o processo, mas não será forçado a contender com quem não queira”.

Em não sendo observada a regra do artigo 47 do CPC, ou seja, em não sendo formado o litisconsórcio passivo necessário, seja por omissão da parte autora, ou por omissão do juiz a eventual sentença prolatada não tem eficácia, pois a desconsideração da existência de litisconsórcio conduz à nulidade do feito, esse é o entendimento do STJ – Superior Tribunal de Justiça[7].

Embora não haja previsão legal quer taxativa, quer exemplificativa, na lei material ou processual, salvo o artigo 47 do CPC, toda vez que uma ação, pela natureza jurídico-material da relação jurídica a ela subjacente, tiver de ser proposta contra vários réus, porque a sentença haverá de dar sorte igual no plano do Direito Material aos litisconsortes, como exemplificativamente, é o caso de embargos de terceiro quando tanto o embargante, quanto os executados afirmam-se proprietários do bem ou direito penhorado, haverá litisconsórcio necessário-unitário, pois, se em regra, a pessoa legitimada para compor o pólo passivo dos embargos de terceiro é aquela que deu ensejo à constrição judicial sobre o bem ou direito objeto dos embargos, em determinadas situações, esse pensamento deve ser ampliado para abranger outras pessoas que poderão ser atingidas pela decisão judicial.

Isso porque no litisconsórcio necessário por disposição de lei, deve atentar-se tanto à lei processual, que dispõe genericamente, sobre o litisconsórcio [8]quanto à lei material ou processual[9]

No litisconsórcio decorrente da indispensabilidade da propositura da demanda contra todos, porque todos estejam ligados à relação jurídica, a lei processual dispõe que, toda vez que a sentença tenha, à luz dessa hipótese, necessariamente, que produzir efeitos em face de diversas pessoas todas deverão ser citadas. Nesse caso, o que incumbe ao juiz é verificar se todos aqueles que serão afetados pela sentença, de modo uniforme, num ou em ambos os pólos do processo, estão no processo. Inocorrendo isto, deverá determinar a respectiva integração ao processo, mesmo ativamente; e passivamente, pro certo, sob pena de não cumprida essa determinação in tempore[10], vir a dar pela extinção do processo, sem julgamento de mérito.

Não se pode perder de vista que nos casos de litisconsórcio necessário (simples ou unitário), a participação de todos os litisconsortes no processo é indispensável [11]; afinal, se há comunhão de interesses entre vários litisconsortes, se os efeitos da sentença haverá de repercutir sobre direitos de várias pessoas todas devem figurar no pólo respectivo, ou, como relatou o Ministro Carlos Madeira:“Há litisconsórcio passivo necessário quando existe comunhão de interesse do réu e do terceiro chamado à lide[12].

Os efeitos da sentença proferida sem a citação dos litisconsortes necessários.

Mas, quais seriam os efeitos da sentença proferida sem a presença de todos os litisconsortes necessários?

Bem, a doutrina e a jurisprudência[13] afirmam que é ineficaz a sentença proferida sem a presença de todos os litisconsortes.

Incontroverso, portanto, que nas hipóteses desconsideração ou inobservância de litisconsórcio necessário, não tendo sido o litisconsorte necessário citado e nem tendo ele comparecido ao processo, a sentença é ineficaz em relação a ele, subsistindo, ipso facto, o direito de opor-se erga omnes[14].

E os Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery[15] quando comentam sobre a eficácia da sentença proferida sem a citação dos litisconsortes necessários afirmam que: “Eficácia da sentença. Caso e trate de litisconsórcio necessário, todos os litisconsortes devem ser citados para a ação, sob pena de a sentença ser dada inutilmente (inutililer data), isto é, não produz nenhum efeito, nem para o litisconsorte que efetivamente integrou a relação processual como parte. A sentença dada sem que tenha sido integrado o litisconsórcio necessário, não precisa ser rescindida por ação rescisória, porque é absolutamente ineficaz, sendo desnecessária a sua retirada do mundo jurídico”.

