Sem conexão com Manhattan

Diogo Mainardi engordou o discurso que ajudou o Brasil a chegar onde se encontra. Agora quer se desvencilhar dele. É tarde. Sua grosseria está em conexão com tudo de ruim que nos apavora nos dias que correm



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Já fui, um dia, assinante da Veja. Ó leitor, meu semelhante, meu igual, dá-me o desconto dos vinte e poucos anos. Havia um professor na minha cidade que considerava a revista o suprassumo da arte de escrever e recomendava seus textos para os alunos nas aulas de redação. Destacava, sobretudo, a página final com o ensaio de Roberto Pompeu de Toledo.

Meu namoro acabou depois da famigerada capa “Cazuza uma vítima da Aids agoniza em praça pública” (1989).  Cheio de brios juvenis, mandei uma carta furibunda à redação. Minha veemência ganhou a lata de lixo. Não a da história, mas a da sala de algum editor. A assinatura foi-se. Ainda guardo alguns exemplares. Afinal, o papel, mesmo velho, é lindo. Ainda mais com Chico Buarque, nas páginas amarelas, onde ficavam as entrevistas, a dizer que “música com política aborrece”.

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Diogo Mainardi fazia parte da equipe. Dele ficaram-me apenas dois textos. O primeiro, uma crítica ao romance Benjamin, de Chico Buarque (1995), que ele considerou, contrariando a ressonância da maioria dos críticos, uma “roleta-russa com balas de festim”. O segundo, uma crítica à mania que nós, brasileiros, temos de exaltar a palavra saudade, proclamando que ela só existe em língua portuguesa; a representante única, entre todos os países, para o sentimento causado pela distância. Ele escreveu que havia palavras mais interessantes, como “peteleco”. Não me lembro se incluiu “pereba” em sua lista.

A vida seguiu, a revista saiu das minhas prioridades de leitura. Muitos anos depois, quando ouvi falar em Diogo Mainardi, sua condição era outra:  morador em Veneza e integrante do programa Manhattan Connection, que teve em Paulo Francis sua maior referência, na fase em que ele se tornara personagem de si mesmo. 

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Sempre achei estranho aquele grupo álacre e fagueiro, tão longe, de nós distante, sempre receptivo à realidade americana e falando dos males do Brasil. Não nos esqueçamos que Paulo Francis assinava para a Folha de São Paulo uma coluna intitulada “Diário da corte”. Lembro-me que usava a palavra Jeca como definição preferida para José Sarney e seu governo.

Recentemente, como atestado da indigência por que passa o Brasil, Diogo Mainardi virou notícia pela forma com que tratou Fernando Haddad e o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, no programa que já esteve na grade da GNT e da Globo News e, este ano, integra a da TV Cultura. Não vou entrar em detalhes sobre os dois episódios amplamente divulgados. O segundo, no entanto, teve uma ressonância bem maior, pois nele aconteceu uma cena “nunca dantes vista na história desse país” no tocante à   postura de um entrevistador na TV. Agindo como um moleque no recreio ou um tresloucado torcedor de futebol, Diogo foi capaz de superar Orestes Quércia, quando proporcionou, em 1994, na condição de entrevistado, a famosa treta com o jornalista Rui Xavier, no programa Roda Viva, por conta de ser um dos candidatos  nas eleições presidenciais daquele ano.

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 O ex-mandatário de São Paulo, incomodado com a pergunta sobre seu enriquecimento ilícito, perdeu as estribeiras e atacou o jornalista, nos sete minutos da resposta, até onde pude contar, com essa sequência: mentiroso (13 vezes); caluniador (15); safado (16), canalha (13), malandro (5) e mistificador (1). Ainda temperou tudo com dois “cala a boca! ”.  O desespero do âncora, Heródoto Barbeiro, para conter a tempestade verbal do “doutor Quércia” também merece constar na ata dessas frias memórias.

Não sei se haverá alguma providência por parte da direção da emissora que um dia foi Cultura, contra o “vá tomar no c*”, retirado, como disse o boquirroto Mainardi, da etiqueta de Olavo de Carvalho, o maluco sem beleza. Uma emissora que, em tempos idos, deu uma contribuição substancial na perspectiva de negar que, em nome do Ibope, tudo deva ser regido pela apologia à imbecilidade, tem a oportunidade de se acertar.  

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Diogo Mainardi engordou o discurso que ajudou o Brasil a chegar onde se encontra. Agora quer se desvencilhar dele. É tarde. Sua grosseria está em conexão com tudo de ruim que nos apavora nos dias que correm. Não precisamos, como Drummond, “dinamitar a ilha de Manhattan”, mas podemos, em relação ao programa, não lhe dar Ibope enquanto tal indivíduo figurar nele com sua baba raivosa. Ali tudo vai bem, desde que o convidado não resolva tirar do pedestal o que restou do ex-juiz fã de “Edith Piá”, um dos artificies para a balbúrdia que ora reina no país da gripezinha. Essa opção jornalística, convenhamos, não tem o valor de uma pipoca. 

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