Sarapatel de coruja na OAB
A Ordem faz 80 anos agora e nunca foi presidida por uma mulher. A hora é agora. Só quem ama o passado é que não vê que o novo sempre vem
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o sol se põe por trás das dunas na Aruana. vejo, ao longe, a silhueta radical de alguns jovens magricelas que fazem sandboard.
há sinal de fumaça.
chego à casa do amigo e, como não sou de álcool, peço um indispensável suco de murici com gelo e duas folhas de hortelã.
sabe da novidade, ele me pergunta sorridente, ao me entregar o refresco.
e ele mesmo responde: além da inusitada e improvável candidatura do encanecido Emanuel Cacho, Inácio Krauss se juntou a Henri Clay, será vice na chapa do ex-adversário.
meu amigo é advogado, sempre que vou à sua casa ele me fala sobre Direito, advocacia e justiça. gosto muito quando nossas conversas peripatéticas versam sobre o grande sobre Rui Barbosa; mas ultimamente o amigo só quer falar sobre as eleições na Ordem.
o que não faço por uma boa e inteligente companhia, hidratada por suquinho de murici, adoçado com açúcar de beterraba?
mas Inácio Krauss não era contra a candidatura de Clay, não vivia dizendo que Clay pertencia a uma dinastia, que queria se perpetuar no comando da Ordem e etcéteras?, eu dei corda depois de dar um.
data vênia. aí é que está a novidade, meu caro. nas duas eleições que Clay disputou, ele não teve o voto de Krauss em nenhuma.
o amigo arrotou sem por a mão na boca, e prosseguiu:
Krauss achava que Clay tinha um projeto pessoal de poder, por isso essa obsessão por presidir a Ordem. é a terceira vez que o cabra se candidata.
na brasa, chiavam as peças de picanha. na mesa, estalavam as gélidas garrafas de cerveja alemã, entre os dedos, um cigarrim de artista. nessas condições eu falo sobre qualquer assunto.
com mil diabos, eu disse, faltam quatro meses para as eleições, a campanha ainda nem começou e já houve essa bisonha capitulação? isso me parece aperreio.
mais que isso, meu caro, não seja ingênuo. os dois não conversaram com ninguém, não pediram a opinião dos eleitores, não bateram na porta de um único advogado.
reuniram-se na calada da noite, quando os pássaros não piam, abriram champagne e decidiram monocraticamente fazer a tal aliança. a troco de quê alguém deixa de ser candidato a presidente para ser vice na chapa do adversário?
lambi os dedos enquanto mastigava o pedaço do cadáver de uma vaca; o melhor pedaço, diga-se.
estranhíssimo doutor - o amigo tem doutorado - duas pessoas tão antagônicas se unindo para formar uma chapa? vejo aí a ponta de seta do rabo do capeta. e como vai se chamar a chapa Krauss & Clay?
meu caro, os advogados já estão a chamar essa chapa de sarapatel de coruja, gargalhou o amigo, com os dentes cheios de carne.
Krauss, meu bom rapaz, encheu o saco na imprensa dizendo que ele seria o candidato da mudança, só falava em mudança, chegou a ser fotografado dirigindo um caminhão de mudança.
hhmmm, a imagem construída pelo amigo foi muito ruim. tentei ajudar.
acho que Krauss está a ser coerente. essa era a mudança: mudou de candidato à presidência a candidato à vice, e na chapa do adversário.
o amigo gargalhou com os dedos na boca do cachorro, que lhe lambia a gordura salgada.
e olha que ele pode mudar de novo, meu caro. Cacho é o candidato da novidade, tenho certeza absoluta que ele vai inovar colocando os dois na chapa dele.
aí serão três contra uma mulher.
saiu uma fumegante linguicinha apimentada. o amigo abriu um scotch. dois saguis faziam graça trepados no coqueiro.
doutor, acho que a tal mulher é a única novidade nessas eleições, jovem, bonita, sorridente, carismática e coerente.
meu caro, escuta o que estou lhe dizendo, a Ordem faz 80 anos agora e nunca foi presidida por uma mulher. a hora é agora. só quem ama o passado é que não vê que o novo sempre vem.
aí chegou um outro amigo advogado, arrependido, era um entusiasmado eleitor de Krauss. parece que até o cachorro latia zoando ele.
palavra da salvação.
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