Sem comando, Brasil perde a luta contra a pandemia
"A chegada da pandemia pilha o país sem comando político, com o Estado enfraquecido, junto a todos os serviços de saúde a começar pelo SUS, com o governo desmoralizado frente à população – nas piores condições para enfrentar um desafio como o colocado pela pandemia", escreve o cientista político Emir Sader
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A luta contra a pandemia, como toda grande luta, é uma luta política. Não no sentido de disputa político-partidária ou eleitoral ou de disputa menor entre supostas lideranças políticas.
É uma luta política no sentido de que, antes de tudo, só mobilizando todas as forças do país, conseguirá ser enfrentada com sucesso. Política, porque para isso precisa de um comando forte, claro, respeitado pelo país. Política, no sentido de definir sua prioridade máxima em relação a todas as outras atividades nacionais, que precisa dos recursos, da atenção, do pessoal, das condições de ação, da mobilização da vontade nacional para enfrentar e triunfar nessa luta.
Antes da pandemia, o governo Bolsonaro já havia fracassado. O balanço do primeiro ano no plano econômico – prioritário para o governo – tinha sido desastroso. Apesar da criação das melhores condições para os empresários investirem, com desregulamentações, com polpudos recursos econômicos, com violação brutal dos direitos dos trabalhadores, com prioridade escandalosa a favor do capital especulativo, contra o produtivo e os trabalhadores, o balanço do primeiro ano foi catastrófico. Crescimento zero, desemprego de 12 milhões de pessoas, 38 milhões na precariedade, fome, miséria, gente abandonada nas ruas em aumento exponencial. Ninguém previa nada melhor para o segundo ano.
O estilo de ação totalmente inadequada para o cargo, a incapacidade de unir sequer os que o haviam apoiado e eleito, a falta de capacidade de manter uma maioria no Congresso, os ataques ao Judiciário, ao Parlamento, aos meios de comunicação, à oposição, a países fundamentais para o país, como a China, a péssima relação com os países vizinhos, a adesão subalterna vergonhosa aos Estados Unidos – tudo havia levado à condenação ao presidente por sua incapacidade de governar o país.
A chegada da pandemia pilha o país sem comando político, com o Estado enfraquecido, junto a todos os serviços de saúde a começar pelo SUS, com o governo desmoralizado frente à população – nas piores condições para enfrentar um desafio como o colocado pela pandemia. Uma batalha por si só difícil, que necessita de tudo o que o Brasil tem de melhor para ser enfrentada em condições de superá-la.
As debilidades de Bolsonaro e do seu governo ameaçam ser fatais para o desenlace desta batalha. Os serviços médicos brasileiros se comportam de maneira heroica, exemplar, sacrificando-se em condições difíceis e temerárias de trabalho. O SUS volta a se impor como o maior instrumento de luta contra as ameaças que os brasileiros sofrem.
Mas o Brasil está perdendo a luta contra a pandemia, por falta de comando político. Ao invés de priorizar essa luta por sobre qualquer outra coisa, Bolsonaro se concentra em enfraquecer a vontade nacional de resistência contra a pandemia, com comportamentos irresponsáveis, com chamados contra o isolamento social, com desvio da ação para disputas menores, que ao invés de fortalecer o comando na saúde pública, o enfraquece, no meio da batalha, demonstrando que mesmo como militar que ele diz se orgulhar de ser, é um militar vagabundo, que não se impõe sobre suas próprias tropas, que divide em lugar de unir, que desmoraliza ao invés de fortalecer moralmente os brasileiros, que desvia a atenção da máxima prioridade para temas menores, que lhe interessam como político de quinta categoria, que não sabe o que é governar, comandar, presidir o Brasil.
Ela não está à altura da dimensão do debate que o Brasil enfrenta e, por isso só, já mereceria ser afastado da presidência do país. Porque ele sabota ao invés de fortalecer a luta contra a pandemia. Porque cinicamente, ele, que produziu e manteve o desemprego e a precariedade – temas que nunca foram sequer mencionados por ele antes da situação atual -, tenta apelar para esse problema, que ele nunca enfrentou, para concitar as pessoas a sair às ruas para buscar o sustento de que dependem para sobreviver. A irrisória ajuda, que chega aos necessitados tarde, mal e nunca, é o grande incentivo para que as pessoas não obedeçam ao isolamento social e prefiram correr riscos de saúde a passar, junto a suas famílias, pela fome cotidiana. Quanto pior atende as populações necessitadas, mais o governo sabota o isolamento e ainda quer se valer dele para ganhos politiqueiros imediatos.
O Brasil está enfrentando uma luta que definirá os destinos do país por toda a primeira metade do século, por falta de comando. O povo sofre muito mais do que o necessário, por falta de comando. As mortes se multiplicam mais do que o inevitável, por falta de comando. O mês de maio se anuncia como catastrófico para o país, sem que se veja um plano extraordinário de recursos para enfrentar o caos que já se anuncia, por falta de comando.
Seria uma derrota que condenará o país a retrocessos difíceis de ser superados no futuro, pela incapacidade, pela irresponsabilidade, pela falta de caráter de quem está na presidência da República e demonstra, a todas luzes, incompetência para conduzir o país numa hora decisiva como esta. Não adianta depois fazer passar à história como o grande responsável por esta derrota e pelas duras consequências que o Brasil e seu povo já pagam e pagarão ainda mais no futuro. Os panelaços são um grito até desesperado de Fora Bolsonaro! As forças políticas têm que encontrar a forma de realizar esse anseio nacional e organizar um comando político à altura dos decisivos embates atuais. Ainda é tempo de revertermos essa luta, que estamos, a todas luzes perdendo. Não nos perdoaremos se deixarmos passar o tempo, com o tempo de mais vidas humanas perdidas, mais sofrimentos para os brasileiros, mais desmoralização, depressão e desalento para todos.
O Brasil ainda pode reverter essa batalha da qual dependem o nosso presente e o nosso futuro. Com a falta de comando atual, estamos condenados à derrota. E sabemos que não a merecemos, que temos recursos para reverter essa luta e triunfar sobre ela.
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