Saudade de tirar os sapatos

"O governo Brasileiro acolheu, com honras e salamaleques, o Secretário belicista dos Estados Unidos, Mike Pompeo, e uma delegação de funcionários que determinam Roraima como base para exercer hostilidades de fronteira e provocações contrárias ao direito internacional", escreve a jurista Carol Proner

Mike Pompeo e Ernesto Araújo
Mike Pompeo e Ernesto Araújo (Foto: Reprodução/Youtube)


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No episódio que ficou conhecido como “a diplomacia dos sapatos”, o Brasil passou vergonha, em janeiro de 2002, quando o chanceler Celso Lafer foi obrigado a remover os sapatos três vezes no trânsito entre aeroportos e inspeções durante uma missão aos Estados Unidos. Isso porque o país do norte, traumatizado pelos atentados de 11 de setembro do ano anterior, acabava de estabelecer novo protocolo para evitar incidentes inesperados, como o do inglês Richard Reid, preso em dezembro tentando detonar explosivos instalados no próprio tênis num voo entre Paris e Miami.

Na lista dos "chanceleres descalços", diplomatas de outros países, como os chanceleres da Rússia e do Chile, também foram submetidos ao constrangimento. Outros foram poupados e até distinguidos, como no caso dos diplomatas ingleses e canadenses, escoltados na travessia ou obrigados a passar somente por máquinas de raio X.

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O episódio representou um marco de subalternidade para a diplomacia brasileira, ferindo princípios do direito internacional, regras de reciprocidade, de protocolo, além do orgulho dos envolvidos. E o capachisto não parou neste gesto, espalhando-se na incompreensão de parte da imprensa que, deslumbrada com as relações Brasil-EUA, alegou tratar-se de um evidente mal-entendido, já que os ministros "descalços" eram do “eixo do bem", de países aliados em viagem para tratar de interesses comuns, de agendas junto ao militar Secretario Colin Powell.

De lá pra cá, o Brasil levantou a cabeça, usou e abusou do aumento de credibilidade internacional, fruto da diplomacia ativa e altiva que prevaleceu durante os governos Lula da Silva e Dilma Rousseff, desfrutando do respeito que se deu como Estado soberano, como potência regional e emergente potencial mundial.

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Eis que, passados três anos entre tormentosos golpes-de-novo-tipo e ingerências híbridas, chegamos ao pesaroso dia em que a humilhação não tem tamanho: o dia em que cedemos muito mais do que a intimidade dos pés descalços, vestindo a farda de outras forças: o Brasil abriu a casa para uma visita relâmpago de afronta ao país vizinho, rompendo com a tradição amistosa e pacifista junto à Venezuela.

O governo Brasileiro acolheu, com honras e salamaleques, o Secretário belicista dos Estados Unidos, Mike Pompeo, e uma delegação de funcionários que determinam Roraima como base para exercer hostilidades de fronteira e provocações contrárias ao direito internacional. 

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O Brasil, outrora servil, agora mimetiza-se com o invasor. E apressa-se a ceder território militar como plataforma para interesses estratégicos ilegítimos e violentos. Diplomatas e militares que participaram da Operação Acolhida, talvez recrutando migrantes para um confronto aberto mais adiante, parecem dispostos a vulnerar a segurança nacional, trazendo insegurança para a população brasileira diante de um conflito iminente com a Venezuela.

E aí bate até uma saudade do tempo em que o nosso capachismo ainda provocava alguma vergonha. Mas vergonha é palavra fora de moda, assim como o é dignidade, altivez, amor-próprio, brio, soberania e... Constituição, cujo artigo 4ª, que trata dos princípios fundamentais das relações internacionais do Brasil, parece sucumbir sempre.

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