Então, a sentença prolatada sem a integração, através da citação válida, do litisconsórcio necessário, s.m.j., não seria apenas o caso de ineficácia apenas em relação a ele, mas de ineficácia absoluta da sentença e de nulidade do processo em que não foi citado o litisconsorte necessário.

A corroborar o entendimento de nulidade do processo tem-se farta jurisprudência: “É nulo “ab initio” o processo em que não foi citado litisconsorte necessário[16] devendo ser extinto [17].

A falta de citação dos litisconsortes necessários acarreta a nulidade do processo[18], e sendo assim não há necessidade de rescisão por ação rescisória ou mesmo ação anulatória, em razão, repita-se da inutiller data.

No mesmo sentido o Doutor Paulo Gilberto Gogo Leivas, Procurador Regional da República, nos autos da Apelação Cível No. 2004.04.01.054583-6, 6ª. Turma, do TFR da 4ª. Região em seu parecer opinou pela nulidade do feito, e sugeriu a remessa dos autos ao 1º. Grau para citação dos litisconsortes necessários e prolação de nova sentença.

E não é só. A questão aqui tratada é de ordem pública e, portanto não é atingida pela preclusão[19].

Assim, em sendo o litisconsórcio, matéria de ordem pública, pode ser alegado pela defesa e a comissão que analisará o pedido de impeachment deverá de plano, ou em qualquer fase do processo, verificando a ausência de citação de litisconsorte necessário deve: declarar a ineficácia absoluta da sentença caso ela tenha sido prolatada; deve declarar a nulidade de todo os atos do processo e dos efeitos produzidos até então, para que o Autor emende a inicial e inclua no pólo passivo todos aqueles que poderão ser atingidos pela decisão judicial, em não atendendo a lei o processo deve ser extinto.

                 



[1] Artigo 295 – CPC - "Parágrafo único. Considera-se inepta a petição inicial quando: I - lhe faltar pedido ou causa de pedir; II - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; III - o pedido for juridicamente impossível; IV - contiver pedidos incompatíveis entre si."

 

[2] Artigo 282, II do CPC.

[3] Pode haver também mais de um autor (litisconsórcio ativo), ou, então um autor contra vários réus (litisconsórcio passivo), ou ainda, haver vários autores contra vários réus (litisconsórcio misto, designação que nos é apresentada pelo Professor ARRUDA ALVIM no MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, vol. II, Processo de Conhecimento, 3ª. Edição, refundida, e. RT). Trata-se do instituto do litisconsórcio, cuja característica marcante é a existência de pluralidade de partes, num mesmo pólo do processo, ou em ambos os pólos do processo.

[4] conforme artigo 292 do CPC

[5] conforme artigos, 46, I/IV e 47 do CPC.

[6] MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, p. 50.

 

[7] RT 827/218

[8] artigo 47 do CPC

 

[9] exemplo disso é o que dispõe o artigo 942 do CPC

 

[10] arts. 47 parágrafo único, e 267, XI do CPC

 

[11] TJMG, in Jurandir Nilsson, Repertório, em. 41 p. 62

[12] STJ-2ª. Turma, Ag. 107.4-2AgRg-SP, rel.min. Carlos Madeira, j. 28.2.86, negaram provimento, v.u., DJU 21.3.86, p. 3.962.

 

[13] TJSP – 6ª. C. Civ. – Ap. 235.807 – São José do Rio Pardo – Rel. Dimas R. de Almeida – v.u. – 9.8.74, RTJ 95/742; RT 508/202; Jurisprudência Mineira 59/26 e 73/63, in ARUDA ALVIM, ob. cit., vol. II p. 52.

 

[14] RTJ 104/830, RE 96.696; RTJ 108/72, ERE 96.696.

 

[15] no CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, COMENTADO, e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor, 6ª. Edição revista e atualizada de acordo com as leis 10.352 e 10.358/2001, atualização até 15.03.2002, ed. RT, p. 350

 

[16] RTJ 80/611, 95/742, RSTJ 30/230,RTESP 113/222, RTFR 102/163, RT 508/202

[17] RF 312/147

[18] RT 524/119, RT 505/227; JM 59/26

[19] RP 41/237.

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